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A Dialética da Rivalidade Palestra Itália x Atlético Mineiro: uma transcrição do Podcast do Observatório do Futebol e do Torcer

Bertolt Brecht possui uma famosa citação onde ele critica quem se omite da política, denominando o omisso de “analfabeto político” e fazendo a seguinte afirmação:

“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.”

Mas não podemos esquecer que se Brecht tivesse vivido em Belo Horizonte a partir de 1921 ele provavelmente mudaria de opinião e diria que nesta cidade a rivalidade Atlético e Palestra influencia fortemente o cotidiano, mudando das linhas de ônibus ao horário da missa.

O Ser Humano tem por característica quase que básica criar antagonismos diversos, porque o tão racional ser se alimenta, ama, chora, vive, cresce, fica bobo, se casa, mas acima de tudo isso ele cria antagonismos, e nos antagonismos sua atividade mais rudimentar e cotidiana: criar dois polos e os tornar rivais, inimigos, adversários (i)mortais.

Isso não surge do nada, o ato de criar antagonismos, de forças binárias se chocarem a todo tempo, vem desde a briga pela água, inclusive sendo este conflito o pai da palavra “rivalidade”, onde “rivus” vem de rio, e dois polos se antagonizando por algo vem da briga pelo acesso ao rio, ao de beber.

Contudo, em dias atuais onde essa disputa parece algo ultrapassado, a briga pelo acesso ao rio, a rivalidade, advém de um fenômeno bem mais moderno: o futebol. Este que é tido como um fato social da sociedade brasileira, capaz de afetar a sociedade e ser afetado por ela, em uma relação dialética, e este hoje é o gerador da rivalidade, do choque entre forças binárias.

Pois bem, mas o mais importante destes choques de forças binárias ocorre em Belo Horizonte, pelo menos é o que se discutiu no Podcast do Observatório do Futebol e do Torcer com o professor Rogério Othon como convidado, onde o mesmo apresentou sua dissertação de mestrado que discutiu a história e a invenção da rivalidade entre o até então Palestra Itália e o Atlético Mineiro.

Primeiro ponto a se destacar é o polêmico termo “inventar”, porque ao contrário do que muitos pensam, o choque de forças antagônicas, neste caso Palestra e Atlético, foi algo inventado por diversos fatores que serão discutidos no decorrer deste texto.

Outro fator importante para compreender o discutido no decorrer do podcast é que os estudos sobre futebol nas Ciências Sociais ganha força a partir dos anos 1970.

Tema este muito recente, assim como a rivalidade entre Atlético e Cruzeiro, visto que antes do surgimento do segundo a partir de 1921, já se tinha presente uma rivalidade forte entre o primeiro e clubes como o América e o Vila Nova, inclusive tendo estas mais destaque por um bom período.

Atlético Mineiro
Atlético Mineiro, campeão estadual de 1915. Fonte: Wikipédia

É necessário destacar que se a rivalidade é recente, o futebol como tema das Ciências Sociais também, não se pode esquecer que a própria capital mineira, Belo Horizonte, é uma capital jovem, cunhada sob a égide moderna, o que reflete no futebol praticado nela, assim como esta recebe elementos em sua composição devido ao fenômeno futebol que começa a acontecer em seus espaços.

Inclusive o Palestra Itália é bem mais jovem que os outros clubes da Capital, o que leva a apresentar tamanhas diferenças entre seus rivais, desde sua formação, forma de praticar o futebol, ou mesmo de organização interna entre outros.

Contudo, focando não em uma das forças binárias, mas sim no choque entre elas, existe uma citação no antigo Jornal Minas Gerais, que era o veículo oficial do Governo de Minas Gerais, mas que a época também era noticioso, onde se trata de um processo de despovoamento do centro de Belo Horizonte em uma data especifica, onde os torcedores migraram desta região para outra cidade, destacando a subida ao morro, visto que o estádio do Atlético ficava na colina, muito semelhante ao êxodo que ocorre nos dias atuais, mostrando que já naquela época o clássico impactava em diversas frentes da cidade.

Lembrando que mesmo sendo moderna, Belo Horizonte não foi pensada originalmente para o futebol, e muito menos para um impacto tão grande quanto o causado por um jogo entre Atlético e Palestra, o que provocou uma adaptação da cidade, principalmente na região do Prado.

Esta mudança é tão incisiva na cidade que existiu uma íntima relação entre o transporte a prática do futebol: o Prado mineiro, local de prática do futebol, nasce porque ali era a região de retirada de materiais para a construção dos grandes prédios, e este ficava longe do centro, além da avenida do Contorno, o que com o futebol, se obrigou a criar linhas de bonde específicas para este local, inclusive tendo uma linha de bonde na Rua Platina, especifica para levar um bonde ao espaço do jogo, que pode ser vista até os dias atuais no reordenamento do transporte devido a demanda de fluxo dos torcedores (vide Abrahão Caram).

Assim, a atividade do torcer era algo tão importante na capital naquele momento que esta conseguia rivalizar com a atividade religiosa, a da missa, de modo que acontecia um tumulto para pegar o bonde após a missa para assistir os jogos, lembrando que este saia de regiões mais baixas e dirigia-se a regiões mais altas da cidade, apontando um problema de fluxo e de ocupação urbana.

Todas essas situações apresentadas ocorridas na Belo Horizonte pós-1921 colaboram com a quebra de um mito – o que o clássico só se torna o que é atualmente depois do Mineirão – e ainda tem a condicionante das altíssimas bilheterias que os jogos apresentavam, mesmo que estas não fossem confiáveis, é possível perceber que eram partidas que levavam um contingente grande de torcedores às mesmas. De modo que nas informações coletadas nos jornais da época se apontava que iam mais torcedores no Atlético e Palestra que nos outros clássicos (notadamente Atlético x América), além da própria povoação do noticiário com detalhes sobre os jogos, noticiando matérias a partir do terceiro dia anterior ao certame, e registrando-se dados sobre os mesmos até três dias depois.

No final dos anos 1920 já se começa a perceber um aumento da popularidade de Atlético e Palestra devido após o deca campeonato do América (de 1916 a 1925), o Atlético conquista os dois seguintes (1926-1927), e o Palestra, já adotando uma postura de clube profissional (contratando atletas e treinadores de outros times), mas só se oficializando como tal em 1933,  triunfa nos três últimos campeonatos da década (1928-1929-1930), denotando um crescimento de ambos no cenário e redução de seus rivais, destacando aqui o Vila Nova, que enquanto todos eram amadores, este já contratava profissionais e os colocava na folha de pagamento da mina do Morro Velho (constituindo assim o chamado amadorismo marrom).

Cruzeiro
Palestra Itália, tricampeão mineiro (1928, 1929 e 1930). Fonte: Wikipédia

Além destes fatores, como já apontado anteriormente, a imprensa possui papel chave na construção desta rivalidade, apontando um fator socioeconômico relevante: o número de pessoas com acesso aos jornais era reduzido devido ao analfabetismo, explicitando o fato de que quem acompanhava o futebol também era uma elite.

Mas bom destacar que não somente a imprensa adota a manipulação como ferramenta de trabalho, tendo os próprios clubes como agentes manipuladores como forma de fomento da rivalidade, sendo principalmente presente nas dissonâncias entre as estatísticas sobre números de jogos, gols e outras informações referentes aos jogos.  Um bom exemplo deste problema é o fatídico 9×2 vencido pelo Atlético, onde nenhum dos clubes possuía um registro correto do mesmo, cabendo a Hemeroteca Histórica da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais ter o registro do jornal do dia do jogo, onde a única discrepância presente é nos atletas que marcaram os gols, e quantos foram por atleta, além de que, este fato só vem à tona a partir da vitória do Cruzeiro por 6×1 em 2011, demonstrando como os clubes são amadores em seu constructo histórico, ignorando que este reverbera no presente.

Isso também demonstra como a rivalidade é acima de tudo no campo do discurso, visto que passam a surgir resultados por parte do Cruzeiro, sem comprovação, como forma de tentar amenizar um problema que ultrapassa o âmbito esportivo e migra para o campo do imaginário e controle histórico. Outro ponto onde o discurso se coloca como algo problemático é a questão dos jejuns, onde existe uma disputa de narrativas a cada jogo ocorrido apontando uma série de situações contra o rival.

Pois bem, sabendo que os fatos sociais coexistem entre si, e se afetam, é necessário entender que a violência afeta o futebol, assim como é afetada por ele. Primeiro ponto é como o local dos confrontos (violência) vem migrando de uma região para outra de BH, mostrando que o processo da urbanização afeta e é afetado por este fato, em uma relação dialética. Segundo é que o Poder público é omisso na violência no futebol, não sendo este culpa das torcidas do futebol, apontando como torcida única não resolve o problema.

Por fim, algumas questões importantes da rivalidade, principalmente no que tange a composição das torcidas: existem dados imprecisos sobre o número de torcedores, o que aumenta a questão da rivalidade, porque não se conclui sobre o mesmo. Ainda neste ponto, existe um disputa de narrativas de qual time seria o mais “popular”, quando na verdade a renda é o fator que menos interfere na composição das torcidas, sendo a relação interior/centro e as questões geracionais mais relevantes para apontar a composição das mesmas, de modo que ambas equipes são populares, tendo torcedores em todos os estratos sociais.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Georgino Jorge Souza Neto

Mestre e Doutor em Lazer pela UFMG. Professor da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Membro do Grupo de Estudos Sobre Futebol e Torcidas/GEFuT-UFMG. Membro do Laboratório de Estudo, Pesquisa e Extensão do Lazer/LUDENS-UNIMONTES. Membro do Observatório do Futebol e do Torcer/UNIMONTES. Torcedor do Galo...

Júnio Matheus da Silva Cruz

Mestrando em Desenvolvimento Social na UNIMONTES. Graduado em Economia, Administração e Gestão Pública. Um futuro Sociólogo com vergonha na cara porque sabe que um Cientista que nunca gastou a calça na arquibancada de Estádio não tem condições de avaliar o povo brasileiro.

Como citar

SOUZA NETO, Georgino Jorge de; CRUZ, Júnio Matheus da Silva. A Dialética da Rivalidade Palestra Itália x Atlético Mineiro: uma transcrição do Podcast do Observatório do Futebol e do Torcer. Ludopédio, São Paulo, v. 160, n. 11, 2022.
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