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O futebol (in)felizmente voltou: a classificação “heróica”

Gabriel Bernardo Monteiro 29 de julho de 2020

Antes de falar qualquer coisa sobre a volta do Corinthians, é muito importante entender que a volta do futebol não deveria ser uma pauta nesse momento. Estamos com mais de 2 milhões de casos, número este que aumenta muito a cada dia, demonstrando que estamos longe de uma queda na curva pandêmica.

Entretanto, o futebol continuará sendo usado como demonstração de falsa normalidade, tentando fazer com que muitos deixem de lado os 87 mil mortos, ainda na ideia da “gripezinha” (segundo aquele que infelizmente foi eleito para o cargo mais importante do país, mas que me recuso a chamar de presidente). Voltar o futebol está longe de ser a prioridade do momento e é um erro de irresponsabilidade que esperamos que não tenha maiores efeitos nessa pandemia.

Fica aqui a minha mensagem de apoio a todos que perderam familiares para essa doença que parece não ter fim, e realmente não terá se dependermos de nossos líderes. E, em especial, ao grandíssimo jornalista Rodrigo Rodrigues, de qual todos do Camisa eram muito fã, que descanse em paz.

Porém, nosso coração apaixonado nem sempre consegue pensar com a racionalidade com a qual age o cérebro. Enquanto um se preocupa, e muito, com os efeitos dessa volta precipitada, o outro não se continha de ansiedade para bater mais forte nos 90 minutos de um jogo, sorrindo e, ultimamente, sofrendo bastante com o Time do Povo. Mesmo que essa lacuna tenha sido bem preenchida com a volta do campeonato inglês e o sofrimento com o Arsenal (sim, eu escolhi sofrer), nenhum amor supera o primeiro e a volta do Corinthians era algo que meu coração esperava com esmero.

As notícias das últimas três semanas não foram nada animadoras, com uma média de um processo e uma vergonha exposta por dia. A quarentena só evidenciou o que todo torcedor já sabia: nosso clube está sendo extremamente mal gerido e, se nada for mudado, teremos muitas consequências negativas no futuro.

Enquanto comemoramos a volta de Jô e as saídas de Richard – que eu particularmente não tinha nada contra – e Yony Gonzalez, vimos a venda pelo preço de uma bala Juquinha do melhor zagueiro, em números, do time no primeiro semestre, mas que era muito criticado pela torcida que mais queima jogadores no país.

Os dias foram passando, e a expectativa pelo Derby da volta aumentava ao passo que aumentava o número de casos do país. Nessa toada, o mix de sentimentos no corpo foi ficando cada vez mais evidente. Ao mesmo tempo que acompanhava todos os protocolos nos treinos das duas equipes, víamos Luxemburgo, Cantillo e outros serem contaminados e se isolarem por 15 dias, demonstrando mais uma vez que o cérebro quase nunca erra.

Time do Corinthians segura faixa antes da partida contra o Palmeiras. Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians.

Enfim chegou o dia do Derby. A frase do filme “Romeu e Julieta” sempre fica latente na minha mente em dias como esse: “Vocês não sabem o que é um Palmeiras x Corinthians”, realmente, ninguém sabe, só quem é daqui ou de lá. Por um momento o cérebro deixa de lado as preocupações com a volta no âmbito da saúde e escuta as preocupações do coração do âmbito esportivo. Vencer era uma necessidade, seja pelo campeonato, seja pela tranquilidade, seja pelo trauma de ver um trabalho que acredito interrompido e ver a retranca deixar de ser uma estratégia circunstancial e voltar a ser um estilo de vida. Principalmente por ser Derby, por terem invadido o campo na madrugada e provocarem, chamando o único campeão mundial que entraria em campo mais tarde de “frango”, era inaceitável perder.

A bola rola, sinto um Corinthians espaçado, mas mesmo assim sem dar muitos espaços para o rival. Luan e Boselli pressionam a saída de bola em 3 usando o Weverton. Não pressionam goleiro, mas fecham o espaço interno, e quando o camisa 1 alviverde acha um zagueiro, pressionam pero no mucho apenas para que a bola volte para o goleiro. Sem encontrar saídas, tem que lançar a bola para o ataque e assim, a marcação corintiana foi pouco a pouco limitando ações até que o ímpeto do adversário abaixou.

Assim o Corinthians começa a ficar mais com a bola, demonstra que o posicionamento e o entendimento do que o treinador quer já melhorou, mas que a qualidade ainda é baixa e que sem o Cantillo dificulta ainda mais a criação. Muitos erros bobos, decisões erradas e nada. Só restaria a bola parada, e ela veio com Gil, em dupla falha da equipe palmeirense, primeiro deixando o zagueiro livre, depois numa falha do goleiro Weverton que errou o movimento e não conseguiu proteger o gol. O resto do primeiro tempo foi razoável, ficamos com a bola, mas sem criar e também sem deixar com que eles criassem nada.

No segundo tempo seguramos, extremamente mal, o resultado positivo. Espaços se abriam mesmo contra uma equipe que não demonstrava tanto repertório criativo. Bola aérea e chutes de fora, talvez causassem mais estragos, mas nessa década, sempre que precisamos, ele está lá. O “frango” para alguns, o “melhor do Brasil” para outros, Cássio fechou o gol. Fez diversas defesas com alto grau de dificuldade e mostrou de uma vez por todas que mesmo que não seja o melhor do país, está entre eles com certeza.

Sofremos, como historicamente, o Corinthians sofre, vencemos como normalmente acontece nos últimos anos, o mérito foi o espirito de luta e ter em 2012 contratado um goleiro que faz mais que o necessário quando necessário.

No dia seguinte, Guarani perdia para o Botafogo e com isso, a chama da esperança que tinha apagado nos últimos jogos antes da parada voltava a acender, em dois dias, como uma fênix, o Corinthians renascia no campeonato e enxergava a possibilidade de classificar novamente. Dois dias de especulação sobre a possibilidade, pouco profissional, do São Paulo perder de propósito para o Guarani e terminar com as chances de classificação, algo que só é plausível aqui, no “país do futebol.” E que não merece mais do que essas linhas de discussão.

Chega o domingo, São Paulo reserva faz uma partida muito boa contra o Guarani e apesar do gol mal anulado, venceu merecidamente.

Ao mesmo tempo em, Barueri, o Corinthians tinha que vencer o pior time do campeonato e garantir a sua parte para que o renascimento se concretizasse. Um primeiro tempo horroroso em que o time teve 73% de posse de bola, mas não conseguia entrar no último terço ao mesmo tempo que tomava contra-ataques cada vez mais perigosos.

Lance do jogo entre Corinthians e Oeste. Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians.

Com Camacho sendo a personificação da atuação, a equipe teve 35 minutos apáticos, lentos e com inúmeros erros bobos. Boselli e Everaldo se lesionam, entram os criticados Janderson e Mateus Vital, a equipe melhora um pouco, mas ainda peca nas decisões. 45 minutos de pura inutilidade até o que o último citado a entrar no jogo resolve arriscar uma ultima jogada no último lance do primeiro tempo. Falta, Luan, que apareceu no jogo o mesmo tanto que aparece nesse texto, coloca a bola na cabeça do Avelar, outro que parece que joga muito quando a equipe mais precisa, 10 gols pelo Corinthians, grande maioria decisivo.

No segundo tempo a apatia foi embora, assim como o Camacho, e a equipe melhorou. Nada que animasse, nada que fizesse sonhar com o tetracampeonato, mas o suficiente para comandar o jogo, sem maiores sustos além de um gol bem anulado do Oeste. Ederson, que deu mais vida a equipe nos dois jogos que entrou, fecha o placar com um petardo que muito lembrava os gols que o Paulinho fazia, bom prenúncio.

Na volta do futebol, que não deveria ter acontecido, classificou quem menos mereceu classificar.

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Gabriel Bernardo Monteiro

Graduado em Educação Fisica pela Universidade Estadual de Campinas

Como citar

MONTEIRO, Gabriel Bernardo. O futebol (in)felizmente voltou: a classificação “heróica”. Ludopédio, São Paulo, v. 133, n. 65, 2020.
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