154.22

A desigualdade econômica do futebol brasileiro percebida na tabela da Série A do Brasileirão

Atlético recebe o troféu de Campeão Brasileiro 2021
Atlético recebe o troféu de Campeão Brasileiro 2021. Foto: Pedro Souza / Atlético.

Já não é novidade a influência direta que o poderio financeiro tem com o sucesso dos clubes de futebol. Os clubes mais poderosos sempre tiveram essa vantagem, como Richard Giulianotti diz: “A distribuição desigual dos pagamentos feitos pela televisão entre os clubes resulta em uma concentração ainda maior da riqueza financeira e do sucesso no futebol” (Giulianotti, 2002, p. 127).

Os mecanismos de premiação e cotas televisivas ao redor do mundo, com raras exceções, beneficiam um seleto grupo de clubes, que através do favorecimento estrutural econômico, gradativamente vão concentrando títulos e jogadores acima da média de suas ligas nacionais.

Seria interessante entrar nos detalhes de algumas destas estruturas, mas aqui a ideia é ver como isso se manifesta especificamente na Série A do Campeonato Brasileiro, desde que adotou o formato de pontos corridos com 20 equipes em 2006 até 2020, o último campeonato terminado. Observando a tabela abaixo, que reúne os primeiros quinze anos do Brasileirão neste formato, podemos refletir sobre alguns pontos.

Temos as informações das pontuações máximas (P Máx) e mínimas (P Min) que cada posição já fez e também o valor da mediana (P Med) de todos os quinze anos para cada posição. Como o esperado, as pontas da tabela são onde as diferenças de pontuação entre as posições são maiores, seja entre os primeiros colocados ou entre os últimos, mas é interessante observar como a tabela do campeonato vai se transformando com o tempo, e para isso, separamos a tabela em três quinquênios e iremos refazer a tabela abaixo para cada quinquênio.

Destacaremos também em cada quinquênio se no período aconteceu a melhor ou pior pontuação daquela posição na tabela dos quinze anos do formato do Brasileirão. A melhor pontuação estará destacada na cor verde e a pior em amarelo.

O primeiro quinquênio vai desde o campeonato de 2006 até 2010; com o tricampeonato do São Paulo de 2006 a 2008, seguido por títulos de Flamengo e Fluminense em 2009 e 2010, respectivamente.

Podemos já perceber que das 20 posições do campeonato, tivemos dez das melhores pontuações e das piores neste primeiro quinquênio. No entanto, das dez melhores pontuações destacadas, apenas duas estão na primeira metade da tabela. O inverso também é verdade com as pontuações mais baixas, com só duas das piores pontuações entre os times de baixo da tabela.

Melhores pontuações entre os clubes da parte inferior da tabela, somadas com as pontuações mais baixas com os times da metade superior indicam maior equilíbrio de pontuação entre os participantes do campeonato.

Vamos ver agora o segundo quinquênio, que é entre 2011 e 2015; com título do Corinthians em 2011, Fluminense em 2012, bicampeonato do Cruzeiro em 2013 e 14 e outro título do Corinthians em 2015. 

Neste quinquênio são poucos os destaques de melhores e piores campanhas. As melhores são desde o 7º até o 9º, além do 4º e 18º. As piores são desde o 7º até 11º, além do 4º e 19º.

Enquanto o primeiro quinquênio se destacou pelas melhores campanhas da parte inferior da tabela e piores campanhas dos melhores colocados, agora vemos um destaque maior para algumas das posições da primeira metade, mas ainda próximas do meio da tabela. O campeonato neste período, porém, já indicava um início de concentração de pontos dos times de cima. 

Veremos isso melhor no terceiro quinquênio, que começa com o título do Palmeiras em 2016, seguido pelo Corinthians em 2017, Palmeiras 2018 e o bi-campeonato do Flamengo 2019 e 20:

Entre 2016 e 2020 vemos as melhores pontuações históricas de todos os seis primeiros com exceção do 4º. Também, curiosamente, é quando o último colocado fez sua melhor pontuação. Em compensação, tem as piores pontuações das posições desde o 18º até o 10º, além do 8º e 5º. Sem mais nenhuma pontuação de destaque dos times de meio de tabela.

É curioso notar que o 10º colocado pontua regularmente entre 53 e 50 pontos. Mas, como observamos, é no primeiro quinquênio que o 10º teve sua melhor pontuação histórica, superando pela única vez os 53 pontos, somando 54. Em 2021 o 10º fez 50 pontos, mantendo essa constante curiosa do meio de tabela.

Comparando os três quinquênios vemos como o time campeão saiu de uma pontuação mediana de 75 para 80. Para ficar mais evidente a mudança, se compararmos as pontuações medianas veremos que as seis primeiras posições estão pontuando mais hoje do que nos primeiros anos, enquanto todas as sete últimas posições pontuam menos.

Somando todos os pontos medianos dos times no primeiro quinquênio, chegamos a um total de 1046 pontos distribuídos entre os 20 participantes. A mesma soma no terceiro quinquênio nos deixa com 1045 pontos.

Porém, se fizermos essa conta apenas entre os seis primeiros no primeiro quinquênio, vemos que os seis primeiros colocados somam 392 pontos. No terceiro quinquênio ficamos com 417 pontos somados. Uma diferença de 25 pontos.

Fazendo a mesma conta, dessa vez para os seis últimos, chegamos no primeiro quinquênio a 239 pontos. Número este que cai para 225 no terceiro quinquênio. São 14 pontos a menos.

Podemos repetir a conta para comparar o G4 com o Z4; aí veremos um aumento de 11 pontos para o G4 entre primeiro e terceiro quinquênio e uma redução de 12 pontos no Z4. Essa diferença não é percebida no resto da tabela. Os times entre 5º e 10º no primeiro quinquênio somaram 337 pontos e 338 no terceiro. Já os times entre 11º e 16º somaram 285 no primeiro quinquênio e 284 no terceiro.

A grande diferença simétrica de pontuação entre as pontas da tabela, enquanto o restante dela mantém seu equilíbrio nos leva a pensar que o que se passa, além de simples concentração de pontos, é uma concentração específica, praticamente como uma transferência direta de pontos.


Em 2021, o 16º Brasileirão neste formato, o Atlético Mineiro foi campeão com 84 pontos, a segunda melhor pontuação da Série A do Campeonato Brasileiro desde 2006, atrás apenas do Flamengo de 2019, que fez 90. Na outra ponta da tabela a Chapecoense fez a pior pontuação histórica, com míseros 15 pontos (e apenas uma vitória), pior até mesmo que o América de Natal em 2007, que fez 17 pontos.

Como em um campeonato de pontos corridos a pontuação é o capital mais valioso, e que também é limitado, afinal cada partida tem um valor máximo de 3 pontos, que ficará para apenas um dos times em caso de vitória (ou a partida valerá 2 pontos, divididos igualmente entre as equipes em caso de empate), o acúmulo de pontos dos primeiros colocados é a maior demonstração na tabela de uma competição cada vez mais desigual.

É interessante observar também, que nos últimos anos houve uma atenuação do monopólio regional e de alguns clubes. De 2006 a 2020, foram apenas seis clubes a conquistarem o título, concentrados em três cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Comparado com os quinze anos anteriores, de 1991 até 2005, que tiveram dez campeões diferentes, divididos entre cinco estados e seis cidades; Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Santos, Curitiba e Porto Alegre.

Na temporada de 2021 vimos os clubes de maior poderio financeiro ocupando as três primeiras posições durante a maior parte do campeonato, com o Atlético-MG levando o título, Flamengo terminando em segundo e Palmeiras em terceiro. Como o futebol não é uma ciência exata, ainda temos os bons trabalhos que conseguem de algum modo escapar dessa lógica, como é o caso do Fortaleza, que terminou em quarto, ou outros que surpreendem negativamente como o Grêmio, que acabou sendo rebaixado. 

Johan Cruyff certa vez falou que saco de dinheiro não marca gols. Realmente não marca, mas contrata os jogadores que marcam.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Mariana Vantine

Pesquisadora de Futebol e Políticas Econômicas.Membro do coletivo internacional Football Collective.

Gabriel Said

Formado em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrando em Antropologia pela UFF e aluno da Associação de Treinadores do Futebol Argentino (ATFA). Participa do grupo de estudos de Futebol e Cultura, do LEME/UERJ; do grupo de Futebol e Humanidades da Universidade do Futebol e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade (NEPESS), da UFF. Além de escrever a coluna Danúbio Azul no Ludopédio, também escreve para a Universidade do Futebol. E-mail: [email protected]

Como citar

VILLELA, Mariana Vantine de Lara; SAID, Gabriel. A desigualdade econômica do futebol brasileiro percebida na tabela da Série A do Brasileirão. Ludopédio, São Paulo, v. 154, n. 22, 2022.
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