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7 lições e uma certeza

Marco Lourenço 8 de julho de 2018

Este texto é um esforço – e um desafio – em trazer reflexões a respeito da seleção brasileira de futebol. Explico: escrevo esta coluna no aniversário do 7×1 e após mais de 48h da eliminação da seleção na Copa da Rússia.

O esforço é pela natural falta de entusiasmo em pensar em Neymar, Tite e cia (a famosa ressaca). O desafio? Trazer um olhar geral e ponderado em meio às diversas pertinentes e conflitantes análises distribuídas em todos os meios de comunicação (ou seja, esfriar a cabeça e pensar com calma sobre tudo o que aconteceu).

Até mesmo aqui no Ludopédio o assunto já foi e continua sendo explorado com muitas nuances, carregadas de bagagens teóricas, surveys e análises documentais. Por isso, escolho tomar um rumo diferente neste espaço e peço licença aos colegas pesquisadores para esculhambar um pouco mais o esculhambado.

Neymar procura a bola em lance contra a Bélgica. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Direto ao ponto: o sucesso da seleção brasileira de futebol deve ser resultado do sucesso dos atletas brasileiros, e, acima de tudo, do futebol brasileiro. Essa premissa é aparentemente um consenso e uma certeza mesmo entre quem pensa o esporte de maneira muita diversa, mas o how-to é o feixe que abriga as mais delicadas divergências.

E se é pra divergir, tem que chegar junto – com intensidade, como o tal Adenor colocou na pauta esportiva. Trago informação! – diriam os pilotos do Choque de Cultura. Prefiro seguir a linha modesta à contramão do senso comum pretensioso do brasileiro-pátria-de-chuteiras: toma então 7 lições sobre a nossa bola:

#1 | Tite é meu pastor, e como qualquer outro, muito me faltará

Tite se tornou uma unanimidade. Em meio à maior temporada de importação de técnicos estrangeiros – ao menos da história recente brasileira -, um treinador passou a ser ovacionado nas mesas redondas e até mesmo nas arquibancadas. Convido os colegas pesquisadores a lembrar de outro com a mesma confiança no comando da seleção. Não sei se toda unanimidade é burra, mas quem conhece um pouco de Corinthians sabe que Tite escreve certo com linhas tortas. Aliás, acabar com uma das maiores anedotas do futebol brasileiro – Corinthians 100 libertadores – certamente credenciou sua ida ao comando técnico do time da CBF. Mas devemos considerar algo objetivo: Tite foi vitorioso no Corinthians, mas com dificuldades (muitas) e precisou de tempo.

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Tite gesticula durante a partida contra a Bélgica. Foto: André Mourão/Mowa Press.

#2 A Copa do Mundo é uma performance geopolítica

Esqueça a ideia de que a Copa do Mundo reúne os melhores atletas do planeta. Pra ter o que há de melhor na modalidade você precisa de dólares, euros ou yuans. Alguma dúvida que Bayern de Munique, Manchester City e Real Madrid estariam nas semifinais sem grande sustos? O arranjo das equipes delimitadas pela nacionalidade, embora subvertidas com as pontuais naturalizações de estrangeiros, está associado a performance política das delegações naturais – com agendas políticas e compromissos comerciais (lícitos ou não) próprios.

#3 A fé em Jesus ou nas narrativas puristas não transforma água em vodka

O menino carismático e talentoso pintava as ruas do subúrbio de São Paulo entusiasmado com a possível conquista do Hexa disputado no Brasil. Quatro anos depois ele veste a camisa 9, com um grupo revigorado e confiança restabelecida. Toda a expectativa de Gabriel Jesus e da torcida brasileira foi um equívoco descomunal. Jesus sequer foi titular do Manchester City. Ele ainda é jovem. Ele não é como Ronaldo, tampouco como Pelé. Um jovem de 21 anos costuma responder à pressão com um jovem de 21 anos: cometendo erros e aprendendo. Jesus poderá dar uma resposta, quem sabe, em 2022.

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Gabriel Jesus tenta, sem sucesso, marcar um gol na Copa. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

#4 Na Copa do Mundo de Memes, nós somos campeões

Estatísticas e curiosidades nunca entraram em campo. Fora 1958, somente seleções europeias vencem a Copa na Europa. O Brasil só venceu Copas com jogadores de Palmeiras e São Paulo. Tite jamais virou uma partida com 2 gols de diferença. Pra que serve tudo isso? Colocar em perspectiva nossas possibilidades, mas acima de tudo, algo como deixar a resposta pronta antes da pergunta. E caso algo fuja da regra: “tabu foi feito pra ser quebrado”. No fim das contas, rir é a melhor saída. Que a irreverência cauterize essas feridas.

#5 Vilões e heróis cabem no livro e dentro das quatro linhas

O futebol é um esporte coletivo. Elenco, comissão técnica, equipe médica e até assessoria de imprensa ganham juntos ou perdem juntos. Ninguém irá contestar essa afirmativa. Mas em um jogo que permite um resultado totalmente distinto da performance, individualidade e coletividade coexistem perfeitamente. É inegável o cruel massacre sobre o meio-campista Fernandinho. E é inegável que a parcela do seu erro seja ponderadamente calculada e ele possa ser condenado, tal qual o pisão de Felipe Melo (2010) ou a ajeitada no meião de Roberto Carlos (2006). Dentre as atividades humanas realizadas de forma coletiva, o futebol, sem engano, é uma das substâncias mais intrigantes. Veja: quem acompanha a premier league sabe que Fernandinho foi um dos melhores volantes da temporada. Com a camisa da seleção – já testado em 2014 -, Fernandinho parecia um atleta sub-12 jogando entre as cobras da geração Joga Bonito.

durante a partida da Copa do Mundo 2018 entre Brasil x Suica na arena Rostov na Russia
Fernandinho em ação durante a partida da Copa do Mundo 2018 contra a Suíça. Foto: André Mourão/Mowa Press.

#6 A seleção corinthiana é só mais uma seleção que não venceu

A constatação de que o grupo composto por profissionais e atletas identificados com o Corinthians tornou-se um termômetro interessante da honestidade intelectual de muitos comentaristas de fóruns e facebook. Qual a relevância destes comentários? Quem são essas autoridades destilando suas densas análises? Oras, já avisei. Este texto pretende ser modesto em suas convicções e convicto de suas provocações. Essa onda de condenação em torno do suposto corinthianismo da seleção reúne senso crítico, razoabilidade, irreverência e ódio. Diante deste espectro heterogêneo, a condenação do conjunto de ex-atletas do Corinthians (Silvinho e Edu Gaspar aposentados & Paulinho, Renato Augusto, Marquinhos e William), comissão identificada (Tite campeão de (quase) tudo no Corinthians) e jogadores do elenco atual (Cássio e Fágner) é mais uma matéria-prima para memes do que um dado relevante. Ou você – corinthiano, especificamente – acredita que se o Brasil seguisse até a final e conquistasse o título, a seleção sairia com uma bandeira alvinegra no desfile do carro de bombeiros?

#7 O 7 a 1 não é um substantivo, é um adjetivo

Matar aula é um esporte nacional bem praticado. As aulas de história também foram vítima deste esporte lendário da cultura nacional. Bom, tudo isto tem um custo muito alto, tendo em vista a vida política do país da última meia década, especificamente. Fora da esfera educacional/acadêmica, corre a narrativa do cotidiano, pautada pelas mídias (tradicionais ou modernas), e é de onde o entendimento da realidade acaba sendo mais substancial. E uma das formas de apreensão dos eventos históricos é a apropriação dos objetos e sua ressignificação.

O “7 a 1” foi uma redução de um episódio que rapidamente tornou-se sujeito de narrativas, e pouco tempo depois tornou-se adjetivo para situações e pessoas. “Cada dia um 7 a 1 diferente”. “Geração 7 a 1”. “Ficou com cara de 7 a 1”. Assumir a tragédia certamente é um passo fundamental para tomar novos rumos. Mas o que cabe dentro deste “7 a 1”? Falta de planejamento? Muito chororô? Ausência do futebol raiz? Afinal, se o 7 a 1 é uma ideia amplamente difundida por toda a nação brasileira, questiono: o que significa o 7 a 1?

Miranda puxa um dos ícones da geração belga, o jogador Lukaku. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.
Miranda puxa um dos ícones da geração belga, o jogador Lukaku. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Precisávamos de um treinador mais preparado? Tivemos. Um elenco mais aceitável? A despeito de raras exceções, tivemos. Mais modéstia? De certa forma, tivemos. No fim das contas, o “7 a 1” é um símbolo abstrato do fracasso – humilhação. Por si só, é um metafracasso – O quê? Que papo é esse? O fracasso maior é a ficha não ter caído. A derrota para a geração belga – favor repensar antes de dizer que ela só existe no FIFA ou PES – não foi uma humilhação. Ela foi uma derrota. O persistente fracasso é ainda não entendermos que a certeza que compartilhamos não nos move juntos na mesma direção. Nossos clubes continuam endividados. Nossos bons jogadores sonham e vão jogar fora do país cada vez mais cedo. Nosso calendário é absurdo. Nossa organização é feita por quem não ama o futebol – ou ao menos, não se importa com ele. Nossa justiça desportiva é parcial. Nossas torcidas são criminalizadas. Nossas arquibancadas foram higienizadas. Nosso futebol continua adoecendo.

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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. 7 lições e uma certeza. Ludopédio, São Paulo, v. 109, n. 12, 2018.
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