50 anos depois, ainda honrando o nome de Minas (Hulk, o mais mineiro dos atleticanos)
Uma história em 4 atos
Uma das características do mineiro é ser tradicionalista. Ter amor pela tradição, pelos costumes, pelo passado e pela memória.
“A Minas cabe, pois, a missão de preservadora do passado” (LIMA, 1944, p. 124)
É uma das marcas do discurso da mineiridade: a defesa da continuidade da tradição, de ter a história como o elemento unitário da identidade mineira. Logo, mineiro é um memorial.
José Carlos Reis, em seu livro Identidades do Brasil 3: de Carvalho a Ribeiro — História Plural do Brasil (2017) apresenta sua tese de que, em Minas Gerais, existem três vozes: a voz do ouro, a voz da terra e a voz do ferro. Para o autor, a principal voz de Minas é a voz da terra, marcada pela tradição, pela conservação da vida comum — “a mudança é morte”.
Já Paulo Pinheiro Chagas em As idéias não morrem (1981), traz sua distinção dos tipos sociais de mineiros, apresentando o mineiro do tipo rural com um espírito de aventura, de amor à liberdade. Ainda nessa linha, outra característica do povo mineiro é de ser mais liberal, democrático e amante da liberdade e do progresso, em comparação aos outros brasileiros — muito por influência da Inconfidência Mineira, digamos.
E se falamos de mineiridade, liberdade e tradição, um dos personagens dessa história que nos vem à cabeça por agregar todos esses elementos, é o mineiro de Ponte Nova, José Reinaldo de Lima, o Rei do Galo.
1° ato da nossa história
Reinaldo foi o craque de sua época. Apelidado de baby-craque logo quando surgiu no Galo, aos 16 anos, foi escrevendo seu nome na história do clube, de Minas Gerais, do Brasil — na história do futebol, por assim dizer. Muitos conhecem o Rei por ser o artilheiro máximo do clube, por ter encerrado sua carreira jovem ainda por conta das inúmeras lesões, pelos timaços da década de 70 e 80. E muitos o conhecem pela sua luta contra a Ditadura Militar.
Comemorando seus gols com o punho cerrado originário do movimento dos Panteras Negras nos Estados Unidos, Reinaldo sempre jogou um futebol mais à esquerda. Via nos campos de futebol a oportunidade de gerar debates e conversas sobre o regime e a necessidade da volta da democracia. Pelo seu posicionamento e os punhos cerrados, foi alvo de críticas do general Ernesto Geisel (“Vai jogar bola, garoto. Deixa que política a gente faz”, disse o general no embarque da seleção brasileira para a Argentina para o camisa 9), alvo das ditaduras latino-americanas e alvo de boicotes da CBD, que cortou o artilheiro do Brasil do selecionado para a Copa do Mundo de 1982.
Durante os anos do reinado de Reinaldo, Minas Gerais era destaque nacional todas as vezes em que o Atlético Mineiro disputava uma partida. Era, de fato, “o centro de gravidade do Brasil”.
“Minas não é o Brasil. Mas está naturalmente fadada a ser o centro de gravidade do Brasil” (LIMA, 1944, p. 124)
Reinaldo, então, foi vítima. Tirado da final do Brasileiro de 1977 contra o São Paulo — em que marcou incríveis 28 gols em 18 jogos do campeonato; expulso injustamente da final do Brasileiro de 1980, contra o Flamengo e, novamente em 1981, na Libertadores, contra o mesmo clube do Rio de Janeiro, o Rei não conseguiu levantar um caneco do Brasileiro pelo clube que tanto ama. Não somente o Reinaldo não conseguiu, mas 50 anos foram necessários para que o Atlético Mineiro fosse campeão do Brasil novamente.
2° ato da nossa história
Voltemos para 1971. O Atlético foi o primeiro campeão do que conhecemos hoje como Campeonato Brasileiro. Batendo o Botafogo de Jairzinho em pleno Maracanã, os torcedores alvinegros fizeram uma verdadeira “festa junina” em pleno dezembro nas ruas do Rio de Janeiro e do estado das alterosas. O título coroou a hegemonia do Galo no estado em que tem orgulho de representar.
Após 1971, o Galo não levantou mais nenhuma taça do campeonato brasileiro. Oportunidades não faltaram: 1977, 1980, 1999, 2012 e 2015 foram anos que bateram na trave. E o jejum crescia e incomodava as várias gerações de atleticanos que ansiavam por esse título. Mais anos se passavam, o jejum aumentava, e os atleticanos e atleticanas, alimentavam essas histórias do passado, da vitoriosa geração de 1971. Enquanto via o outro clube de Minas levantar alguns canecos, a vitória celeste sempre pareceu mais uma vitória das origens palestrinas e italianas — e não é tirando o mérito do clube celeste, são apenas narrativas diferentes entre os clubes.
Afinal de contas, tudo é narrativa. A narrativa que o Galo sempre quis apresentar é a de ser o time de Minas, o clube da mineiridade.
3° ato da nossa história
Corta para 2021. Enfim chegou, 50 anos depois, com um roteiro escrito diretamente pelos deuses do futebol. O título do Brasil? Veio logo num dia 02.12.2021, aniversário de Minas Gerais. Uma conquista mineira do Brasil. Aí você pode perguntar: o que tem a ver ganhar o Brasileirão no dia do aniversário de Minas Gerais com essa tal ‘mineiridade’ que o clube tanto prega?
“Símbolos existem por todos os cantos do mundo civilizado. Símbolos que relembram epopéias e lutas, conquistas e pátrias, símbolos que eternizam os homens e as sociedades, símbolos que evocam o passado e que rasgam os caminhos triunfais do futuro. Símbolos. Menções que se repetem na cartilha do homem na homenagem dos que se constituem em legendas que o tempo e o espaço não podem derrubar” (ZILLER, 1997, p. 246).
Como visto por Ziller (1997), os símbolos evocam o passado e rasgam os caminhos do futuro. O simbolismo por trás da conquista do 50° Campeonato Brasileiro está, como dissemos anteriormente, na narrativa que o clube alvinegro construiu ao longo desses 113 anos: “honramos o nome de Minas”. O título parece que veio como um presente de aniversário para Minas Gerais.
4° e último ato
O craque do campeonato, sem sombras de dúvida foi Givanildo Vieira de Sousa, o Hulk. E por falar em Hulk, talvez ele seja o mais mineiro dos atleticanos, uma vez que soube honrar o passado e libertar o clube desse jejum de meio século.
Hulk, após marcar o segundo gol contra o Fluminense no dia 28.11.2021 e, praticamente, confirmar o título, comemorou ala Reinaldo. Ao fazer um gol que deixou o Atlético mais próximo de conquistar o título, Hulk honrou o passado e a história do clube, reverenciando o maior ídolo da instituição centenária que, por inúmeras injustiças e tantas vezes batendo na trave, não levantou nenhum caneco.
Muitos se foram nesse intervalo de 5 décadas e não viram algo que esperaram por uma vida inteira. Hulk, nordestino, viveu uma campanha como um bom mineiro e coroou essa conquista com os três principais elementos do povo das alterosas: o amor e respeito pelo passado, ao evocar a figura do Rei com o punho cerrado; o apreço pela liberdade, quando libertou o clube de uma estigma que o perseguia a 50 anos; e por ter feito uma campanha épica que culminou no título no dia do aniversário de Minas Gerais, um grande presente de aniversário para Minas Gerais, para os torcedores, para o Brasil.
A verdade é que, desde o dia 02.12.2021, Minas Gerais está em festa. E a partir de agora, sempre vai estar. Dia 2 de Dezembro é aniversário desse grandioso estado que o Galo tem orgulho de honrar o nome. O Brasil está em festa. E viva o Rei! Viva o Galo!