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5 toques de obras clássicas sobre a história do futebol brasileiro, por André Capraro

Em julho, nosso convidado é André Mendes Capraro, professor associado da Universidade Federal do Paraná, com atuação permanente no programa de Pós-Graduação em Educação Física. André Capraro é integrante do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva, uma parceria entre Ministério da Cidadania e UFPR, e é membro da International Sociology of Sport Association (ISSA) e da Società Italiana di Storia dello Sport (SISS).

André Capraro é autor de dezenas de artigos que exploram a confluência entre Humanidades e esporte, em especial a relação entre futebol e literatura. É autor dos livros Histórias de matches e de intrigas da sociedade: a crônica literária e o esporte futebol (2013) e Educação Física, Esporte e Corpo – uma viagem pela história (2017). Participou da organização de coletâneas, como Passe de Letra: crônica esportiva e sociedade brasileira (2012) e Sentimentos na história: linguagens, práticas, emoções (2012).

Em sua atuação na pós-graduação, André Capraro orientou trabalhos que versam sobre temas como literatura esportiva, história das lutas, artes marciais e esportes de combate, história do futebol, o conceito de esporte, a memória esportiva (História Oral) e o turismo esportivo. Assuntos sobre os quais concentra a sua produção acadêmica.

André Capraro propõe uma seleção de obras clássicas sobre a história do futebol brasileiro, trabalhos que influenciaram a sua própria produção. Vamos, portanto, aos 5 toques do convidado:

1º toque: O pontapé inicial – memória do futebol brasileiro (1984-1933), de Waldenyr Caldas, 1990

Como o título sugere, a obra de Waldenyr Caldas apresenta uma narrativa a respeito dos primórdios do futebol brasileiro (com ênfase no estado de São Paulo) e as tensões sociais que culminaram com a regulamentação da profissão de atleta desta modalidade, no início da década de 1930. Uma crítica anacrônica poderia afirmar que a obra é panorâmica em demasia devido ao longo período delimitado. Mesmo assim vale a leitura, pois o texto, cuja primeira edição é de 1990, inaugura, a meu ver, a produção historiográfica (ao menos de forma sistemática) acerca do futebol brasileiro. Portanto, transcende as próprias narrativa e análise das primeiras décadas do futebol no Brasil, tornando-se uma valiosa fonte para compreensão do tema como pauta acadêmica.

 

2º toque: Footballmania – uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938), de Leonardo Affonso de Miranda Pereira, 2000

O primeiro contato foi com a tese que mais tarde serviu de base ao livro. Digo “de base”, pois, ressalto, houve significativas mudanças de um para o outro. Fiquei impressionado com o conteúdo daquelas aproximadas 400 páginas, tanto da tese quanto, posteriormente, da obra literária. O tema, assim como em O Pontapé Inicial, é delimitado ao período de inserção do futebol no Brasil, com ênfase no seu papel social como símbolo de distinção aristocrática nos seus anos iniciais e a subsequente apropriação pelas camadas populares. Seria inevitável que este processo resultasse em embates diversos e estes foram devidamente tratados por Pereira. É de conhecimento geral que o autor, no início da pesquisa de doutorado, tinha como objeto de pesquisa a prática da capoeira, mudando para o futebol a medida em que encontrava um conjunto de fontes tão rico. Talvez seja este o motivo para que (infelizmente) seja difícil encontrar Leonardo Pereira em eventos relacionados à história do esporte ou do futebol.

                                          

3º toque: O Descobrimento do Futebol – modernismo, regionalismo e paixão em José Lins do Rego, de Bernardo Buarque de Hollanda, 2004

Foi um susto! Quando li a obra (do hoje amigo) Bernardo Buarque de Hollanda, adquirida em um evento da Anpuh em Londrina (possivelmente, em 2005), tive sensações diversas. A primeira: a incredulidade ao descobrir que se tratava da versão adaptada de uma dissertação de mestrado (e não de uma tese de doutorado, como aparentava) premiada em um concurso promovido pela Editora da Biblioteca Nacional. Consequentemente, a segunda: a de que o autor era alguém bastante jovem, embora tivesse uma escrita madura e uma fundamentação teórica consistente. Por último, percebi um alerta na obra: fontes literárias são uma possibilidade profícua, pensando em futebol. Não tenho como negar que esta obra foi a que mais influenciou na escolha do meu tema de doutorado, a relação entre a crônica e o futebol.

 

4º toque: Dança dos deuses – futebol, sociedade, cultura, de Hilário Franco Júnior, 2007

Franco Júnior foi outro reconhecido historiador que escreveu um ensaio com o futebol como temática central. O medievalista, vencedor de dois prêmios Jabuti, tentou esboçar livremente na obra uma história social do futebol e, na sequência, interpretá-lo como fenômeno global apoiado em teorias da própria História, Antropologia e Sociologia. Mesmo sofrendo críticas ácidas por ter associado a origem do esporte bretão a práticas lúdicas medievais, o livro é uma síntese interessante da história do futebol (não só nacional). Como a obra foi lançada na mesma época em que Veneno Remédio de Wisnik, inclusive pela mesma editora, a celebrada Cia das Letras, entende-se que o futebol ascendia como assunto de interesse de um público mais amplo. Leitura recomendável exatamente pela liberdade interpretativa (embora esta não esteja isenta de críticas).

 

5º toque: Veneno Remédio – o futebol e o Brasil, de José Carlos Wisnik, 2008

Quando Wisnik lançou o seu ensaio, também no final da primeira década do século XXI, o impacto foi considerável, inclusive transcendendo o próprio meio acadêmico. A explicação para tanto é simples: o autor, além de docente da USP, era um reconhecido crítico literário e musical, além de compositor (tem músicas em parceria com Tom Zé e Caetano Veloso) e músico (inclusive lançou um CD com Elza Soares). Embora os insights futebolísticos sejam inegavelmente criativos e exista certa reflexão sobre os macromodelos explicativos para o Brasil (de Freyre a Candido, passando por Sérgio Buarque de Hollanda), reforçando a tese de que o esporte (outrora bretão) é um fenômeno da cultura nacional, Wisnik dialoga pouco com seus pares especialistas no assunto, ou seja, praticamente nos ignora. Mesmo assim é uma obra fundamental a quem tem interesse no futebol e cultura brasileira.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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André Mendes Capraro

É graduado em Educação Física e Psicologia e também é mestre e doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. Cursou o estágio pós-doutoral na Università Ca Foscari di Venezia (2012-2013). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade Federal do Paraná, atuando nos programas de Pós Graduação (mestrado/doutorado) em História (colaborador) e Educação Física (efetivo). Também é avaliador institucional e de cursos de graduação (INEP), membro da International Sociology of Sport Association (ISSA) e da Società Italiana di Storia dello Sport (SISS).

Raphael Rajão

Autor de A bola, as ruas alinhadas e uma poeira infernal: os primeiros anos do futebol em Belo Horizonte (1904-1921). Graduado e mestre em História pela UFMG. Doutor em História, Política e Bens Culturais pela Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC. Atualmente pesquisa o futebol de várzea em Belo Horizonte.

Como citar

CAPRARO, André Mendes; RIBEIRO, Raphael Rajão. 5 toques de obras clássicas sobre a história do futebol brasileiro, por André Capraro. Ludopédio, São Paulo, v. 157, n. 5, 2022.
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