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Jogos Olímpicos e futebol feminino

As Olimpíadas de Tóquio 2020 já se encerraram, no entanto, para o futebol, toda hora é hora de fazer história.

O esporte bretão foi a segunda modalidade coletiva a ser incluída nos Jogos, desde 1908, isto é, até hoje, a bola já rolou em 26 edições. No entanto, na grande maioria das edições, apenas com a participação masculina.

Antes de abordar a eliminação precoce da Seleção Brasileira feminina nos Jogos Olímpicos de Tóquio, você vai conhecer todas as passagens do futebol feminino nas Olimpíadas.

Como se comenta há tempos, e também se sabe que é real, não é de hoje de que o futebol feminino é desvalorizado. Tratando-se de Jogos Olímpicos, essa realidade só ganhou rumos de mudanças a partir de 1996, quando o torneio feminino passou a ser organizado. Ao todo, seis edições foram realizadas e uma hegemonia surgiu: as americanas, donas de quatro medalhas de ouro – três foram conquistadas de modo seguido.

Enquanto a realidade europeia exibe tanto títulos olímpicos como de Copas, a situação do Brasil destoa e amargura colocações não tão boas. Em 96 e em 2000, a Seleção Brasileira havia alcançado o quarto lugar dos Jogos, depois de serem eliminadas da disputa pelo bronze pela Noruega e pela Alemanha, respectivamente. Naquela época, as jogadoras brasileiras eram rotuladas como ‘semiamadoras’ e conviviam com o assombro do não reconhecimento do futebol feminino.

Ao longo da história da competição olímpica, o Brasil só conquistou duas pratas, em 2004 e em 2008, quando foram batidas pela seleção estadunidense nas duas ocasiões. Essas, certamente, foram as melhores campanhas das brasileiras na competição.    

Atenas 2004

Brasil futebol feminino
Brasil em 2004. Foto: Reprodução/CBF

Sob o comando de Renê Simões, em 2004, as brasileiras venceram dois jogos e perderam um – justamente contra os Estados Unidos – na fase de grupos. Nas quartas de final, bateram o México por 5 a 0 e na semi, sonharam com o título olímpico, após vencer a Suécia por 1 a 0. Na final, as americanas venceram por 2 a 1 e ergueram a segunda medalha de ouro da história estadunidense.

Porém, mesmo com a derrota, o Brasil ainda saiu muito vitorioso. Em campo, a seleção apresentou um futebol habilidoso, domínio de bola bonito, e apesar de não ter sido o suficiente para frear o favoritismo das adversárias, fez muita gente voltar sua atenção ao futebol feminino. Àquela altura, o time masculino sequer havia tido chances naquela edição, pois fora eliminado ainda no pré-olímpico.

Pequim 2008

Quatro anos depois, quis o destino que o script anterior se repetisse, com boa campanha na fase de grupos (duas vitórias e um empate), uma vitória nas quartas diante da Noruega, um resultado positivo na semifinal depois de vencer por 4 a 1 a Alemanha, ou seja, tudo conspirou a favor do Brasil e fez a equipe ir novamente à final das Olimpíadas pela segunda vez consecutiva. Porém, as coincidências com o roteiro de quatro anos antes não pararam por aí: naquela final, em Pequim, as adversárias eram novamente as americanas.

Os únicos detalhes diferentes daquela decisão foram: o favoritismo dos Jogos, que naquele momento, pintou-se de amarelo e verde, e o técnico da equipe, Jorge Barcellos. Após anos construindo e organizando suas estruturas e seu elenco, a Seleção Brasileira feminina enfim havia ganhado confiança e também conquistado a do torcedor. No entanto, como frisado, o destino não quis que a medalha saísse dos domínios estadunidenses. Novamente em um jogo que o Brasil dominou, porém não atacou o suficiente, a seleção dos Estados Unidos venceu por 1 a 0 e se sagrou campeã.

Brasil e Alemanha
Brasil e Alemanha, 2008. Foto: Reprodução/CBF

Os ciclos de Londres e do Rio

A expressão “jogaram um balde de água fria!” ainda não traduz, nem de longe, o sentimento de frustração depois daquela derrota. Em duas edições seguidas, as brasileiras fizeram bonito, mas não saíram do quase. A esperança ficara para Londres 2012.

Entretanto, o sonho foi adiado por mais tempo, isso porque na capital da Inglaterra, apesar das três vitórias na fase de grupos, o Brasil foi eliminado pelo Japão ainda nas quartas de final. Foi a pior campanha da seleção feminina em Jogos Olímpicos.

Nas Olimpíadas do Rio 2016, mais uma vez a chance do ouro escorreu entre os dedos, quando a seleção foi eliminada pela Suécia nos pênaltis, na semifinal. Na disputa do terceiro lugar, as brasileiras foram superadas pela seleção do Canadá.

Futebol feminino
Time brasileiro de 2012. Foto: Reprodução/CBF

 

Em Tóquio, organização, decepção e a esperança de dias melhores

Nos Jogos de Tóquio 2020, as escolhas da técnica Pia Sundhage não renderam o tão sonhado ouro e o time brasileiro deu adeus às Olimpíadas ainda nas quartas de final, depois de empatar em 0 a 0, no tempo normal, com a seleção canadense, e perder por 4 a 3 nos pênaltis. Apesar disso, o trabalho da técnica rendeu melhorias para o Brasil, dentro de campo, viu-se um time organizado, confiante e que buscava jogo. Fora dos gramados, a gestão de Pia apresentou uma estrutura diferente das outras, com mais mulheres na comissão técnica e discursos de igualdade.

Nomes como Formiga – que esteve presente em todas as edições da competição –, Marta e Andressa não foram suficientes na disputa pela medalha. Cristiane, segunda maior artilheira da história da seleção, ficou de fora dos Jogos.

Futebol femininoMesmo sem medalha na terceira edição olímpica seguida, o futebol feminino brasileiro apresenta melhoras. Foto: Reprodução/CBF

Porém, o futebol feminino do Brasil não para por aí. A cada dia, uma maratona contra a desigualdade, o preconceito, a violência, além dos estereótipos, é vencida. As medalhas simbólicas do dia a dia são conquistas tão relevantes quanto uma medalha olímpica. Apesar daquele resultado negativo, a evolução do futebol brasileiro é aparente, e não se pode deixar de acreditar, apoiar, revelar.

Dentre todas as edições dos Jogos, ao longo dos anos, notou-se que a visibilidade do futebol feminino cresceu consideravelmente. Graças às falas de grandes jogadoras influentes, o mundo deu atenção às causas políticas e sociais que atingiram diretamente esse esporte. Desde a realização da última Copa do Mundo Feminina, em 2019, na França, os discursos de reconhecimento e luta se intensificaram ainda mais e evidenciaram que o futebol feminino é inferiorizado somente por questões de gênero, e não por habilidade técnica.

O futebol feminino não é um ‘clichê encenado por mulheres’, como muitos descrevem, é sinônimo de resistência. Principalmente no Brasil, o cenário dessa modalidade não é visto com bons olhos e é essa ótica que deve ser mudada. Dignas de torcida, as jogadoras de futebol não querem ser notadas apenas quando o time masculino vai mal, ainda menos sofrer comparações com esse. Elas querem, devem e vão ser notadas simplesmente por serem capazes de alçarem seus voos cada vez mais altos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lúcia Oliveira

Amante da comunicação, da escrita, da fotografia, do futebol, da literatura, do jornalismo, entre outras coisas. Escrevo para eternizar e vivo para escrever.

Como citar

OLIVEIRA, Lúcia. Jogos Olímpicos e futebol feminino. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 55, 2021.
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