Depois de 24 anos longe de uma final olímpica o Brasil teve a chance de conquistar a tão sonhada e inédita medalha de ouro, algo que nossos maiores rivais sul-americanos, Uruguai e Argentina, já conquistaram duas vezes.

A derrota para o México, que também nunca havia conquistado a medalha de ouro, provocou uma série de reações quanto a presença do futebol nos Jogos Olímpicos. Essa constatação pode ser observada em alguns programas que analisavam o dia a dia da competição em Londres bem como nas conversas dos amigos que prontamente criticaram a participação do futebol masculino.

Oscar tenta cabeçada contra o México na final dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Foto: Mowa Press.

Esse texto está dividido em duas partes: na primeira defendo a presença do futebol nos Jogos Olímpicos e na segunda analiso o quanto o ciclo olímpico está atrelado ao ciclo da Copa do Mundo.

Os argumentos para a saída do futebol masculino do programa olímpico são variados, mas existem certas recorrências nos discursos. Frequentemente afirma-se que os jogadores de futebol pouco se importam com essa competição, que eles não ficam na Vila Olímpica e que é um torneio à parte dos Jogos.

Pode-se argumentar que o padrão da Vila é muito diferente do que estão acostumados. Isso é verdade, os jogadores de futebol ficam em hotéis cinco estrelas e se isolam para não ter contato com a imprensa e torcedores. Desse modo, essa blindagem impede que possam ter contato com o espírito olímpico tão presente na Vila Olímpica.

Não ficam na Vila Olímpica pelo fato do torneio ser itinerante pelo país sede. No caso de Londres 2012 o futebol teve como sede: Cardiff, Coventry, Glasglow, Londres, Manchester e Newcastle. Na primeira fase o Brasil jogou em Cardiff, Manchester e Newcastle. Jogou as quartas-de-final em Newcastle e a semifinal em Manchester. Somente na final foi para Londres. Como não ficariam na Vila Olímpica, antes do início da competição os jogadores brasileiros foram conhecer as instalações e não faria sentido na última partida ir para um local diferente do que estão acostumados.

Jogadores brasileiros visitam a Vila Olímpica. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

No entanto, o fato dos jogadores de futebol brasileiro não ficarem hospedados na Vila não pode ser aceito como elemento para classificá-los como atletas que não possuem o espírito olímpico. Se esse fato fosse verdade, os atletas da Vela, por exemplo, que disputaram os Jogos de Londres em Weymouth e Portland também ficaram grande parte do tempo em uma outra “Vila Olímpica” também não poderiam ter o espírito olímpico.

O que não se pode é olhar para o futebol olímpico somente pela perspectiva do envolvimento dos jogadores brasileiros (atuais) com o torneio. Como muitos já atuam em clubes do exterior e possuem uma vida estável financeiramente, defender a seleção brasileira em um torneio olímpico não parece ser algo essencial na carreira deles, mesmo que não sejam considerados os principais jogadores de seus clubes.

Por outro lado, a competição olímpica é capaz de inverter a lógica estabelecida no futebol mundial. Aqui nem sempre as potências mundiais conseguem êxito. Em Londres 2012, o Uruguai e a Espanha não passaram da primeira fase. O Brasil que é o maior ganhador de Copas nunca venceu a competição olímpica. Os países que não possuem tradição em Copa do Mundo encontram na competição olímpica uma grande oportunidade para aparecer no cenário mundial. Seleções que jogaram contra o Brasil, tais como Bielorússia, Honduras e Coreia do Sul fizeram o jogo de suas “vidas” contra a seleção brasileira pelo simples fato de ser uma oportunidade única de ser notado.

Neymar recebe marcação dos jogadores de Honduras nos Jogos Olímpicos. Foto: Mowa Press.

A imprensa brasileira considerava que as vitórias seriam fáceis devido a pouca expressão no cenário internacional dessas seleções. Ao apresentar essas impressões desconsiderava que essas seleções se prepararam durante um longo período para disputar os Jogos Olímpicos e em vários momentos das partidas contra o Brasil mostraram um entrosamento que a própria seleção brasileira não possuía.

Em entrevista ao site da FIFA, o atual presidente da entidade, Joseph Blatter afirmou que o futebol olímpico foi um sucesso:

O número de torcedores que presenciaram o futebol em Londres 2012 quebrou muitos recordes, com um total de 1,5 milhão de pessoas para o futebol masculino e 660 mil para o feminino. Isso significa que o futebol foi responsável por um quarto de todos os ingressos vendidos na Olimpíada 2012. Foi maravilhoso viajar por todo o país e ver a maioria dos estádios atrair multidões1.

Em edições anteriores, o futebol teve um número considerável de espectadores. Em Pequim 20082, acumulou 1.397.448 pessoas, sendo uma média de público de 43.670. Já em Atenas 20043, o público total foi de 401.415 pessoas e uma média de 12.544 pessoas, a menor desde 1984. Esse aumento de público de 2004 para 2008 e o sucesso indicado pelo presidente Blatter, mostram que o futebol não é algo colocado em segundo plano pelo público que frequenta os Jogos Olímpicos.

Talvez poucos saibam que o futebol é um dos esportes mais antigos do programa olímpico. Não participou da primeira edição de 1896 e ficou de fora de 1932 por questões políticas entre a FIFA e o COI. Se os Jogos Olímpicos são caracterizados por carregarem certas tradições torna-se contraditório retirar do programa uma das modalidades mais antigas.

Como a FIFA detém o controle do futebol mundial enganam-se aqueles que defendem a troca do futebol pelo futsal nos Jogos Olímpicos. Os conflitos entre o COI e a FIFA acerca do futebol datam do final dos anos 20 e se revelam por meio das restrições impostas ao futebol na Olimpíada. Dessa forma, se já existe a disputa pelo poder por meio do futebol é inocência pensar que a FIFA irá deixar que o COI possa incluir o futsal no programa olímpico.

Marcelo, um dos jogadores acima dos 23 anos, escapa da marcação do jogador da Coreia do Sul nos Jogos Olímpicos. Foto: Mowa Press.

Também fica a pergunta: se o Brasil fosse constantemente campeão olímpico no futebol masculino, configurando-se como uma medalha de ouro garantida, será que a imprensa brasileira defenderia a saída do futebol dos Jogos Olímpicos?

São essas questões políticas que permeiam a história do futebol olímpico, com uma série de restrições quanto a participação dos atletas. Atualmente, a justificativa da FIFA para manter o limite de idade é a de dar chances aos atletas mais jovens. É por meio das restrições junto ao futebol olímpico que a FIFA valoriza a sua principal competição: a Copa do Mundo. Aliás, o futebol é a única modalidade que tem a sua principal competição fora dos Jogos Olímpicos e por esse fato a FIFA conseguiu transformar a Copa do Mundo em um evento que rivaliza em números e, consequentemente, nos lucros com os Jogos Olímpicos.

É exatamente a restrição que está em vigor, de ter somente três jogadores acima dos 23 anos que faz com que o ciclo olímpico esteja vinculado com o ciclo da Copa do Mundo. Nem todos os atletas do futebol que disputam (ou disputaram) os Jogos Olímpicos tem a oportunidade de disputar uma Copa do Mundo.

Porém, os que tiveram acabam por revelar o quanto os ciclos se cruzam num período entre 6 e 10 anos. Por exemplo, Vavá esteve na primeira seleção olímpica brasileira em 1952 e foi bicampeão do mundo em 1958 e 1962. Paulo Roberto Falcão esteve no grupo olímpico de 1972 e Junior (lateral esquerdo) foram destaques do Brasil em 1982. Carlos era o goleiro da seleção olímpica em 1976 e titular na Copa de 1986. A base da seleção de prata de 1984 (Dunga, Gilmar Rinaldi e Mauro Galvão, este último somente participou da Copa de 1990) e 1988 (Taffarel, Jorginho, Mazinho e Romário) esteve na fraca participação na Copa de 1990 e na conquista do Tetracampeonato em 1994.

Exceção a esse ciclo foi a geração olímpica dos anos 90 que conquistaram a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996 e foram vice-campeões na Copa de 1998. Além disso, muitos desses atletas participaram do pentacampeonato mundial de 2002. Com a conquista desse mundial, o ciclo vitorioso que mescla a participação olímpica com a Copa novamente se fez em 6 anos. Esse foi o caso do Aldair, Luizão, Dida, Juninho Paulista, Rivaldo, Roberto Carlos e Ronaldo, o fenômeno.

Mano faz uma substituição na final contra o México: coloca Hulk, um dos seus jogadores acima dos 23 anos que foi para a reserva durante a competição. Foto: Mowa Press.

Dos que estiveram em 2008 nos Jogos Olímpicos de Pequim e na Copa de 2010 na África do Sul foi apenas o jogador Thiago Silva. A seleção foi desclassificada pela Argentina nos Jogos Olímpicos e pela Holanda na Copa do Mundo. Resta saber quais jogadores da seleção que disputaram os Jogos Olímpicos de Londres 2012 e ficaram com a medalha de prata estarão no grupo que irá disputar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

O que o técnico da seleção brasileira precisa ficar atento é que quanto mais os ciclos se cruzarem maiores serão as experiências dos atletas brasileiros com a camisa da seleção. Como a FIFA não tem interesse que o torneio olímpico rivalize com a Copa do Mundo certamente o futebol olímpico será colocado em uma condição menor no cenário futebolístico mundial, porém, o que não se pode é perder a chance de interseccionar cada vez mais o ciclo olímpico com o da Copa do Mundo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. A favor do futebol Olímpico. Ludopédio, São Paulo, v. 38, n. 7, 2012.
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