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A adicção nas biografias de grandes jogadores do passado e sua importância nas decisões de cidadãos de hoje: os casos de Reinaldo e Casagrande

Douglas Oliveira 29 de maio de 2020

Desde quando eu era garoto, meu pai dizia que, de sua geração, aquele sujeito foi o artista mais completo a pisar num gramado de futebol no Brasil. Estou me referindo a José Reinaldo de Lima, o Rei da massa do Galo. Não o vi em campo, mas cada vez o admiro mais quando se coloca por inteiro fora dele, e isto só aumentou quando li a bela biografia que seu filho, Philipe Van R. Lima, escreveu, o livro Punho cerrado[1]. Se a história seguisse algum script pré-determinado, onde ficção e realidade se fundissem numa matéria única, nascia um Bertolt Brecht ou um Walter Benjamin por época. Mas não, a vida insiste em fazer tudo do seu jeito, de sua forma bem mais sábia e o que contarei aqui será – além da influência que estas obras tiveram para que eu me reconhecesse como dependente químico e me internasse – como certa vez imaginei, na condição de adicto ao ler este livro, algo que fiz em conjunto com a obra Casagrande e seus demônios[2], pelo jornalista Gilvan Ribeiro, o curso que as coisas poderiam ter seguido se aquele que tomo como o maior centroavante da história do Brasil sentisse aquilo que o saudoso Magrão denominou como o “peso da camisa do Corinthians”[3].

O tema específico deste artigo é pontuar como figuras que fizeram diferença dentro e fora de campo em suas épocas abordaram abertamente a drogadição e hoje ajudam pessoas em processo de recuperação da adicção. No meu caso, sou professor de ensino básico, profissional bem-sucedido e com dois cargos efetivos, e nos próximos dias me submeterei a uma internação que durará seis meses para a desintoxicação e reabilitação de hábitos e costumes de vida. A adoção de livros com este caráter pelas secretarias de educação do Brasil pode contribuir em muito para o debate sobre o assunto em nossas escolas, pois ex-jogadores, que no passado lançaram moda e estilos de vida e comportamento, hoje vendem a ideia de que se manter vivos e limpos é praticamente um ato de rebeldia contra o sistema que perdura nas periferias do nosso país.

A adicção parece ser o nó górdio que impede que os relatos sejam autobiográficos, haja vista que ambos têm talento para a escrita. Pela primeira vez, Reinaldo precisou de um intermediário para se comunicar com seus súditos atleticanos, transformando o livro sobre sua vida em uma “biografia”. O mesmo aconteceu com Casão, embora este aborde com muito mais desenvoltura a questão da drogadição. À época, foi publicado até que o ex-jogador não teria lido a versão final para não revisitar os “demônios” que o atormentaram na fase mais aguda do vício.

Não há quem passe imune pelos vícios e com eles não atrite seus traumas, seja na porta de entrada ou na da saída, onde sempre tentamos adiar o último copo, trago, dose ou teco.

Como o assunto é tratado de modo mais aprofundado no livro de Casagrande, dividirei o artigo em dois tópicos principais, antes de uma pequena conclusão. O primeiro é mais onírico e abrange como fui lendo a biografia de Reinaldo imaginando ele contratado pelo meu time de coração, o Corinthians, que nos anos 1970 amargava uma fila que vinha desde o Paulistão de 1954. O objetivo é compartilhar como esta leitura mais intimista foi prazerosa para mim. No segundo, abordo o ambiente mais degradante e devastador vivido por Casão. Horror este que se inicia ainda no período em que brilhava nos gramados, mas só tem fim mesmo com a internação involuntária, imposta pela família e assinada por seu filho mais velho, Victor Hugo, após o ex-craque causar um acidente de trânsito, ter tido algumas overdoses e já consagrado como o principal comentarista esportivo do país.

O casamento onírico e imaginário entre o Rei e a Fiel?

Todos os grandes clubes do Brasil sonharam com Reinaldo, mas sua eventual saída precoce do Galo não seria uma dessas “traições ordinárias”, uma virada de casaca qualquer do futebol, mas sim o sequestro de um símbolo e o que torna tudo isso ainda mais inusitado é que o Corinthians tentou comprar quase todos os craques surgidos no período de interstícios de títulos, mas não a ele. O Rei é aquilo que Durkheim ou Marcel Mauss chamariam, caso abordassem o universo ludopédico, de “craque totêmico”, e o Mineirão foi uma espécie de templo construído para ele brilhar, para que os atleticanos pudessem sempre dizer até a nós, corinthianos, que nossa torcida pode até ser a aquela que se diferencia por ter um time[4], mas só eles tiveram um Rei.

A majestade aqui citada é de outra ordem, não aquela que alguns atletas têm sobre as modalidades esportivas para as quais nasceram. O Pacaembu mesmo, que é a casa afetiva de cada corinthiano com mais de trinta anos, é o mais charmoso dos estádios brasileiros, mas jamais um jogador foi classificado como seu rei, como Zico o foi do Maracanã, Roberto Dinamite o de São Januário e o Reinaldo do Mineirão. Esta “transação imaginária”, que sonhei ao ler o livro do filho do Rei, certamente mudaria a história do futebol brasileiro e quiçá mundial, pois Sócrates, o capitão do escrete de 1982 e principal líder daquela geração, jogava no Corinthians, também era seu admirador e naquele clube começava a ser encetada uma experiência autogestionária, icônica, que alguns anos depois mudaria a relação entre atletas, treinadores e dirigentes numa das principais agremiações futebolísticas do país.

Até mesmo as ditaduras encontram limites e não dava para zagueiro de Série A fazer aquilo que pagavam para os caneludos do interior de Minas fazerem com seus joelhos. Foi preciso contratar um juiz[5] para desferir o mais cruel dos golpes que o Rei levou dentro de campo, naquele fatídico, inesquecível e decisivo embate com o Flamengo na Taça Libertadores da América de 1981. Desde cedo, aprendemos que “desculpas” a gente pede por uma falha não intencional. Quando o objetivo é prejudicar e causar sofrimento, é “perdão” que uma mãe sensata nos ensina a pedir. Não foi à toa que o ex-árbitro José Roberto Wright foi, recentemente, chamado de canalha pelo Rei, quando tentou atenuar seu crime com escusas a pedido de um programa pasteurizado de uma grande emissora de televisão[6]. Poucas vezes na história um árbitro transformou torcedores em testemunhas de uma covardia tão expressa, como naquela expulsão num dos jogos mais importantes da década de 1980.

José Roberto Wright expulsou cinco jogadores do Atlético-MG, incluindo Reinaldo, no embate com o Flamengo na Taça Libertadores da América de 1981. Foto: Reprodução.

Mas o que me faz pensar nele nestes dias, que antecedem minha internação para a desintoxicação de álcool e cocaína, é saber que alguns dos homens que mais admiro carregam consigo algo com o qual estou começando a conviver “abertamente” há poucas semanas, a dependência química. Um professor, como eu, aprender com exemplos como os do Casão e o do Rei entronado pelo povo tem algo de especial e torna, ao menos para mim, este processo que hoje encaro algo um pouco mais leve. E nada impede que um ato desses ajude outras pessoas na mesma situação, pois a adicção encontra-se entre as grandes questões de saúde do nosso século, para além da depressão e de pandemias com prazo de validade, como a Gripe H5N1 e o atual Covid-19.

Não escrevo este texto apenas por ser corinthiano, mas para que o Rei também possa imaginar como poderia ter sido sua trajetória até dentro de campo, uma vez que uma torcida que impõe como lei não vaiar nem o mais ordinário perna de pau a usar nosso manto seria capaz de invadir o gramado para não deixar o joelho de seu menino de ouro se desfazer no bico das chuteiras mais desleais que o Brasil já viu. Relembrando o folclórico Seu Vicente Matheus, caminhão algum de Brahminhas o tiraria sequer do nosso departamento médico. Até mãe a gente empresta para amamentar ou mesmo criar obra alheia, mas Rei, minha gente, é daquela categoria humana que o folclórico dirigente dizia ser “invendável” e “imprestável”, dos que não podem sair. O Doutor mesmo só o foi porque nem o movimento das Diretas deu conta de garantir ao nosso povo o direito inalienável de decidir quem nos governaria, e isso foi muito nobre de sua parte[7].

O faço mesmo por uma razão muito maior, pois hoje, na condição de professor adicto, me sinto na obrigação de me internar deixando aos que ficam no “isolamento” aqui de fora ao menos a abertura de um debate público numa das raras ocasiões de nossa história em que a saúde pública é defendida não apenas em abstrato. Com a educação, a gente cansa de ver isso, e só nas greves e ocupações ela é vista como demanda concreta da sociedade. Sim, professores, advogados, engenheiros, atletas, médicos e outros profissionais de destaque se drogam e todos nós precisamos de acolhimento e ajuda, pois é impossível sair sem auxílio alheio. E o que estou defendendo aqui é que obras desta magnitude nas escolas podem se tornar quase que um serviço de saúde preventiva nas mãos de professores preparados para debaterem alcoolismo e drogadição a partir de uma perspectiva progressista e aberta.

A primeira vez que pensei em abandonar o vício foi quando assisti a uma entrevista do Rei onde ele dizia que é inútil tentar vencer a cocaína, pois ela nunca perde uma bola dividida. Agora, praticamente às vésperas de uma internação que entendo como necessária não só para mim, mas para tranquilizar minha família, meus amados alunos e companheiros de trabalho e todos que me estimam, deixo em forma de artigo um pouco das reflexões que tive quando li a biografia dele e do Casão, essas duas referências futebolísticas e humanas que hoje tenho.

Infelizmente, ainda não li a do Paulo Cézar Caju, que certamente vai me abrir mais ainda as portas de minha percepção, quando a adquirir. Se um dos mais conscientes e politizados craques de nossa história vendeu até a medalha ganha na Copa de 1970[8] para comprar cocaína, eu não preciso mais me envergonhar de ter tentado trocar uma caixa zerada com biografias detalhadas de Chico Buarque e Tom Jobim por dois “pinos”. E ainda ouvi do fornecedor a seguinte frase:

Isso só tem valor para vocês que são lá da Faculdade. Tu vai levar os pinos porque é gente boa e gosto de você, mas pense em parar, pois o que é da tua casa num precisa sair de lá para tu ver que está num caminho errado. Livro num vale nada aqui, mas tem muita coisa lá dentro que vale, “professor”. E você é gente boa e a gente num quer nada que é teu, brother. Ela não pode te usar, ou tu vai pra lona, e é de lá pra sarjeta.

A luz do que hoje sabemos sobre a ditadura civil-militar e do que Reinaldo representou em campo, sendo apontado até mesmo por Pelé como o único que fez o Rei do Futebol temer a perda da majestade nos gramados, este artigo não surge como exercício especulativo, mas quase como “memórias” do que não aconteceu por acidentes ocasionais, embora fossem possibilidades extremamente plausíveis. Mais do que isso, esta aqui é a primeira vez que alguém pontua que a Democracia Corinthiana talvez fosse inviabilizada, se um dos maiores símbolos políticos daquela geração de jogadores brasileiros estivesse naquele elenco sob os auspícios do treinador Mauro Travaglini e do inovador dirigente Adilson Monteiro Alves.

No universo da antropologia das torcidas de futebol, há um ponto que confere um status prometeico a quem o realiza. Isso era muito comum nos anos 1990, e no Rio de Janeiro acontecia com mais regularidade, me refiro ao sequestro da farda[9]. Melhor explicando, no código simbólico das Torcidas Organizadas, quem tomasse a camisa ou o bandeirão de um adversário passava a ser observado como uma espécie de herói ou mito, um desses que fazem o povo sonhar com uma vida sem tantas grades fechadas ou tão poucas janelas e portas abertas. Um dia, antes deste futebol-negócio de hoje, isso também já foi assim nas transações de jogadores entre grandes agremiações do futebol brasileiro e o que abordo neste tópico do texto é como o “desencontro” entre um dos jogadores mais icônicos de nossa história e o clube que simbolizou os mais legítimos anseios pela redemocratização desdobrou-se nas relações entre política e futebol.

É praticamente impossível calcular o peso que o futebol passaria a ter para a Operação Condor no Brasil, caso Reinaldo tivesse sido contratado pelo clube mais popular de São Paulo. Aliás, um dos mais inexplicáveis relatos sobre ela é o fim que levou um dossiê entregue ao craque na Copa de 78, com detalhes sobre as mortes de Juscelino Kubitschek e de ações dos militares em outros países do continente. Muito jovem para lidar com aquela gama de informações, Reinaldo guardou o documento durante o Mundial e entregou ao ativista, cantor e compositor Gonzaguinha, quando voltou ao Brasil, e nunca mais se ouviu falar desta história. A música Geraldinos e Arquibaldos, embora composta antes do episódio, parece relatar com perfeição a angustia do jovem craque entre a liberdade necessária à plasticidade em campo e a repressão que perdurava fora dos gramados. Vale lembrar que o Rei perdeu a titularidade no Mundial por ter descumprido as “orientações” dos militares e comemorado um gol contra a Suécia com sua marca registrada, o punho cerrado.

Em primeiro lugar, que se saiba, o craque jamais recebeu proposta do Parque São Jorge. Já praticamente impossibilitado de jogar em alto nível, em razão das “lesões encomendadas”, teve passagens discretas pelos dois Palestras do futebol brasileiro, Cruzeiro e Palmeiras, respectivamente.

Foi a estrela maior do Galo e com sua imensa e apaixonada torcida atingiu a perfeição em termo de sintonia entre craque e massa. Mas perfazer este exercício reflexivo aqui me parece uma oportunidade de problematizar não apenas as vicissitudes de um atleta fenomenal em ação fora do eixo Rio-São Paulo, mas também colocar em dúvida o fim que teria levado aquele que se tornou o maior jejum de títulos entre os grandes clubes do Brasil e refletir se o mais significativo movimento político da história do futebol brasileiro, a Democracia Corinthiana, teria logrado êxito com sua presença, por mais politizado e militante que fosse.

É preciso destacar que o Rei é o ponto fora da curva em nossa história futebolística, no que diz respeito à linha de frente. É o craque cerebral que iniciou a linhagem de centroavantes geniais surgidos no hiato de 24 anos que nossa seleção ficou sem vencer uma Copa. Após sua aparição, veio Careca, Romário e Ronaldo. Por mais que esforços tentem localizar Adriano e agora Neymar neste rol de gênios da área, eles e outros grandes jogadores como Bebeto ou Edmundo, que já não eram centroavantes por vocação, estão num patamar abaixo dos quatro primeiramente citados, embora sejam craques históricos e incontestáveis em seus méritos.

É interessante que justo aquele técnico que ficou conhecido por resgatar o futebol arte do Brasil, Telê Santana, tenha sido o responsável pela “desconvocação” que muito provavelmente nos custou uma Copa do Mundo e um nome que disputasse com Cruyff, Platini e Maradona a coroa que Pelé havia deixado sem dono até 1986. Há quem diga que desde o começo da carreira do craque mineiro a orientação era para nem tentar marcá-lo, e sim para bater nos dois joelhos, ou não teria como pará-lo. Se fosse só isso, ele podia perdoar seus algozes, como Zico o fez com Márcio Nunes. Mas não, ele foi perseguido da maneira mais desleal e cruel e por ser aquilo que os regimes autoritários jamais toleram, por pensar, por ler, saber falar e escrever.

Imaginem um jogador chamado de Rei por uma das mais fanáticas torcidas do país ainda ter a coragem de assumir uma coluna num jornal de grande circulação em Belo Horizonte, onde tratava de assuntos relacionados até mesmo à política brasileira. Sim, já existiu um jogador assim no Brasil, e não é por acaso que em pouco tempo passou a ser chamado de Rei.

Quando especulo aqui sobre uma vinda hipotética para o Corinthians, ou mesmo para os demais do eixo Rio-São Paulo, é para nos fazer pensar no que teria se transformado aquele jogador excepcional se malas e malas de dinheiro não fossem pagas para que brucutus das equipes pequenas de Minas tratassem suas rótulas e meniscos como utensílios a serem malhados em bigornas. Era necessário silenciar aquela liderança política, e como não havia razão para o claustro, os departamentos médicos e as sessões de fisioterapia foram seu misto de exílio e ostracismo num dos períodos mais nebulosos de nossa história. Reinaldo foi caçado e cassado dentro e fora de campo.

Telê não entendeu aquilo que Zagalo[10] percebeu na Copa de 70, que até há como ceder concessões aos ditadores, mas como ensina José Miguel Wisnik, em seu Veneno remédio, é no mérito que se garante a titularidade numa equipe de futebol. Se perguntarem a Roberto Dinamite ou Serginho Chulapa o porquê do Rei não estar entre os convocados de 82, eles serão os primeiros a dizerem que não havia sentido, fora a perseguição desde a Copa de 1978 e o craque já ser identificado como uma liderança política dentro do esporte mundial.

Para além do árbitro e técnico, um terceiro elemento que deve um acerto de contas com Reinaldo é Nelson Rodrigues, e não é descartada a possibilidade de uma carta psicografada sobre o crime praticado no Maracanã, pois o Rei merece esta reparação. A comunidade que vou me tratar minha adicção é espírita, e nada me impede de perguntar ao nosso Anjo Pornográfico e rei dos cronistas esportivos, numa mesa branca, a razão de nunca ter escrito sobre o maior dos atacantes surgidos após Pelé e Garrincha, enquanto ele esteve vivo.

Reinaldo comemorando gol com o punho cerrado. Foto: Reprodução.

Na eventual hipótese de Reinaldo jogar no Corinthians em 1974[11], o Botafogo hoje provavelmente seria o clube grande com o maior jejum de títulos e Rivellino jamais teria voltado a pé e cabisbaixo do Morumbi à sua casa, após aquele jogo. Talvez ali tivesse ocorrido a única “diarquia” do futebol brasileiro, com dois dos maiores gênios que pisaram nos gramados do mundo defendendo o mesmo escudo. Talvez o ataque seja terreno de casais e duplas, mas pequeno demais para dois reinados concomitantes num único clube. O fato é que quis a história que Reinaldo não compartilhasse nem com Rivelino o reinado sobre a fiel e nem com Sócrates o gesto do punho em riste após o tento anotado e a liderança de sua geração de atletas pelo retorno da democracia.

Maradona diz que o dono da Patada Atômica foi o maior que viu, e mesmo o Reizinho do Parque São Jorge tem Reinaldo como o mais completo dos centroavantes. Esta minha imaginária contratação dele pelo Corinthians, antes que o inviabilizassem violentamente para sua vocação, como o fizeram, poderia ter mudado a história do futebol brasileiro. O Flamengo dificilmente atingira a hegemonia que conquistou na década de 1980 e até mesmo o Galinho, Zico, diz jamais ter enfrentado um jogador tão completo dentro de campo, enfatizando também que nem mesmo o Dios argentino era endiabrado como o Rei nos dias de maior inspiração.

Embora tudo isso aqui valha como exercício reflexivo e mesmo especulativo sobre o que podia ter sido e não foi: não se rouba e nem se compra deuses. Todo grande craque já manifestou interesse ou ao menos sonhou em ter seu nome cantado pela torcida adversária, não há um que escape disso e é inútil citar nomes e levantar falsas polêmicas. O Edmundo mesmo jogou poucos meses no Corinthians tem uma das melhores médias de gols da história do clube, sabia que seria impossível não se apaixonar pela torcida, mas nasceu para brilhar em outros lugares. O Rei nasceu para o Galo, e este privilégio é de sua torcida, que também balança qualquer estrutura de concreto erguida para que admiremos artistas da bola no pleno exercício de brincarem de divindades.

A vida sempre sabe a forma mais sábia de fazer as coisas acontecerem e talvez seja por isso que Reinaldo precisou brilhar no Mineirão e poupar a Fiel de uma imensidão de títulos. Em qual outro lugar, senão no Corinthians, o maior jogador da história do clube jamais conquistou um único caneco como profissional é também chamado de Reizinho? É impossível imaginar a história deste clube sem Basílio fazendo o gol[12] mais libertador de todos os já feitos, e os deuses do futebol sabiam que quem reina em duas massas, passa a ser não mais Rei e sim Imperador, e que quem assim é chamado nem sempre consegue ter dimensão de seu próprio tamanho, acabando por se perder com a própria fama.

Se viesse, o ato de Sócrates com o punho em riste e voltado para o alto, que virou o gesto político mais simbólico do líder daquela geração, talvez jamais tomasse a dimensão simbólica que tomou. Reinaldo o fazia com inspiração clara nos Panteras Negras, mas o do Doutor nasceu em um protesto contra a torcida, nos longínquos dias em que se vaiava jogador em campo portando o manto do Corinthians. O jogador que mais amou e soube definir o que é a torcida do alvinegro paulista criou sua marca se voltando contra ela. O futebol realmente é o esporte do inusitado e seu terreno, definitivamente, não é o da lógica. Não por acaso, Albert Camus[13], o filósofo do absurdo, teve o futebol como modelo de escola para a vida e é nele que a categoria “homem revoltado” atinge uma espécie de vínculo de outra ordem com a massa e que muito raramente o mundo é agraciado por Cantonás, Reinaldos, Casões, Sócrates ou Maradonas, dentre tantos outros.

Reinaldo no Corinthians, para nós, torcedores, seria a alegria do povo, aquilo que Garrincha já não tinha como voltar a ser quando contratado, e a certeza de títulos e gols. Ao mesmo tempo, a ditadura teria a tempestade perfeita para transformá-lo em uma dupla de “degenerados” junto ao Casagrande e o clube se tornaria praticamente e numa extensão do DOI-CODI, os shows históricos do início da década de 1980 se tornariam pretextos para prisões de artistas e jogadores vinculados à luta pela redemocratização do país e muita droga seria plantada para os “flagrantes” dos craques. Cabeças brilhantes como a de Wladmir, Magrão, Solito, Zenon, Casão e a dele podiam se chocar, como no episódio da Lei do Passe, em 1982[14], e vida acertou quando colocou os goleiros Leão e mesmo Raphael lá, para discordarem de tudo e deixar que simbolizassem o medo do retorno à democracia num ambiente onde se lutava pela liberdade de expressão; pelo direito ao voto; onde se pensava coletivamente que ser campeão era detalhe e que ganhando ou perdendo, o importante era sempre priorizar a democracia.

Enfim, o Rei sempre esteve certo: o corpo tem limite e a cabeça é que precisa estar boa para a gente saber como, com quem e para onde caminhar. E é com o espírito de Frei Beto, seu ex-vizinho e mentor intelectual, que vou para este novo desafio em minha vida, a internação. Como pontuou o eterno teólogo da libertação, “a cabeça pensa onde os pés pisam”[15] e uma internação voluntária pode ser o começo de uma vida nova e plena de sentido. E eu realmente não sei se sem Casagrande e Reinaldo abrindo suas respectivas caixas pretas e abordando de maneira tão honesta as relações tortuosas que encararam com a drogadição, eu hoje teria coragem para entrar numa comunidade terapêutica com o peito tão aberto e com esta certeza de que tudo vai dar certo.

Casagrande: a drogadição do “subversivo de estimação” da ditadura brasileira

Diferente de Reinaldo, Walter Casagrande Júnior não tinha biótipo, panca e nem cara de jogador de futebol. O ar de gigante gentil e rebelde combinava muito mais com uma estrela do rock da época ou com um desses atores de hoje que preferem o teatro ou cinema mais pelo púbico com o qual se comunicam do que pela mídia em que atuam. Craque precoce e intelectualizado, não demorou muito para que o jogador se transformasse num dos alvos preferidos dos militares no período em que vigorava a abertura política e redemocratização no discurso oficial, mas a prática continuava autoritária e desleal com aqueles que eram identificados como “subversivos”.

Casão, como logo ficou conhecido, surgiu para o futebol como um meteoro costuma cair na terra, brilhando e sem preocupações em dar explicações. Se dentro de campo não era tão cerebral quanto Careca, o principal centroavante brasileiro de sua geração, sempre foi decisivo e obteve destaque por todos os clubes pelos quais passou. Desde quando muito jovem marcou três tentos num derby contra o Palmeiras, impressionou a imprensa esportiva de São Paulo. O clássico tem tanta importância para os paulistas que dali em diante passou a ser tratado como uma estrela do futebol e tudo o que dizia ganhava repercussão. E ele sempre teve muito a falar, fato que o tornou a grande preocupação nos últimos momentos do regime em vigor no Brasil quando o assunto era futebol.

Sua biografia autorizada assume problemas relacionados à drogadição já no título e desde o início a parte mais degradante é posta a nu em meio a uma narrativa elaborada que não segue uma evolução temporal. No livro, o craque também é apresentado como um carismático e rebelde jovem de classe média de seu tempo. A adolescência marcada pelas aventuras, baladas e uso recreativo de entorpecentes com amigos de juventude é relatada como parte importante da formação de seu caráter, mas antecede um estilo de vida que não era adequado para um atleta profissional e que descarrilou para a adicção graúda, podendo até se dizer que o fato de não ter sido levado pela morte nada tem a ver com o de ela não o ter vindo buscá-lo algumas vezes.

O grande autoengano de um dependente químico é crer que mesmo com a arquibancada aplaudindo um gol feito após mais uma noitada desvairada, o que faz consigo possa ser tomado por algo normal. No meu caso, elogios de alunos após uma aula mais inspirada me deixavam com a sensação de que aquilo que eu já reconhecia como um problema podia ser adiado por mais uma ou duas semanas, até que eu abrisse o jogo com a minha geral, que é a equipe gestora, estudantes e colegas de trabalho. Imagine o quão mais difícil o tiro de despedida não deva ser para quem jogava uma ou duas vezes por semana e num lance decisivo podia colocar torcidas fanáticas, como as do Corinthians, Porto ou Torino, só para citar os clubes onde mais brilhou, aos seus pés. O problema é que o pó não te divide com nada ou ninguém por muito tempo, é uma droga possessiva, sádica e sabe utilizar a vaidade e demais falhas humanas em seu favor.

Ainda no início da carreira, Casão desenvolveu estratégias para conquistar Mônica, que então jogava vôlei no Corinthians e se tornou sua esposa e mãe de seus três filhos. Apaixonado inveterado, ele cansou de mobilizar amigos e criar situações para “coincidir” de se encontrarem no mesmo lugar. A moça não resistiu por muito tempo ao charme do craque de bom papo e que simbolizava os desejos de liberdade de sua geração. Entre ela e ele, amor nunca faltou, mas a droga torna nosso caráter cada vez mais elástico e é impossível a quem conosco convive a sensação de não se ver traído em benefício de algo que sequer nos proporciona prazer ao longo do tempo. O casamento teve como padrinho o próprio Sócrates, com quem aos poucos ele tecia um contrato de fidelidade e compartilhamento de hábitos e comportamentos dentro e fora de campo.

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Os vícios costumam nos tirar a capacidade de projetar algo que não seja a solidão para esconder até de si aquilo que a carne pede. O dependente se perde naquele jogo entre projeto e metamorfose, do qual nos fala Gilberto Velho, e aos poucos se torna uma espécie de algoz de si, ou escravo do que o domina[16]. O plano deixa de ser a aula, os compromissos ordinários, a família, o gol num jogo decisivo e tudo o que se deseja é ficar sozinho para tomar mais um trago. Mesmo nas drogas de uso coletivo, como o vinho ou a maconha, as companhias vão se tornando pretexto para o que o corpo pede. Não à toa, autores clássicos como Baudelaire e Balzac, no século XIX, já refletiam sobre os vícios e seu impacto sobre a organização individual e coletiva, tema também abordado por gigantes da estirpe de Trotsky e Gramsci, no século XX. Quando o vício nos domina, não há mais capacidade de projetar o futuro, e sim um eterno retorno que aos poucos nos metamorfoseia num tipo muito particular de sombra do que há de pior dentro de nós.

A dialética entre vício e virtude está entre os grandes problemas filosóficos e por isso mesmo a religião entra como elemento fundamental na busca de um equilíbrio. Prumo este que para algumas correntes o indivíduo sequer é capaz de alcançar por si. A droga já decidiu guerras, o próprio capitalismo precisou controlá-la para nos dar a aparência de racionalidade ao sistema, muito embora o tráfico e demais atividades do “capitalismo de pilhagem”[17] sejam fundamentais ao seu funcionamento.

Casagrande diz não se lembrar de como eram as coisas antes da entrada da cocaína e da heroína em sua vida. Maradona já relatou que não recorda sequer das festas de aniversário que bancava para as filhas quando pequenas. Não fui tão fundo e me lembro de como a vida era, mas confesso que é inevitável a ansiedade em redescobrir como será o sexo “de cara”, se ainda há tempo para aprender a dançar, ser pai, se voltarei a jogar futebol bem como antes, ou como será conseguir ir trabalhar todos os dias da semana. A ansiedade em ser um homem por inteiro e capaz de dar conta das demandas é o grande sentimento que nos toma na pré-internação voluntária e quando já há a compreensão de se estar doente e de precisar se tratar.

A amizade com Sócrates recebe tratamento especial na obra. Em campo, os dois formaram uma das duplas mais significativas da história do futebol brasileiro e fora dele se forjaram como sujeitos políticos de sua época. Quando da contratação de Casagrande pela Globo, o Doutor criticou o antigo pupilo e isto gerou um atrito jamais resolvido em uma conversa entre os dois homens marcados pela personalidade forte. Casão pôde visitar o ex-companheiro no leito de morte e apertar sua mão e escreveu um texto maravilhoso, relatando o amor pelo amigo e o agradecendo por ter não apenas existido em sua vida, mas pela oportunidade de poder ter utilizado a popularidade como jogador de uma das agremiações mais populares do país para lutar pelo retorno da democracia e contra o regime militar.

Quanto aos vícios, cada um dos dois craques da histórica equipe da Democracia Corinthiana seguiu estrada própria. O álcool é mais silencioso que os estimulantes sintéticos e o fígado costuma trair quem o judia e é um órgão que dá sinais muito tardios de sua destruição. O Magrão não teve a chance de se reabilitar e escrever sobre sua luta contra o vício, diferente do Rei, de Caju e do seu pupilo e amigo fiel, Casagrande. Um relato verdadeiramente “autobiográfico” do Doutor sobre os males do alcoolismo talvez seja a peça que faltou para que testemunhos de vida de craques dos anos 1970 e 1980 não se tornassem, para fins pedagógicos, um subgênero dentro da biografia enquanto gênero literário. Fora que craques recentes como Nilmar e Adriano tiveram suas carreiras interrompidas pela depressão, e nada os impede de trabalhar o assunto em obras futuras.

No movimento da Democracia Corinthiana, Casagrande foi se tornando o grande boi de piranha e não foram poucas as detenções que sofreu com entorpecentes, ora maconha, ora cocaína. Em muitas ocasiões, o craque negava a veracidade do que era apresentado pela polícia e operações plantadas não faltaram naqueles dias. A experiência autogestionária mais simbólica do futebol brasileiro mantinha contato expresso com o sentimento das ruas e tomou posição clara pelo voto direto e até mesmo shows em apoio ao então recém-formado Partido dos Trabalhadores foram organizados pelos jogadores nas dependências do clube.

Como explica José Paulo Florenzano, com a Democracia Corinthiana quando o assunto era Casagrande, à imagem do craque desajustado do início da carreira, sobrepôs-se a do subversivo. Era absolutamente incomum um atleta promovendo gesto em apoio aos desempregados, se filiando a um partido de esquerda e andando ao lado das figuras mais “degeneradas” da MPB e do rock nacional. Não à toa, o regime o utilizou como figura que simbolizava a fronteira entre desvio e crime. Ao tentar organizar os jogadores tendo os metalúrgicos como exemplo, o movimento passou a ser tomado como alvo e o atalho escolhido para feri-lo sempre era o craque com panca de intelectual universitário e hábitos inconvenientes. Deste modo, passava-se a impressão de que tudo o que aquele coletivo propunha remetia à baderna e desordem. A década de 1980 foi marcada pela entrada em cena de novos personagens políticos, caracterizados por novas táticas e estratégias de ação e luta, e o futebol não esteve alheio a isto tudo.

Casagrande ao centro da cena do filme “Democracia em Preto e Branco”. Foto: Divulgação.

No que tange às crises mais agudas em razão da drogadição, Gilvan Ribeiro relata que o ex-centroavante chegou a ver demônios em seu apartamento e se sentia perseguido por eles. O roqueiro paulista Nasi também diz algo parecido e um dos momentos mais assustadores dos surtos que tive foi quando uma guia de umbanda, enviada por minha companheira, parecia pesar quarenta quilos em meu pescoço e eu não conseguia erguer o rosto. No episódio, sentia uma espécie de desejo por atacar meu pai e só lembro de dizer, entre um impropério e outro, que minha obra na Terra seria, dali em diante, praticar o mal e acabar com qualquer resquício de bondade ou generosidade que existisse no “professor”. Era inevitável que o vício me traria problemas profissionais e que os dois empregos que tenho eram o alvo daquilo que não sei de onde veio, mas só parou quando mordi a guia e a estourei com os próprios dentes o artefato que fora enviado para me dar proteção contra as forças do mal.

Em surto psicótico por falta de sonos restauradores e abusando do uso de cocaína e heroína por dias, Casão passou a ver demônios no apartamento. O assunto fixou-se em sua cabeça em razão de uma pesquisa despretensiosa que fizera pouco tempo antes. A materialização dos mitos em sua casa lhe causava medo e horror, chegando ao ponto de pedir aos pais que levassem um padre àquele espaço que perdera a feição de um verdadeiro lar. Independente da ação do religioso, o ex-jogador não conseguia se ver longe dos demônios e o saldo de sua fuga foi o acidente de trânsito sem vítimas que causou e despertou sua família para uma intervenção drástica que culminou na já citada internação involuntária que marcou sua iniciativa em favor da reabilitação.

Valor pedagógico das biografias dos dois boleiros

Já tirei uma lição deste processo todo que agora me faz lutar pela reabilitação e voltar a ser um homem por inteiro, e ela é que não há fórmula secreta ou método infalível que nos livre de vícios adquiridos. Cada animal tem seu jeito próprio de trocar de pele, e o que nós, dependentes químicos, devemos procurar é o modo que melhor se ajusta à nossa natureza como seres humanos. O que este artigo trabalha não é que o impacto causado em mim por essas obras seja facilmente universalizável, mas sim que, enquanto professor, enxerguei nelas aspectos que podem ser melhores explorados e os citarei brevemente, para concluí-lo.

Para avançar na discussão aqui iniciada, seria preciso pensar até mesmo o que é, para o que serve, como se organiza e o que se espera de uma biblioteca escolar. Aqui não é o espaço para isso, embora este debate precise ser urgentemente estruturado e feito no Brasil inteiro.

Como alguém que pertence ao universo do conhecimento científico, tomo o trauma como elemento central para nos colocar ou tirar do vale dos viciados. Talvez este ponto que explique o fato de as duas personagens aqui analisadas serem colunistas e escritores natos, mas preferirem o terreno da “biografia autorizada” para narrarem suas experiências profissionais e dramas vividos com a cocaína, em especial. Se Sócrates tivesse superado o problema que ceifou sua vida, poderíamos ter tido a primeira “autobiografia” em que um atleta de alto rendimento abrisse a caixa preta de sua experiência com a drogadição. Mesmo o polêmico e corajoso Paulo Cezar Caju fala pouco do tema na que escreveu sobre sua trajetória dentro e fora dos gramados.

O que enxerguei nestes dois livros foi uma potencialidade pedagógica que ainda precisa ser pensada e melhor explorada. No início do século, coisa semelhante foi demonstrada pelos romances da literatura marginal e livros de nomes como Ferrez, Sérgio Vaz e Paulo Lins, dentre outros, chegavam às escolas. Cabe ao menos perguntar por qual razão isto não acontece quando sujeitos reais se expõem de maneira tão aberta e a política Guerra às Drogas se mostra cada vez mais inócua.

O fato é que figuras públicas que se destacaram como lançadores de costumes e como símbolos de rebeldia hoje afirmam que não usar droga é parte essencial de suas lutas pessoais.

Esta é uma ideia que poderia ganhar muita força nas periferias, se tivéssemos esses livros nas escolas e professores trabalhando como um elemento tão popular quanto o futebol pode passar mensagens para além do plano do consumismo e enriquecimento rápido. Se junto a isso, debatêssemos o que é, quem pode usar e para o que serve uma biblioteca escolar, os livros quebrariam barreiras e funcionários e pais poderiam se envolver numa verdadeira discussão pública e mudança de paradigmas na educação. Pois, como ensina João Bernardo:

“(…) A polícia mata muito nos países civilizados, mas esse é o trabalho de detalhe, o trabalho por grosso é feito pela putrefacção e pela droga.”[18]

Estar limpo, hoje, é um ato de rebeldia e é isto que faz essas biografias de craques do passado tão úteis a uma mudança comportamental e a uma nova atividade pedagógica.


Notas

[1] LIMA, Philipe Van R. Punho cerrado. Belo Horizonte: Letramento, 2016.

[2] CASAGRANDE JUNIOR, Walter; RIBEIRO, Gilvan. Casagrande e seus demônios. São Paulo: Globo, 2013.

[3] OLIVEIRA, Sócrates Brasiliero Sampaio Vieira. O peso da camisa do Corinthians. In: LIRA, Sergio (Org.). Sócrates Brasileiro: as crônicas do Doutor na Carta Capital. São Paulo: Confiança, 2012, p. 27-28.

[4] “Todo time tem uma torcida. O Corinthians é uma torcida que tem um time”. Frase do jornalista José Roberto Aquino e que foi incorporada como dito popular em São Paulo.

[5] No jogo de desempate entre Flamengo e Atlético-MG, no Serra Dourada, e que valia uma vaga na semifinal da Libertadores da América de 1981, Reinaldo deu uma leve entrada por trás em Zico, e o árbitro da partida, José Roberto Wright, o expulsou direto e sem direito sequer a um cartão amarelo. O jogo terminou com cinco jogadores do Galo expulsos e além de Reinaldo também o foram Éder, Palhinha, Chicão e João Leite.

[6] Reinaldo rebate Wright sobre expulsão: “Tem de ser canalha para falar isso”. O Tempo, Belo Horizonte, 14 abr. 2019.

[7] Em junho de 1984, Sócrates participou de um comício onde prometeu recusar qualquer proposta do futebol italiano e ficar no Brasil, caso a Emenda Dante de Oliveira fosse aprovada, para ajudar no processo de redemocratização. Além de fazer a promessa num ato com um milhão de testemunhas, o craque repetiu a declaração à revista Placar e se tornou uma figura simbólica das melhores esperanças no reencontro entre o país e a democracia.

[8] Campeão da Copa de 70 confessa que vendeu medalha para comprar cocaína. G1, Rio de Janeiro, 18 abr. 2015.

[9] TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Os perigos da paixão: visitando jovens torcidas cariocas. São Paulo: Annablume, 2003.

[10] O técnico João Saldanha negou-se a fazer a vontade do então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, em convocar Dario, o Dadá Maravilha, folclórico centroavante do Atlético-MG, para o ataque da seleção. A recusa em adular o militar custou-lhe o cargo, sendo substituído por  Mário Jorge Lobo Zagallo. O novo treinador levou Dario para a Copa, mas manteve a base formada por João, que era praticamente jogadores das equipes de Botafogo e Santos, e colocou o versátil Tostão, do Cruzeiro, como centroavante titular do escrete canarinho.

[11] Em final histórica, o Palmeiras venceu o Corinthians por 1 a 0, na final que poderia ter quebrado o jejum de títulos que vinha desde o IV Centenário, em 1954. Com a derrota, Rivellino, principal jogador do alvinegro foi responsabilizado pela perda do campeonato e pouco depois deixou o clube, mesmo sendo o maior ídolo de sua história.

[12] Em 1977, após 23 anos sem título, a fiel torcida voltou a comemorar um Campeonato Paulista, decidido num jogo de desempate contra a Ponte Preta e coube a Basílio o gol suado que lhe rendeu o apelido de Pé de Anjo e um lugar único no peito de cada corinthiano.

[13] Como no tempo de Camus, futebol ensina sobre grandeza e miséria humanas. Blog do Mário Magalhães, UOL, São Paulo, 30 nov. 2016.

[14] Em 1982, a grande discussão pública entre os atletas era a Lei do Passe Livre para jogadores com 32 anos ou mais. O assunto ganhava os jornais e Wladimir, liderança da Democracia Corinthiana, defendia um diálogo e a experienciação das rodadas de negociações que os jogadores do Corinthians haviam aprendido com os metalúrgicos do ABC. Em contraposição frontal à posição do sindicato paulista, estava o dos jogadores cariocas, que tinham Zico como presidente. Reinaldo fechava com os cariocas e não aceitava qualquer espécie de negociação com os militares no que tangia à Lei do Passe. Esta posição reforça a tese aqui defendida de que ele, em razão de sua radicalidade socialista, pudesse ser um ponto de discórdia no movimento corinthiano, mais conciliador. Esta discussão é detalhada por José Paulo Florenzano em livro sobre o movimento dos atletas corinthianos, embora o autor não a explore. Mas o fato é que para além dos conservadores, que viam o movimento do Parque São Jorge como uma espécie de panelinha autoritária, havia uma outra linha que o tomava por demagógico e populista, e o Rei claramente parecia inclinado a tal posição. Detalhes em: FLORENZANO, José Paulo. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: Educ/FAPESP, 2010, p. 259-277.

[15] É o segundo dos dez conselhos ao militante de esquerda que o Frei, vizinho de Reinaldo, desenvolve e que aponta para a necessidade de coerência entre teoria prática política. Frei Betto: dez conselhos para os militantes de esquerda. Sindicato dos Bancários de Brasília, Brasília, 13 nov. 2015.

[16] VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de. Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

[17] WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

[18] Epílogo e prefácio (um testemunho presencial)

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Como citar

OLIVEIRA, Douglas. A adicção nas biografias de grandes jogadores do passado e sua importância nas decisões de cidadãos de hoje: os casos de Reinaldo e Casagrande. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 68, 2020.
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