Em 2 de julho de 2010 enfrentavam-se as seleções de futebol do Uruguai e de Gana, em partida pelas quartas-de-final da Copa do Mundo, na África do Sul. Os africanos saíram na frente, marcando ao final do primeiro tempo, e os sul-americanos empataram logo aos 10 minutos da segunda etapa, com um gol de Diego Forlán, que seria escolhido o melhor jogador do torneio. A peleja seguiu empatada até o último minuto da prorrogação, quando Luis Suárez impediu aquele que seria o passaporte os ganeses para sua primeira semifinal em mundiais adultos, defendendo a própria meta com as mãos. Pênalti marcado, Luisito expulso de campo, a cobrança de Asamoah Gyan voou por cima da meta de Fernando Muslera, levando a decisão para as cobranças de penalidades.

A vitória uruguaia e a consequente classificação para as semifinais – repetindo o feito da grande equipe de 1970 – transformou-se em relato épico que é repetido por muitos que estiveram frente à televisão naquela tarde fria de sexta-feira. O futebol, uma vez mais, proporcionava a experiência coletiva do relato, gerando espaço e tempo comuns a várias gerações. Do banco da Celeste y Blanca dirigia o time Óscar Tabárez, El Maestro.

Em Amalfi, Itália, funcionários do restaurante param para ver a decisão por pênaltis entre Uruguai e Gana pela Copa de 2010. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Óscar Washington Tabárez Silva é orginalmente professor dos primeiros anos do ensino fundamental, tendo atuado durante anos em uma escola no bairro do Cerro, em Montevidéu. A condição de mestre parecia afirmar-se a cada vez que os jogadores se deixavam impactar por ensinamentos e aprendizagens provocados. Da sala de para o Complejo Celeste (o centro de treinamento do selecionado nacional), não mudou a prática do Maestro, de forma que o humano, por assim dizer, podia encontrar-se na experiência do esportista. Este, por sua vez, sempre foi o protagonista nos times que o treinador construiu, ao ensinar todos e a cada um o processo de tomada de decisão em prol do coletivo. Para além do talento individual dos jogadores – talento que em alguns, aliás, abundava – insistiu em organizar um grupo de futebolistas que, por meio de acordos coletivamente estabelecidos, lograsse fazer frente a qualquer outra equipe do mundo.

Foram quinze anos em que seleção uruguaia se manteve em alto nível futebolístico no cenário mundial. Todo esse êxito não evita a pergunta que moveu grande parte daqueles que defendiam a saída de Tabárez do comando da Celeste y Blanca. O que ele de fato venceu? A resposta é: não mais que uma Copa América, jogada na Argentina, e a quarta posição no Mundial de 2010, além da participação no torneio com sede no Brasil, em 2014. Não obstante, são notórias as diferenças com os quinze anos anteriores (1991-2006), quando a seleção teve nada menos que onze treinadores: igualmente uma Copa América, a de 1995, o vice-campeonato no Mundial de Juniores (1997) e a classificação para a Copa jogada no Japão e na Coréia, em 2002.

Para além dos acertos e erros (e eles existiram) na segunda etapa de Tabárez (a primeira foi entre 1988 e 1990), umas das questões que permanecem é aquela que se relaciona ao debate que se desenvolve ao longo da profissionalização do esporte e considerando a relação entre competência e êxito. Até que ponto ambos coincidem? É possível ser exitoso sem chegar a ser competitivo? Pode-se, pode outro lado, ser competitivo sem ser exitoso? São dimensões que devem sempre ser pensadas em conjunto? Há que se perguntar o quanto, nas formas de responder a essas perguntas, operam lógicas que quiçá digam em respeito a outros interesses, de ordem mercantil e de consumo cultural, ou seja, algo mais do que se pode esperar de uma contenda esportiva. Afinal, o que se coloca em jogo quando a uma seleção de futebol (um entre outros esportes, uma seleção entre tantas, um âmbito mais em que as questões de orientação sexual e gênero se veem tabuizadas) pedimos, exigimos, o que se mostra imperioso para que a própria vida viva: o êxito?

Óscar Tabarez
Óscar Tabárez. Foto:César Muñoz/Andes

 Evitando cair na tentação de relacionar de forma direta – e incorreta – futebol e política, vale destacar, no entanto, que o comando do Maestro na seleção coincidiu, em grande parte, com o período da coalização conhecida como Frente Ampla na presidência do país, quando Tabaréz Vázquez e José Pepe Mujica se sucederam no cargo, o primeiro ocupando-o duas vezes não consecutivas. Quando da grande conquista do quarto lugar na Copa de 2010, o que inclui a citada vitória épica contra a seleção de Gana, Pepe recém assumira seu mandato. O futebol e a política, como questões coletivas, evoluíram sob o mesmo impulso histórico Uruguai. A mostrar que as coisas não são unívocas, o processo foi distinto no Brasil, também governado por uma frente de centro-esquerda entre 2003 e 2016, quando ocorre o golpe parlamentar que tira Dilma Rousseff da cadeira de Presidente da República. Foi um tempo de desempenho insatisfatório do futebol brasileiro, com seus quatro treinadores diferentes, mesmo considerando os títulos de Copas América e das Confederações.

Depois do Mundial de 2010, o quarto lugar conquistado e o bom futebol apresentado levaram Óscar Tabárez a contar com a aprovação de 96% da população[1]. Seguramente não são esses os números atuais, assim como tampouco a Frente Ampla governa, atualmente o Uruguai. É improvável que o Maestro volte ao comando da seleção, mas a esperança da renovação dos ventos políticos está viva, lá como no Brasil. Longa vida ao Maestro, suas ideias e ideais.

Montevidéu, Uruguai; Ilha de Santa Catarina, dezembro de 2021

[1] https://www.futbol.com.uy/Deportes/Encuesta-sobre-Tabarez-uc150494

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gonzalo Pérez Monkas

Licenciado en Educación FísicaMagíster en Educación Corporal 

Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

MONKAS, Gonzalo Pérez; VAZ, Alexandre Fernandez. A despedida do maestro: Óscar Tabárez e o Uruguai. Ludopédio, São Paulo, v. 150, n. 5, 2021.
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