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A história do Dérbi em quatro atos de Oswaldo Brandão

Poucos seres humanos conheceram tão bem a verdadeira essência de um “Parmera e Curintia” como Oswaldo Brandão. Treinador lendário, temido pelos maiores rivais paulistanos, o Mestre foi tão vitorioso dirigindo alvinegros quanto foi com alviverdes

Por mais de 30 anos, Oswaldo Brandão foi um dos principais treinadores do futebol brasileiro. Porém, o gaúcho, nascido em 18 de setembro de 1916, na cidade de Taquara, antes de ser consagrado como o Mestre Brandão, foi um modesto jogador que se aventurou no futebol paulista entre as décadas de 1930 e 1940.

Depois de uma passagem discreta entre 1937 e 1942 no Internacional, Oswaldo Brandão jogou pelo ainda Palestra Itália, até se aposentar em razão de uma lesão no joelho, em 1946. Como jogador palestrino, destaca-se o feito de ter participado da histórica campanha do Campeonato Paulista de 1942, conhecida como a Arrancada Heroica.

No ano seguinte à aposentadoria, iniciou sua carreira de treinador. Na verdade, em 1945, substituiu por alguns jogos o técnico demitido Armando Del Debbio, mas a partir de 47, não saiu mais dos bancos de reservas, até porque foi campeão estadual logo em 1948, e se eternizou como um grande treinador.

Apesar de extremamente vitorioso em quase todos os seus trabalhos, com passagens por Independiente da Argentina, Peñarol, São Paulo e até pela Seleção Brasileira, quando ajudou a classificar o Brasil à Copa do Mundo de 1958; Brandão é lembrado por sua carreira ligada ao Palmeiras e ao Corinthians.

Ninguém dirigiu por mais oportunidades o Palmeiras e como se não bastasse, nenhum ser humano esteve mais vezes no banco de reservas do Corinthians. Oswaldo Brandão é o técnico que mais dirigiu os arquirrivais com 580 jogos pelo time de Palestra Itália e 439 partidas pelo time do Parque São Jorge.

No Campeonato Paulista, a história de Palmeiras e Corinthians — ou se o caro leitor preferir Corinthians e Palmeiras — pode ser contada a partir de quatro atos de Oswaldo Brandão. Em dois embates diretos, a balança pesou o troféu para o lado em que Brandão estava e em outros dois jogos, o Mestre foi o condutor de importantes momentos de Alvinegros e Alviverdes.

Foto: Corinthians / Reprodução

1954 : A decisão do IV Centenário

Hoje, o ano de 1954 é distante e pouco se tem imagens daquela decisão, mas o Dérbi de 6 de fevereiro de 1955, disputado no Pacaembu, colocou em jogo um dos títulos mais importantes da história do clássico: o troféu do IV Centenário.

A partida valeu pela final do Campeonato Paulista de 1954 e aquele certame, para os paulistanos, ganhou a importância de ser justamente a comemoração futebolística pelo aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo.

Além do campo, havia um contexto especial pela data comemorativa: importantes obras públicas que se tornaram parte do cotidiano paulistano foram inauguradas em 54 como a Catedral da Sé, o Parque do Ibirapuera e o Monumento às Bandeiras. Nesse cenário, o clima era de festividade e, por isso, o time que vencesse o título do centenário poderia se orgulhar de uma conquista especial e única.

Todo corintiano sabe que as conquistas alvinegras são alcançadas muito mais pela raça do que pela técnica, mas o time dirigido por Oswaldo Brandão em 1954 era uma exceção à regra. Uma geração de craques do Parque São Jorge com Gylmar, Cláudio, Luizinho, Roberto e Baltazar.

Disputado por pontos corridos, o Paulista daquele ano se estendeu até 1955. No primeiro turno, o Palmeiras chegou a fazer 2 a 0, mas Luizinho empatou e Baltazar decidiu o placar em 3 a 2 para os alvinegros. Na penúltima rodada do segundo turno, em 6 de fevereiro de 55, o empate bastaria para o Corinthians garantir o título e foi assim que aconteceu.

Um improvável gol de cabeça de Luizinho, que fazia jus ao diminutivo no nome pela baixa estatura, e o gol solitário de Nei, deram números finais ao confronto que terminou em 1 a 1 com o Corinthians de Oswaldo Brandão campeão do IV Centenário e com a glória garantida pelos próximos 100 anos.

1959 : O Supercampeonato Paulista

Depois de perder a decisão de 1954 para o arquirrival, o Palmeiras teve Oswaldo Brandão de volta para o Campeonato Paulista de 1959, após uma passagem do treinador pela Seleção Brasileira.

Naquele ano, o maior adversário em campo não foi o Corinthians, mas sim o Santos que tinha um craque chamado Pelé. Santos e Palmeiras tinham elencos que estão entre os melhores times das histórias dos clubes.

Pelo lado alvinegro, Zito, Pepe, Dorval, Jair da Rosa Pinto e Pagão eram alguns dos craques sob comando de Lula e com a companhia majestosa de Pelé. No Palmeiras, Valdir de Moraes, Djalma Santos, Valdemar Carabina, Chinesinho, Julinho Botelho e Romeiro eram os destaques do time de Brandão.

Ao final dos dois turnos do campeonato, Palmeiras e Santos ficaram empatados em 63 pontos. O regulamento exigia uma série melhor de três para o desempate, mas como os estaduais eram disputados no segundo semestre, a decisão ficou para o início do próximo ano.

Em janeiro de 1960, entre os dias 5 e 10, em três partidas disputadas no Pacaembu, Santos e Palmeiras decidiram o Supercampeonato Paulista, que ganhou esse nome pela qualidade técnica das duas equipes e também porque foi preciso o desempate, algo que atraiu a atenção dos torcedores.

Nos dois primeiros confrontos, a igualdade permaneceu no placar com dois inimagináveis empates, 1 a1 no primeiro jogo e 2 a 2 na segunda partida. Os empates favoreceram o suspense e a expectativa que tomaram conta da cidade, até quem nem era palmeirense ou santista queria saber quem seria o supercampeão.

A derradeira partida aconteceu em 10 de janeiro de 1960 diante de um Pacaembu abarrotado. Pelé anotou o gol santista que abriu o placar e Julinho Botelho empatou. Quis o destino que o supercampeonato fosse decidido com um gol de falta de Romeiro: 2 a 1 para os palmeirenses e dessa vez, Brandão garantiu o fim do jejum de títulos do Palmeiras, que durava desde 1951.

1974 :  ”Zum, zum, zum é 21”

Talvez a maior vitória de Oswaldo Brandão pelo Palmeiras tenha acontecido em 22 de dezembro de 1974. Se a conquista do Campeonato Paulista de 74 não foi a maior de Brandão no comando alviverde, com certeza foi a mais improvável.

Não pelo time que era tão bom, ou em nomes, até melhor que o Corinthians, afinal, era um resquício da Segunda Academia. O Palmeiras tinha Leão, Luís Pereira, Alfredo Mostarda, César Maluco, Leivinha e Ademir da Guia.

O Corinthians, porém, não ficava atrás e tinha jogadores como Zé Maria, Brito, Wladimir e Rivelino e além de qualquer atleta, o time de Parque São Jorge tinha um motivador e tanto, a incômoda fila de 20 anos sem vencer nada.

A curiosidade é que a última conquista corintiana havia sido justamente o Campeonato Paulista de 1954, ocasião em que o clube foi dirigido por Oswaldo Brandão. No primeiro jogo, no Pacaembu, um empate por 1 a 1 dava amplas condições para o corintiano acreditar que enfim a fila terminaria no domingo contra o maior rival.

No dia da finalíssima, mais de 120 mil torcedores compareceram ao estádio do Morumbi. A proporção não era nem de longe de igualdade entre as torcidas, mas de cinco corintianos para cada palmeirense.

Pouco antes do final do ano, César Maluco deixou o Palmeiras rumo ao Flamengo e Oswaldo Brandão colocou em prática uma de suas mais marcantes características: a capacidade de motivar todos os seus jogadores.

Ronaldo era o substituto imediato de César. Apesar de já ter sido campeão brasileiro pelo Atlético Mineiro, a responsabilidade de substituir o maior goleador da história palmeirense poderia pesar. Para completar, no primeiro jogo Ronaldo sofreu uma entrada dura de Zé Maria e virou dúvida para a decisão.

O Mestre Brandão tratou de passar confiança ao jogador e sobre a lesão, em uma entrevista ao Globo Esporte em 2014, Ronaldo contou o método nada ortodoxo usado pelo treinador para deixa-lo em condições de jogo:

“…Na sexta eu não treinei, fiquei fazendo tratamento no clube. Chegou o sábado e não tinha a mínima chance de jogar no domingo. Aí o Brandão me chamou e disse: “Mineiro, vamos para o jogo”. E eu respondi que não tinha como, mas ele disse que ia dar um jeito.

O Brandão quebrou todos os tabus da medicina (risos). Eu estava com o Eurico no quarto e ele foi lá com o massagista. Disse que não era para falar nada para os médicos. Lembro que eu ia ficar bom somente em dez dias pela previsão dos médicos. O Brandão entrou no quarto, eu estava deitado na cama. Ele pegou uma garrafa de água mineral, o massagista jogou na minha perna e o Brandão começou a espremer. Um segurava, porque doía muito, e o outro fazia massagem como se tivesse mexendo em massa de pastel. Lembro que no sábado fiquei desde depois do jantar até quase meia-noite fazendo isso. Eu acordei zerado no domingo”.

No domingo, ao acordar “zerado” pelas mãos de Oswaldo Brandão, o azar foi do Corinthians, pois foi Ronaldo o responsável por anotar o gol da vitória palmeirense – dizem que o gol mais importante de um Ronaldo na história do Dérbi. O gol que deixou o Alvinegro mais um ano na fila, calou os 100 mil corintianos no Morumbi e desatou o coro da minoria palmeirense de “zum, zum, zum é 21” em referência aos 21 anos sem títulos do arquirrival.

1977: O fim da fila corintiana

O inverno corintiano durou 22 anos, oito meses e sete dias. Foi esse o tempo sem títulos desde a última conquista na vitória sobre o Palmeiras, em 6 de fevereiro de 1955 até o triunfo sobre a Ponte Preta, em 13 de outubro de 1977. E o ponto que liga esses dois momentos atende pelo nome de Oswaldo Brandão, treinador corintiano nas duas ocasiões.

Em 1977, Brandão já era um consagrado treinador com títulos por quase todos os lugares onde passou. Porém, voltar ao Corinthians tinha um peso descomunal, mesmo para o homem responsável pela última conquista alvinegra.

Após mais de duas décadas sem troféus, o ambiente corintiano se transformou numa máquina de moer ídolos. A derrota de 74 fez ninguém menos do que Rivelino, o Reizinho do Parque São Jorge ser escorraçado do clube.

Brandão sabia que era o título ou a morte de sua reputação, ao menos para os corintianos. Mesmo assim aceitou substituir o demitido Duque, que saiu após 13 partidas no estadual. Restando 34 jogos, Brandão começou seu trabalho em busca do fim do jejum.

Sobram histórias sobre o título corintiano de 77, fato é que Oswaldo Brandão inovou na preparação do elenco com o auxílio do preparador físico José Teixeira. Juntos decidiram que não contratariam nenhum atleta e trabalhariam para dar confiança aos 27 jogadores que estavam no clube.

O projeto deu certo e em 34 jogos sob comando de Brandão, o Corinthians conquistou 24 vitórias, 2 empates e 8 derrotas. Na decisão, uma melhor de três apontaria o campeão e após vencer o primeiro jogo por 1 a 0 contra a Ponte Preta, um empate daria o título ao Corinthians na segunda partida pela vantagem na fase classificatória.

Ainda hoje o recorde de púbico do Morumbi é da segunda partida da decisão do Campeonato Paulista de 1977: 146.086 pagantes para ver o fim da fila. Nada feito, Dicá e Rui Rei fizeram os gols da vitória pontepretana por 2 a 1 e adiaram o título alvinegro.

O dia 13 de outubro tinha apenas dois encerramentos possíveis: mais um ano de jejum ou o fim da fila. O gol chorado de Basílio, apenas aos 36 minutos do segundo tempo, acabou com todo o sofrimento e libertou para sempre o corintiano.

Oswaldo Brandão recolocou o Corinthians entre os campeões, porém, o que entrou para o folclore do esporte foi a “previsão” de Brandão sobre o gol de Basílio. O treinador teria dito para o jogador “com essa perna direita você vai fazer o gol do título”.

Não há dúvidas que história do Dérbi passa por Oswaldo Brandão, o Mestre foi um grande treinador de seu tempo. Folclórico, inovador, um profundo conhecedor do futebol, mas para Palmeiras e Corinthians o Mestre foi fundamental para as centenárias histórias dos clubes e para o fortalecimento da rivalidade da qual parecia blindado por sua competência.

Oswaldo Brandão para além do Dérbi

A trajetória de Oswaldo Brandão no futebol vai além do histórico do clássico paulista. O jornalista Maurício Noriega lançou em 2014, pela editora Contexto, o livro “Oswaldo Brandão: libertador corintiano, herói palmeirense“.


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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. A história do Dérbi em quatro atos de Oswaldo Brandão. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 52, 2020.
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