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A dança das cadeiras e a hipocrisia brasileira

Marcos Teixeira 18 de agosto de 2017

Como é sabido, o Flamengo definiu o colombiano Reinaldo Rueda como seu treinador em substituição a Zé Ricardo, vítima mais recente da guilhotina que vive cortando cabeças de técnicos de futebol no Brasil. Somente neste primeiro turno do Brasileirão, metade dos clubes trocou de treinador. O Flamengo de Zé Ricardo foi o 11º a mudar de comando, sendo que alguns o fizeram em mais de uma oportunidade e teve técnico demitido mais de uma vez.

Este é um dos motivos que fazem o futebol brasileiro permanecer atrasado: não há planejamento e, quando há, raramente resiste a uma crise ou uma série de resultados ruins. Em 2016, somente três treinadores começaram e terminaram o certame no comando técnico de suas equipes: Paulo Autuori, do Atlético-PR, Dorival Jr, então longevo no Santos, e Cuca, campeão com o Palmeiras.

O discurso até muda, mas a prática é a mesma. Roger Machado, contratado pelo Atlético Mineiro no fim de 2016 referendado por um excelente trabalho no Grêmio, desembarcou em Belo Horizonte com a imagem de estudioso, tático, um dos reformistas do futebol nacional. Não durou oito meses à frente do Galo, mesmo tendo sido campeão mineiro. E a mudança de mentalidade bancada pelo presidente Nepomuceno ruiu, sendo contratado Rogério Micale, medalhista de ouro na Olimpíada de 2016 com o Brasil, mas sem currículo em times principais. E o pior: sem ter nada a ver com o que o antecedeu, o que mostra uma clara falta de identidade dos times.

Roger, inclusive, não aceitou substituir Zé Ricardo no Flamengo. Rueda, portanto, não era a primeira opção na Gávea, da mesma forma que Fábio Carille, que faz estupenda campanha com o incontestável líder Corinthians, apenas assumiu a equipe porque os outros procurados, inclusive Rueda, disseram não. Ou seja, foi o errado que deu certo.

durante a partida entre Botafogo e Flamengo pela Copa do Brasil 2017 no Estadio Nilton Santos no Rio de Janeiro
O técnico Rueda já comandou o Flamengo contra o Botafogo pela semifinal da Copa do Brasil. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

A histórica campanha corintiana não é fruto de um trabalho traçado pelos responsáveis pelo departamento de futebol. Desta forma, como manter algo que vem dando certo se sequer sabem por que deu? Sim, Carille é exceção, posto que está no clube há mais de sete anos e bebeu da mesma água de Mano Menezes e Tite, mas isso não foi levado em consideração na sua efetivação.

Assim como Roger, Rogério Ceni foi outro jovem treinador que entrou na dança das cadeiras após menos de seis meses tentando – e fracassando – dar uma cara nova ao São Paulo. Treinos diferenciados, posse de bola, números, números e mais números para tentar justificar o futebol obscenamente fraco apresentado por sua equipe. No entanto, não era de se esperar outro resultado, mediante as condições dadas a ele.

Uma mudança de mentalidade, qualquer que seja ela, deve ser apoiada no conjunto método-treinamento-tempo-condições de trabalho, que é o que Ceni não teve. Sem um destes elementos, o projeto é natimorto, isso quando existe. Neste calendário maluco em que tempo para treinar é o que os treinadores menos têm, é impraticável exigir resultados logo de cara, ainda mais quando ideias novas são implementadas. Isso sem contar a permanente janela escancarada que permite entradas e saídas de atletas durante praticamente toda a competição, o que dificulta o time ter uma identidade.

Ora, a repetição leva à excelência, e somente com métodos corretos, tempo para treinar e paciência é que é possível atingir este nível e, convenhamos, não é comum haver isso no Brasil.

Seja como for, o nome do bombeiro da vez é apenas um detalhe na discussão. O fato é que o Brasil do imediatismo promovido pelos diretores amadores que tem, e apoiado por considerável parcela da mídia, não está preparado para ter forasteiros no comando ou mesmo um trabalho planejado em longo prazo, que não dependa de resultados imediatos. O que espera por Rueda na sua aventura em terras tupiniquins? Qual a temperatura da fervura do estelar e caro Flamengo?

Até porque, como disse Albert Einstein, somente no dicionário o sucesso vem antes do trabalho. O problema é que o que garante a sequência são os resultados, quando deveria ser exatamente o contrário. E seguiremos, como um bando de hipócritas, aplaudindo os 30 anos de Sir Alex Ferguson no Manchester United, mesmo sabendo que, por aqui, não resistiria a dois anos sem títulos de expressão, quanto mais sete.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. A dança das cadeiras e a hipocrisia brasileira. Ludopédio, São Paulo, v. 98, n. 19, 2017.
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