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16 Pradial

Melina Nóbrega Miranda Pardini 12 de agosto de 2009

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Caussidière por Danton, Luís Blanc por Robespierre, a Montanha de 1793-1795 pela Montanha de 1845-1851, o jogador campeão mundial de 2000 pelo jogador em final de carreira de 2007.

Fruto da empáfia dos sacerdotes, cuja função primordial consiste em zelar pela honra do deus clubístico, pois determinadas vezes esses se compreendem tão poderosos e dignos de referências quanto a própria entidade sagrada da qual são servos, os frustrantes retornos de antigos salvadores corintianos consistem em tentativas de reviver heróis conhecidamente mortais.

A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestados os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar se nessa linguagem emprestada.

Nesse contexto de crise revolucionária, para se perpetuar em seus lugares de destaque, os sacerdotes corintianos têm buscado no passado mítico tentativas de salvação. Porém, a salvação almejada beneficia somente eles próprios, e os interesses do deus clube e a apelação dos fiéis não são contemplados.

O próprio herói compreende o perigo para além daquela situação concedida para ele resolver, pois a própria história mítica e glorificante da qual ele fez parte pode estar por um fio nas mãos das Parcas – seu passado de glória pode morrer, pois os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Se a história é cíclica, como apregoa Hegel, e se apresenta como farsa, de acordo com Marx na obra 18 Brumário, no passado corintiano há algumas caricaturas corroboradoras dessa idéia.

Em 1994 retornou ao santuário corintiano um dos líderes da épica “Democracia Corintiana”, campeão paulista de 1982 e 1983 – o herói corintiano Walter Casagrande Júnior. Passado um ano, não conseguiu repetir os feitos marcantes outrora realizados.

O “xodó da Fiel”, José Ferreira Neto, regressou ao Corinthians em 1997. O heróico título de campão brasileiro conquistado em 1990 no clube em questão não foi elemento suficiente para fazer o então técnico, Nelsinho Baptista, colocá-lo como titular no time. Além disso, foi chamado com escárnio de “gordinho” por alguns torcedores rivais.

Capitão no heróico time campeão do Mundo, o jogador Freddy Rincon aceitou a jurar novamente fidelidade ao deus Corinthians em 2004. Jogou durante um breve período e deixou o Parque São Jorge sem homenagens e honrarias.

Como a salvação vislumbrada pelos sacerdotes para conquistar o torneio Libertadores da América, em 2006, voltou ao Corinthians aquele inicialmente reconhecido como herói, e posteriormente como desafeto pelos fiéis: Ricardo Luiz Pozzi Rodrigues, o Ricardinho. Sem conseguir realizar a salvação esperada, partiu com menos de um ano do santuário corintiano sem acabar com a pecha de desafeto e voltar aos tempos heróicos dos títulos de campeão mundial de 2000, campeão brasileiro em 1998 e 1999, campeão paulista de 1999 e 2001, campeão do torneio Rio – São Paulo e da copa do Brasil em 2002.

Um dos maiores heróis corintianos, vencedor do campeonato paulista e a copa do Brasil de 1995, campeonato brasileiro e paulista em 1999 e campeonato mundial de 2000, também teve um conturbado retorno ao Parque São Jorge. Marcelo Pereira Surcin, o Marcelinho Carioca, regressou por um arranjo dos sacerdotes corintianos (arranjo formulado em benéfico somente deles próprios). Deixou o clube pouco tempo depois, após ter sido sacrificado pelo técnico Emerson Leão.

Agora, em 2007, o círculo da história novamente se completa e um passado heróico constituído de títulos, como campeonato brasileiro de 1998 e 1999, o campeonato paulista de 1999 e campeonato mundial de 2000, fica em suspenso nas mãos das Parcas. O herói regresso é metade vampiro e metade capeta: Marcos André Batista Santos, o Vampeta.

Assim como nos demais casos, o herói regressa de um passado mítico glorioso para auxiliar a concretização dos desígnios de seu deus. Porém, às vezes, os projetos podem ser formulados por indivíduos crentes de serem eles próprios deuses, e para beneficiar somente eles e não os fiéis.

Com o discurso de fazer reviver o passado de glória corintiano, apenas mazelas e tristezas têm acompanhado a perpetuação desses sacerdotes crentes de serem mais poderosos e eternos que o próprio Corinthians. A revolução necessária para reviver os idos passados de alegria e contemplação do clube não será realizada por cima! Caberá aos fiéis corintianos cuidarem da sua própria divindade, destituindo a classe almejante apenas de poder e reconhecimento social! Corintianos de todo o mundo, uni-vos!

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Como citar

PARDINI, Melina Nóbrega Miranda. 16 Pradial. Ludopédio, São Paulo, v. 02, n. 6, 2009.
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