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A implantação das escolas militares no Brasil: um fait accompli e seus efeitos

Dialogando…

Este pequeno texto, tem por objetivo refletir alguns dos pressupostos que envolvem implantação das escolas militares no Brasil através da ótica das brilhantes obras Entre o Passado e o Futuro de Hannah Arendt (2016) e A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo de Max Weber (2004).

Iniciemos essa conversa com a seguinte afirmação: “[…] a educação tornou-se um instrumento da política, e a própria atividade política foi concebida como uma forma de educação” (ARENDT, 2016 p. 133). Deste modo, a educação sempre esteve nas mãos do interesse político, de maneira que seus esforços ao longo de toda história foram o de moldar o futuro a imagem de seus ideais, começando desde a infância, afinal “O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, a partir dos tempos antigos, mostra o quanto parece natural iniciar um novo mundo com aqueles que são por nascimento e por natureza novos” (ARENDT, 2016 p. 133). Com efeito, em toda tentativa de se implantar o novo, exige-se da educação que molde as crianças a imagem do pensamento vigente e para que esse propósito se mostre eficaz, a educação se apresenta como algo imposto da autoridade do adulto para com a criança, fato este também descrito por Arendt (2016) a qual aponta que o político:

[..] ao invés de juntar-se aos seus iguais, assumindo o esforço de persuasão e correndo o risco do fracasso, há a intervenção ditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto, e a tentativa de produzir o novo como um fait accompli, isto é, como se o novo já existisse. Por esse motivo na Europa, a crença de que se deve começar das crianças se se quer produzir novas condições permaneceu sendo principalmente o monopólio dos movimentos revolucionários de feitio tirânico que, ao chegarem ao poder, subtraem as crianças a seus pais e simplesmente as doutrinam. (P. 133)

Desta maneira, o uso do autoritarismo dentro da educação, constitui-se como um dos seus maiores problemas igualado apenas ao tradicionalismo, fatores esses, que impedem um produto genuinamente novo da educação pois:

O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição. (ARENDT, 2016 p. 145)

E é com intuito de que por meio da autoridade militar as crianças adquiram disciplina, moral e ética para assumirem uma posição digna na sociedade, honrada e ciente de seus deveres como cidadão, que cada vez mais as Escolas Militares vêm sendo implantadas no território nacional, isso para que seja gestada uma geração que se submeta por vocação aos desígnios do pensamento vigente, como se por virtude.

Afinal,

O capitalismo não pode empregar como operários os representantes práticos de um liberum arbitrium indisciplinado, do mesmo modo que também não lhe pode servir, se é que aprendemos alguma coisa com Franklin, aquele homem de negócios cujo comportamento externo for simplesmente sem escrúpulos. (WEBER, 2004 p.43)

Colégio Militar
Alunos do Colégio Militar de Manaus. Fonte: André Gravatá/Flickr

Sendo assim, para que o capitalismo prospere, é de fundamental importância que seu proletariado seja treinado a obediência e possuído de valores e princípios que o façam ver no trabalho uma vocação, sendo que para isso seja podado ao máximo a liberdade de escolha e pensamento, sejam-lhes retirados o liberum arbitrium, e nada mais eficiente para tal, que uma escola que se baseie na disciplina militar.

Igualmente verdadeira é a afirmação de que aqueles que encabeçam as lideranças desse sistema não sejam exatamente honrados como as filosofias que pregam, mas ao menos aparentem ser, como apontado por Weber (2004). Fato esse, não muito ausente no solo brasileiro.

Deste modo, para que a sociedade seja disciplinada a fazer sempre o máximo e não apenas o suficiente, é que se é necessária uma educação que prese pela construção de valores morais, mesmo que para isso utilize-se de valores amorais como a disciplina através do autoritarismo, pondo garganta abaixo a submissão como vocação, nesta realidade já consumada na maioria dos estados brasileiros. Isso porque, na mentalidade da classe dominante política e economicamente esse “jeitinho brasileiro” de querer fazer somente o suficiente para viver é tido como preguiça e mau costume e potencialmente leva a juventude a criminalidade e, portanto, deve-se ser combatido com uma educação que vai além da formação intelectual.

Pois aqui não se faz indispensável simplesmente um elevado senso de responsabilidade, mas também uma disposição que ao menos o trabalho esteja livre da eterna questão de como, com um máximo de comodidade e um mínimo de esforço, ganhar o salário de costume; e mais, uma disposição de executar o trabalho como se fosse um fim absoluto em si mesmo — como “vocação”. Mas tal disposição não está dada na natureza. E tampouco pode ser suscitada diretamente, seja por salários altos seja por salários baixos, só podendo ser o produto de um longo processo educativo. (WEBER, 2004 p.47-48)

Fazendo da educação moral e cívica nas escolas militares um dos mais importantes instrumentos para atender aos ideais da elite política vigente pois assim como aponta Weber (2004): “A situação de interesses político-comerciais e político-sociais costuma então determinar a “visão de mundo. [Aquele que em sua conduta de vida não se adapta às condições do sucesso capitalista, ou afunda ou não sobe.]” (p. 56), marginalizando aqueles que simplesmente não respondem as suas expectativas e fazendo da nação uma grande engrenagem que mantem a indústria do poder funcionando. A final. “Do gado se faz sebo; das pessoas, dinheiro” (WEBER, 2004 p.38).

Referencias

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo Perspectiva, 2016.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. Ed. Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras,

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Wagner Alexandre Queiroz de Azerdo

Licenciado e Educação Física pela Universidade do Estado de Mato Grosso  (Unemat). Prós graduado em Educação Física na Escola pela Universidade Pitágoras Unopar. Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGE/UFMT) com focos de pesquisa em Jogos e brincadeiras como proposta de Ensino em Educação Física; Educação e Ludicidade; Formação de Professores.Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Corporeidade e Ludicidade (GEPECOL)

Como citar

AZEREDO, Wagner Alexandre Queiroz de; GOMES, Cleomar Ferreira. A implantação das escolas militares no Brasil: um fait accompli e seus efeitos. Ludopédio, São Paulo, v. 161, n. 19, 2022.
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