Nesse ano, o estádio completou 60 anos e para homenageá-lo relembraremos alguns fatos marcantes, ressaltando o significado simbólico que possui para a cultura brasileira. A construção iniciou-se em 1948 e em pouco tempo estava erguido o maior estádio do mundo na ocasião. Todos o conhecem pelo seu apelido, Maracanã, mas talvez não o conheçam pelo seu nome oficial, em homenagem a um grande jornalista, o Mario Filho. De acordo com Bernardo Buarque de Hollanda1 a mudança do primeiro nome do Estádio aconteceu por uma sugestão:

A sugestão do radialista Valdir Amaral e do cronista Nelson Rodrigues, seu irmão mais novo, enviada à Câmara de Vereadores da cidade, culminou em 1968 com a mudança no nome do Estádio Municipal do Rio de Janeiro, o Maracanã, para Estádio Mário Filho, praça desportiva que ele tanto se empenhara em construir ao longo dos anos 40 (2009, p. 163).

No dia 16 de junho, quase menos de dois anos depois de sua construção, o estádio recebia o primeiro jogo para a sua inauguração. Uma partida disputada entre a seleção carioca e a paulista, que terminou com a vitória dos paulistas por 3 a 1, mas o grande feito desse dia coube a Didi que fez o primeiro gol do estádio. Passado esse teste, oito dias depois, o Maracanã recebia o seu primeiro jogo oficial, pela IV Copa do Mundo entre Brasil e México, partida vencida pelos brasileiros por 4 a 0.

Panorâmica do Maracanã. Foto: Nicholas Bittencourt

Se o país estava em festa pela grandiosidade do estádio, foi nesse mesmo ano que aconteceu a primeira decepção: a derrota na final da Copa para o Uruguai. Apesar do Brasil “apenas” precisar do empate para sagrar-se pela primeira vez campeão do mundo de futebol para alegrar o povo brasileiro a derrota provocou um “silêncio ensurdecedor”. O estádio até hoje convive com o trauma de não ter visto o Brasil ser campeão mundial. Essa partida ficou conhecida como Maracanazzo. E para superar esse trauma é preciso dizer sem medo que o Brasil nunca mais vai ganhar a Copa de 1950. Porém, toda vez que acontece algum jogo contra o Uruguai e, principalmente, no Maracanã a imprensa esportiva faz questão de relembrar as feridas abertas daquele dia de junho.

Após o trauma da derrota da Copa de 1950, o Maracanã recebeu grandes partidas, viu gols antológicos, viveu tempos de muita alegria. Com isso, o Maracanã passou a pontuar a vida, a compor a lembrança daqueles que presenciaram os famosos FLA-FLU, a invasão corintiana de 1976,  as muitas finais do Campeonato Brasileiro, que viram também grandes craques desfilarem categoria em seu gramado.

No dia 19 de novembro de 1969, numa partida válida pelo torneio Roberto Gomes Pedrosa Pelé marcou de pênalti o seu gol número mil e fez um pedido ao ser rodeado por repórteres: “pensem nas criancinhas”. Quarenta anos depois Pelé relembrou aquele momento e revelou que suas pernas tremeram quando foi chutar o pêntali: “Pensei na hora que eu não podia perder porque o Maracanã inteiro gritava ‘Pelé, Pelé, Pelé’. E eu não podia decepcionar o povo brasileiro. Só deu a tremedeira. Graças a Deus fiz o gol”2. Marcar mil gols já é um grande feito e conseguir estabelecer essa marca no maior templo do futebol é uma forma de gravar na memória do futebol esse momento.

Fim de jogo. Foto: Sérgio Settani Giglio

Em 2000 foi inaugurada a calçada da fama do estádio e lá estão imortalizados os seguintes atletas: Ademir Menezes (in memorian), Ademir da Guia, Adílio, Alex, Almir (in memorian), Altair, Amarildo, Andrade, Assis, Barbosa (in memorian), Bebeto, Beckenbauer, Bellini, Branco, Brito, Carlos Alberto Torres, Carpegiani, Castilho (in memorian), Cláudio Adão, Coutinho, Danilo Alvim (in memorian), Dario, Dequinha (in memorian), Dida, Didi, Dirceu Lopes, Djalma Santos, Dunga, Edinho, Edmundo, Edu Coimbra, Eusébio, Evaristo, Falcão, Félix, Figueroa, Friaça, Garrincha (in memorian), Gerson, Gylmar, Ipojucan (in memorian), Jair Rosa Pinto, Jairzinho, Joel Martins, Jorginho, Julinho, Júnior, Leandro, Leão, Leônidas, Luís Pereira, Luizinho Lemos, Manga, Marco Antônio Marinho, Marinho Chagas, Marta, Nilton Santos, Orlando, Paulo Borges, Paulo Cézar Lima, Paulo Henrique, Pelé, Pepe, Pinga, Pinheiro, Quarentinha (in memorian), Raul Plassman, Reinaldo, Renato Gaúcho, Rivelino, Roberto Dinamite, Roberto Miranda, Ronaldo Fenômeno, Rondinelli, Romário, Romerito, Rubens (in memorian), Samarone, Silva Batuta, Sócrates, Telê Santana, Tita, Tostão, Vavá, Waldo, Washington, Zagallo, Zico, Zinho, Zito, Zizinho e Zózimo (in memorian). Existe somente uma única mulher na lista, a jogadora Marta que foi incluída na lista após a seleção feminina de futebol conquistar a medalha de ouro nos XV Jogos Pan-Americanos, em julho de 20073.

No Rio de Janeiro, o Maracanã tornou-se um ponto turístico tanto quanto o Pão-de-Açúcar e o Cristo Redentor. Para entender a sua importância, além de visitá-lo, de conhecer o seu museu, é preciso ver uma partida para visualizar em ação a magia da interação dos elementos – estádio, torcida, time – que faz do Maracanã ser carinhosamente chamado de Maraca, Templo do Futebol, o Maior do Mundo etc.

Esses são apenas alguns exemplos dentre tantos outros que podem ser utilizados para falar sobre e do Maracanã. Esse estádio, construído para ver o Brasil campeão em 1950 consolidou-se como um grande local em que o futebol é celebrado, funcionando como um verdadeiro espaço de construção de uma memória. Os grandes jogos, as grandes finais que ali aconteceram são capazes de pontuar a vida das pessoas. Por isso pensar a construção de uma memória coletiva a partir desses espaços em que se compartilham fatos coletivos sendo que essa memória não é feita somente do vencedor, vide a questão sempre relembrada da derrota para o Uruguai em 50.

Informação divulgada no telão do Maracanã. Foto: Sérgio Settani Giglio

Enquanto o país começa a viver o clima da Copa de 2014, com as reformas previstas e muitas ainda não iniciadas nos estádios que vão receber os jogos da Copa do Mundo existe uma certeza irrefutável: é do Maracanã a final dessa Copa. Ninguém ousa tirar esse jogo desse estádio símbolo do futebol brasileiro. Mas até essa final o Maracanã terá passado por uma verdadeira lipoaspiração, vai ser totalmente remodelado, desde as cores das cadeiras até o aumento da cobertura do estádio. E como toda lipoaspiração tira o excesso, será reduzido o número de 86 mil pessoas para 76 mil e para a Copa 70 mil assentos estarão disponíveis4. Só resta saber com qual cara ficará o Maracanã após essas modificações.

Após a sua reforma espera-se que, ao completar 64 anos, o Maracanã possa novamente receber o Brasil como a seleção classificada para a final da Copa de 2014. Essa será a chance do maior estádio do mundo ver algo inédito: o Brasil campeão do mundo em seu país. Quiçá contra o Uruguai!


[3] Fonte: http://www.suderj.rj.gov.br/maracana.asp. Acesso em 22 de setembro de 2010.
[4] Fonte: www.copa2014.org.br/galeria-de-fotos/186/IMAGENS+DO+MARACANA+PARA+A+COPA+DE+2014.html. Acesso em 22 de setembro de 2010.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. 60 anos de Maracanã. Ludopédio, São Paulo, v. 15, n. 6, 2010.
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