139.30

A dança dos Deuses

Raul Milliet Filho 19 de janeiro de 2021

O Deixa Falar, blog socialista, homenageia Maradona e Garrincha, que no campo e na vida sempre jogaram abrindo caminhos pelo riso e pelo improviso. Um dos eixos principais do Deixa Falar está nas palavras de Dario Fo, dramaturgo, prêmio Nobel de literatura, que sempre asseverou a importância do riso como principal veículo da arte engajada, como a experiência mais alta da inteligência. Dizia:

“O riso libera o ser de um peso para dar coragem. É a relação entre o medo e o falso medo, é o desequilíbrio equilibrado.”

Este é o retrato fiel destes dois grandes craques. Isto é contrahegemonia pura, dentro da acepção gramsciana do termo.

 A arte do futebol de Maradona tem uma similitude clara com Mané Garrincha. Não é preciso escrever muito, pois as palavras são traduzidas pela magia dos pés de Garrincha e Maradona.
 

“O dançarino tem o ouvido nos dedos dos pés!” (Nietzsche)

 

Podemos apenas dizer que durante a existência profissional de Garrincha a televisão não registrou a imensa maioria de seus jogos. Uma pena. Somente para quem teve a sorte de ter visto o Mané jogando em General Severiano, no Maracanã e em diversos outros campos, o seu talento ficou gravado em mentes privilegiadas pelo acaso da vida. Diego Maradona teve mais sorte. A televisão registrou quase tudo de sua vida profissional.

 

Os dois foram passarinhos da bola.

 

“Aprendi a andar: desde então corro. Aprendi a voar: desde então, não quero ser empurrado para sair do lugar. Agora sou leve, agora voo, agora me vejo abaixo de mim, agora dança um Deus através de mim.”

Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra. 

 

Maradona foi canhoto no futebol, na política, na sua visão de mundo e na sua capacidade de traduzir a nacionalidade portenha em seus gestos, ações e declarações. Amava a bola. Amou a bola. Amou Fidel e Che Guevara. Apoiou Alberto Fernández, festejou sua vitória. Apoiou Evo Morales. Amava a América Latina.

 

Garrincha falava a linguagem da bola e dos passarinhos de Pau Grande, sua terra natal. Vejam Mané na Copa de 1962:

 

Reparem a jogada de Garrincha contra a Espanha na Copa de 1962, driblando vários adversários, colocando a bola na cabeça de Amarildo para fazer Brasil 2 x 1 Espanha. Uma vitória que classificou o Brasil. 

Aos 40 minutos do segundo tempo. O empate classificava a Espanha. 

Duas observações sobre o locutor: quem recebe a bola de Gilmar e inicia a jogada é o Nilton Santos, e quem mata a bola no peito, com sua categoria e elegância de sempre é o Príncipe Etíope, o Didi.

 Abaixo, reproduzimos um texto iluminado de seu técnico João Saldanha que produz imagens através das palavras:
 
 

Quem aquece ao lado de Maradona é o Careca, que formava com o Diego a dupla de ataque campeã pelo Napoli.

 

Os dois gols mais importantes da carreira de Maradona, o segundo é considerado o mais bonito de todas as Copas do Mundo, desde 1930.

Um poema de autoria de Vinicius de Moraes resume bem a arte de Maradona e Garrincha, embora tenha sido dedicado a Garrincha.

O anjo das pernas tortas

Rio de Janeiro, 1962

 

A um passe de Didi, Garrincha avança Colado o couro aos pés, o olhar atento Dribla um, dribla dois, depois descansa Como a medir o lance do momento. Vem-lhe o pressentimento; ele se lança Mais rápido que o próprio pensamento Dribla mais um, mais dois; a bola trança Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento! Num só transporte a multidão contrita Em ato de morte se levanta e grita Seu uníssono canto de esperança. Garrincha, o anjo, escuta e atende: – Goooool! É pura imagem: um G que chuta um o Dentro da meta, um 1. É pura dança!

 

Vinicius de Moraes

 

O futebol mágico de Garrincha 

Por último, para que os flamenguistas não inventem histórias e venham falar de Zico, segue João Saldanha falando em 1987 no programa Roda Viva sobre os maiores jogadores que viu ao longo da vida:

 
 

Por fim, duas belas frases, a primeira de Zuca Sardan, a segunda de Eduardo Galeano: 

“Um grande jogador e um irmão de toda uma população, el niño de Buenos Aires el Genio de los pies de tangos e verónicas… y la Manita de Oro!… também nós brasileiros, perdemos um irmão!… “

Maradona é tão amado… por ter sido… “o mais humano dos imortais.”

 

Na política, não hesitou em dar apoio a quem quis, assim, foi abraçar Fidel Castro, fez tatuagem de Che Guevara e defendeu Hugo Chávez. Da mesma forma, prestou solidariedade ao ex-presidente Lula.

 

Denunciou as mutretas da FIFA.

 

O Deixa Falar tem sorte. Dentre os seus colaboradores conta com um fora de série do traço e da poesia, Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha). Primo-irmão de João Saldanha.

 

Vejam Maradona pelo traço sofisticado e criativo de Zuca Sardan:

 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 15 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Raul Milliet Filho

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo.

Como citar

FILHO, Raul Milliet. A dança dos Deuses. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 30, 2021.
Leia também: