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A guerra da Ucrânia e o fluxo de jogadores de futebol

Introdução

Com o início da guerra da Ucrânia, numerosos aspectos do Sistema Internacional ganharam novos contornos, dentre eles está o recorrente problema da crise dos refugiados. Esses fluxos populacionais não emergem como novidade, considerando que inúmeras rotas de migração são constituídas como fuga para uma melhor condição, conforme observamos nos deslocamentos de venezuelanos para o Brasil, dos sírios e palestinos que objetivam fugir de suas condições de guerra e além das populações africanas que, ao serem saqueados de suas terras e amargar colonizações até os dias atuais, buscam sobreviver em outros territórios.

Entretanto, as ações tomadas pelas Organizações Internacionais, principalmente pela ONU, são praticamente nulas, deixando os países em constante alerta por suas crises de migrações e, consequentemente são marginalizados pelo sistema. Nesse sentido, a guerra da Ucrânia inaugurou um diferente capítulo do panorama de fluxos populacionais, afinal, pela primeira vez em décadas, o continente europeu se tornou epicentro de uma crise migratória, sendo seus países os principais agentes, idealizadores e vítimas do conflito. No futebol não é diferente, as crises decorrentes do conflito bélico na região ucraniana desencadeou transferência em massa de jogadores.

Efeitos no Futebol Europeu

Lançando um olhar mais atento para o cenário futebolístico europeu, é possível constatar que a sua dinâmica foi majoritariamente influenciada pelas repercussões da guerra, afetando o andamento de competições[1] e interferindo significativamente nas transferências de jogadores. A Europa é amplamente reconhecida pelo seu dinamismo financeiro no futebol, sobretudo em razão das cinco principais ligas nacionais do esporte estarem em países do continente (Premier League — Inglaterra, La Liga — Espanha, Bundesliga – Alemanha, Serie A – Itália, Ligue 1 – França).

Portanto, não é de se estranhar que os principais impactos financeiros ocorreram em agremiações e federações dessas ligas, chegando afetar a própria confederação do continente, a UEFA (que possuía contratos com empresas russas como a Gazprom). Paralelamente a guerra da Ucrânia, as sanções econômicas motivaram a queda da atratividade do mercado futebolístico ucraniano e russo. Como consequência, houve transferência em massa dos jogadores que disputavam a liga da Ucrânia e uma evasão de capitais (principalmente de transmissões) no campeonato russo.

O futebol, além de ser impactado financeiramente com o final das parcerias milionárias com clubes e as próprias federações, principalmente entre UEFA e Gazprom, teve problemas com os jogadores. A princípio, a FIFA criou uma regra que liberou que os jogadores ligados a clubes russos e ucranianos para continuarem a jogar em clubes de outros países durante a temporada de 2022/2023.[2] Em seguida, sancionou punições aos clubes russos, com exclusões da Champions League, Europa League e Conferece League, já a seleção foi banida da Copa do Mundo da FIFA de futebol masculino em 2022, das eliminatórias para a Copa do Mundo de futebol feminino em 2023, na Eurocopa feminina de 2022, das Liga das Nações em 2022-23. Além disso, a Rússia ficou impossibilitada de se candidatar para sediar a Eurocopa de 2028.

O conflito e os refugiados

Ao dedicar maior atenção à situação das transferências jogadores de futebol, é notável o impacto na dinâmica dos campeonatos Russo e Ucraniano. Previamente a guerra, ambas ligas desempenham papel de mercados de entrada para o futebol europeu, sendo campeonatos captadores de talentos, dentre eles muitos brasileiros. Deste modo, com o desencadear do conflito torna-se evidente o protagonismo do Brasil na exportação de jogadores, visto que 44 atletas brasileiros figuram como componentes de elencos pertencentes a agremiações Ucranianas e Russas de primeira divisão (GE, 2022).

Referente a rota de migração da Ucrânia, nesse primeiro momento é difícil de ser mensurada, mas demonstra-se como um lembrete diário dos inúmeros brasileiros que depararam-se com zonas de Guerra por terem optado por jogar em território ucraniano, visando obter uma melhor oportunidade de mercado em algum momento futuro de suas carreiras. Tal situação citada, se inicia no território ucraniano no ano de 2014, devido a anexação da península da Crimeia pela Rússia.

Sendo assim, as agremiações advindas das regiões de Luhansk e Donetsk vem convivendo com ameaças, visto que os clubes eram obrigados a deslocarem-se para jogar em Kharkiv e Kiev para realizar suas partidas longes dos ataques de grupos separatistas. De modo similar, com a emergência do conflito vigente, clubes da região de Donbass encontram-se na mesma situação descrita, visto que a região em questão conta com a presença de tropas armadas russas, conforme consta no mapa 1.

Mapa 1: Áreas ocupadas por tropas Russas

Deutsche Welle (2022); OSM,  Institute for the Study of War, Critical Threats Project
Fonte: Deutsche Welle (2022); OSM,  Institute for the Study of War, Critical Threats Project

O caso dos jogadores brasileiros

Com o avanço da guerra, a rota de fuga passou do local para o global, ou seja, um salto escalar na transferências de jogadores. Alguns brasileiros optaram por retornar para o Brasil (mapa 2), por exemplo brasileiros naturalizados ucranianos como Junior Moraes e Marlos. Outros jogadores, como Alan Patrick, Maicon, Vitão e outros optaram por cumprir um período de seus contratos aqui em território brasileiro. Ademais, o grupo que optou por permanecer no território europeu conseguiu seu devido sucesso. Alguns jogadores como Dodô, Marlon, Marcos Antônio, Tete e David Neves conseguiram espaços em ligas maiores.

O campeonato ucraniano voltou aos gramados nesta temporada e também voltará a ter representações em competições europeias com o Shakhtar Donetsk classificado para a Champions League desta temporada, o Dínamo de Kiev que está nos playoffs da mesma competição ou o Dnipro que disputa os playoffs da Liga Europa e mesmo com a retomada, alguns reforços de segurança são necessários: como autorizações dos militares para que os jogos aconteçam, que as partidas sejam disputadas sem público e que exista um abrigo próximo do estádio, para que em caso de bombardeios próximos, os jogadores consigam se esconder.

Mapa 2: Destino dos jogadores Brasileiros refugiados

Destino dos jogadores Brasileiros refugiados
Fonte: Série Z

 

Um jogo que ainda não acabou

Atualmente, as transferências de jogadores do campeonato russo está em andamento. Os selecionáveis como Claudinho, Malcom e, provavelmente Yuri Alberto, procuram novos destinos e podem retomar suas carreiras longe das zonas de conflito. Com os Contudo, os russos deixando uma boa parte de seus investimentos no esporte, o êxodo não é apenas entre os jogadores. O Chelsea é o exemplo prático desse processo, com Roman Abramovich deixando o comando do clube londrino, obrigando a instituição buscar novos investidores para o projeto, agora conduzido por Todd Boehly e outros agentes.

Dessa forma, podemos assim concluir que o Sistema Internacional no nível militar passou por um rearranjo de forças. A partir do momento em que a soberania ucraniana foi violada pela guerra, levou o território ucraniano a sofrer alterações comparado ao que conhecíamos em um passado recente e fez com que outros países, começassem a contribuir com a continuidade do conflito (a partir de financiamento de equipamento militar para os ucranianos ou o apoio à adesão da Ucrânia a União Europeia ou à OTAN). Nesse sentido, é possível que esse rearranjo atinja também o Sistema Internacional no nível do futebol com as transferências e fim de oligopólios russos. O futebol internacional, com toda certeza, não será mais o mesmo.

Notas

[1] Devido ao estopim da guerra, a final da Champions League, que foi prevista para ser realizada na cidade russa de São Petesburgo, precisou ser realocada para ocorrer em Paris. Mais informações em: Uefa muda local, e final da Champions League será disputada em Paris – 25/02/2022 – UOL Esporte

[2] Para mais informações: -1787_Temporary-rules-addressing-the-exceptional-situation-deriving-from-the-war-in-Ukraine_EN.pdf (fifa.com)

Referências Bibliográficas

DIEHN, SONYA ANGELICA. Deutsche Welle. Em 100 dias, como a guerra na Ucrânia mudou o mundo. 2022. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/em-100-dias-como-a-guerra-na-ucr%C3%A2nia-mudou-o-mundo/a-62017591. Acesso em: 30 jul. 2022.

GLOBO ESPORTE. Brasileiros que podem deixar Rússia ou Ucrânia com medida da Fifa formam quase quatro times; veja lista. 2022. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2022/03/08/brasileiros-que-podem-deixar-russia-ou-ucrania-com-medida-da-fifa-formam-quase-quatro-times-veja-lista.ghtml. Acesso em: 01 ago. 2022.

FIFA. Temporary amendments to the Regulations on the Status and Transfer of Players (RSTP) addressing the exceptional situation deriving from the war in Ukraine. 2022. Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/6f2d58dc8abe261a/original/-1787_Temporary-rules-addressing-the-exceptional-situation-deriving-from-the-war-in-Ukraine_EN.pdf. Acesso em: 20 jun. 2022.

UOL. Uefa mudou local e final da Champions League será disputada em Paris… – Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/lancepress/2022/02/25/uefa-muda-local-e-final-da-champions-league-sera-disputada-em-paris.htm. Acesso em: 26 jun. 2022.

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Amanda Trovó

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, como bacharel. Desde 2020, participa do grupo de estudos Mundo Dentro e Fora das 4 linhas. Com interesse na área de ciência política, nas questões econômicas relacionadas ao esporte e ao soft power esportivo no sistema internacional.

Jonathan Ferreira

Graduando em Geografia na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP, campus de Rio Claro-SP, na modalidade bacharel. Possui graduação em Geografia (modalidade Licenciatura) pela mesma instituição. Atualmente é aluno de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Geografia da UNESP (Rio Claro), onde desenvolve sua dissertação sob o título "Clube de futebol como vitrine da acumulação financeira: o caso do Red Bull Bragantino". Durante a graduação realizou Iniciação Científica na área de geografia econômica, sob o título "Mercantilização do Futebol: o processo de difusão e financeirização da prática esportiva e as exportações de jogadores brasileiros". Tem interesse nas áreas de Geografia Econômica, questões econômicas do futebol e Geografia Política.

Leandro Luís Lino dos Santos

Bacharel e Licenciado em Geografia pela na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho - Câmpus de Rio Claro. Atualmente desenvolve pesquisa no nível de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) da mesma universidade. Desde 2019 investiga o futebol a partir de um prisma geográfico de interpretação, tendo desenvolvido a monografia sob esta relação. É componente do Grupo de Estudos: Mundo Dentro e Fora das 4 Linhas que, no ano de 2020 migrou suas reuniões para o modelo remoto, abarcando discentes de universidades como USP, UFMG, UFTM, e UNESP – Câmpus de Presidente Prudente, em suas reuniões. Na metade do ano de 2020, iniciou a atividade divulgador científico, por intermédio do perfil do grupo de estudos nas mídias sociais, com recente publicação no periódico Le Monde Diplomatique Brasil.

Como citar

TROVó, Amanda; FERREIRA, Jonathan; SANTOS, Leandro Luís Lino dos. A guerra da Ucrânia e o fluxo de jogadores de futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 158, n. 18, 2022.
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