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A falência do Racing Club e o jogo que nunca aconteceu

Fábio Areias 14 de junho de 2019
“Racing Club deixou de existir” 
 
Foram com essas palavras frias que Liliana Ripoll declarou a falência do Racing Club. O motivo, dívidas superiores a 30 milhões de dólares. Era 4 de março de 1999 e a partir daquela data seria o fim de um dos mais tradicionais clubes da Argentina. Ripoll era a síndica determinada pela Justiça para administrar o processo de falência da instituição.
 

 
Como um clube da grandeza do Racing poderia fechar as portas? Não é uma empresa, é um clube de futebol. Uma paixão irrestrita que dá algum sentido a vida de milhares de pessoas. Não dá para dormir e acordar sabendo que o seu time não existe mais. Imagine acabar um Atlético Mineiro, um Vasco, um Inter da noite para o dia. Não dá. Simplesmente, não dá. 
 
Assim como tantos clubes brasileiros, o Racing foi vítima de péssimas administrações de seus cartolas, em especial de Daniel Lalín, presidente do clube entre 1997 e 1999. Sob grave crise financeira, Lalin chegou ao cúmulo de promover uma sessão de exorcismo para afastar “os maus espíritos” do clube. E, de forma inacreditável, 15 mil torcedores de La Academia – como o clube é popularmente conhecido – ainda participaram do tal “ato de fé”. 
 
Em 10 de julho de 1998, Lalín decretou a bancarrota do Racing alegando que era a única forma do clube sobreviver. Por fim, no fatídico 4 de março de 1999, a Câmara de Apelações de La Plata determina a liquidação imediata do time. O Racing Club de Avellaneda estava oficialmente dissolvido. 
 
Lalin ainda tenta se pronunciar frente a irritados e incrédulos torcedores do Racing. Só recebe xingamentos e é agredido com um lançamento de um bumbo que atinge seu rosto e estilhaça seus óculos. Não dava para esperar outra coisa além de protestos, raiva e desespero.
 
Três dias após a falência, estava marcado um jogo do Racing contra o Talleres pelo Campeonato Argentino (Clausura). Obviamente, a partida não poderia ser realizada. Um dos times deixara de existir. 
 
La Guardia Imperial no Estádio Juan Domingo Perón. Foto: Matu08/Wikipédia.
 
Porém, nesse mesmo dia, mais de 30 mil fanáticos se recusam a aceitar o súbito fim e se dirigiram ao estádio Presidente Perón, casa do Racing. Não era para assistir a partida contra o Talleres, e sim para manifestar todo o seu amor ao clube. Se os dirigentes roubaram, que paguem, mas a instituição é imaculada. Um torcedor expressou todo o seu sentimento: 
“A única coisa que peço é que o Racing siga existindo. Nada mais. É minha vida, a vida de minha filha, a vida de minha senhora, de minha avó. É tudo para mim. E se Racing não mais existir, para mim vai existir para toda minha vida, porque irei morrer sendo Racing” 
O 7 de março de 1999 ficou conhecido “El dia del hincha de Racing” e marcou o renascimento da instituição. Após tamanha demonstração de amor, a Câmara de Apelação revogou a determinação e permitiu que o Racing virasse uma empresa, a Blanquiceleste SA para saldar suas dívidas em um período de 10 anos. Estava salvo.
 
Ironicamente, dois anos depois da solvência, o Racing voltava a ser campeão nacional (após 35 anos) no pior momento da história argentina com o calote na dívida externa de 2001. No final o Racing se transformou em uma prévia do que aconteceria logo na sequencia no próprio país: quebrou, mas de alguma forma tem que seguir adiante.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fábio Areias

Formado em Comunicação Social pela ESPM , cocriador do site Extracampo, projeto que busca apresentar as entrelinhas do futebol e seu impacto na sociedade e vida das pessoas.

Como citar

AREIAS, Fábio. A falência do Racing Club e o jogo que nunca aconteceu. Ludopédio, São Paulo, v. 120, n. 17, 2019.
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