65.3

A industrialização francesa e os efeitos no futebol do país

Para quem olha pela primeira vez e compara com outros países da Europa, o mapa do futebol francês pode parecer estranho. Quando se pensa na concentração de equipes e títulos nas grandes capitais, ver o PSG como o único time de Paris na primeira divisão, tendo vencido apenas 4 vezes o título nacional, sendo que os últimos dois depois da chegada dos petrodólares, não combina com outros países europeus. Pode-se argumentar que Manchester e Liverpool não são as capitais da Inglaterra, mas possuem grandes times e concentram um grande número de títulos do campeonato inglês, mas então como explicar que Saint-Étienne é o clube que mais vezes ganhou o campeonato francês? A resposta passa um pouco pelo exemplo dado anteriormente, pois Manchester e Liverpool são duas cidades com alto nível de industrialização e concentração urbana.

A geografia do futebol francês reflete o processo de industrialização do país. Na França, não houve grandes cidades industriais como havia em meados do século XIX na Inglaterra. Assim, assistir, viver e falar sobre o futebol não era algo tão comum e um passatempo obrigatório passado por gerações. A industrialização foi pontual na região de Lille; Nordeste (Strasbourg, Alsácia…); centro e sudeste (St-Étienne, Lyon e região); ao redor de Marselha; e região de Paris. Foi um processo mais gradual, ao invés de mudar a balança de poder tão rapidamente entre campo e cidade. Nos anos 30, um terço da população ativa ainda estava empregada no setor primário, e o êxodo rural só foi acontecer com mais intensidade no pós-guerra, e só foi acompanhado de um crescimento econômico nos anos 70. Em relação a sua organização, ao invés de grandes concertações industriais, o modelo francês se baseava em “cidades-indústria”, muitas de organizações familiar, em que uma indústria dominava a mão-de-obra de uma pequena ou média cidade.

Principais clubes de futebol da França. Clique na imagem para ampliar.

Esse modelo de industrialização criou uma forte ligação entre os clubes e as indústrias, e não por acaso aqueles que tiveram maior sucesso foram os com ligação direta a elas. O profissionalismo dos jogadores não era muito avançado, de modo que muitos jogadores estavam ligados às empresas para poder jogar. Além disso, fragmentação do futebol francês em pequenas cidades impediu que grandes massas de torcedores estivessem em torno de um clube. Os clubes mais populares estavam ligados (em seus nomes ou estádios) a essas indústrias, por exemplo, o Sochaux tem fortes ligações a montadora Peugeot e o St-Étienne ao grupo de varejo Casino.

Os clubes e jogadores de mais sucesso eram de cidades com menos de 50 mil habitantes, o que pode ajudar a explicar um pouco da falta de popularidade nacional do futebol frente a outras modalidades como o rugby e o tênis. Os primeiros clubes a atrair mais de 10 mil pessoas em jogos da Liga foram Olympique de Marselha, Racing Club de Paris, Racing Club de Strasbourg e Olympique Lillois – das grandes concentrações urbanas e industriais. Baseando-se em pequenas cidades industriais, e apoiado pela municipalidade, cada cidade tinha um time, não criando assim rivalidades através de dérbis, os clássicos municipais, que muito contribuem para aumentar o apoio do torcedor. Os estádios na França eram pequenos comparados a outros países europeus, só por ocasião das olimpíadas de 1924 que se construiu, em Paris, um estádio com capacidade de 50 mil pessoas, enquanto em Wembley já cabiam 100 mil espectadores.

A guerra também não ajudou muito. Mesmo que lentos, os progressos foram interrompidos com a dominação alemã durante a guerra, e todo o sistema teve que se reorganizar durante o pós-guerra. A partir de 1945, o período dos 30 gloriosos anos, serviu para França alcançar outras potências no desenvolvimento econômico. Só em meados dos anos 70 que a Economia começou a mudar, estando mais centrada nos serviços que na indústria, e com isso também mudou o perfil das pessoas que migravam para os grandes centros urbanos, até os anos 70, grande parte da população que migrava para Paris matinha a sua filiação com a sua origem (e seu departamento), e dessa forma mantendo a ligação com o time local.

No período entre guerras, e até brevemente pós-2ª guerra existiam clubes em Paris com sucesso de público e esportivo, como o Olympique Pantim, Red Star e o Racing Club. Com o tempo foi se tornando mais difícil mantê-los nas divisões de elite, principalmente sem a grande ajuda do poder municipal, que contribuía para o sucesso de outros times, uma vez que Paris só foi ter a sua prefeitura municipal em 1977. Mas a mudança social e da própria organização do futebol, que aos poucos estava mais baseada na publicidade e na venda de direitos televisivos, não passou desapercebida aos fundadores do Paris Saint-Germain, que foi criado com o intuito de ser uma potência no cenário Francês.

Apesar de alguns altos e baixos nesse caminho, a chegada dos sheiks a Paris aparenta ter consolidado o PSG como potência esportiva e ter dado sustentabilidade ao projeto do clube e sua ligação com a cidade. Com a perda da importância das indústrias, as cidades usam o esporte como forma de atrair atenção e tentar desenvolver os locais. Antes, o apoio da municipalidade (ajuda financeira e uso do estádio) servia mais como forma de estabilizar as contas do que como grande vantagem financeira – além disso, os prefeitos achavam que podiam interferir muito no clube. Com a nova organização do futebol, a partir de meados dos anos 80, novos dirigentes apareceram, e os clubes passaram a ser usados como forma de divulgar as cidades mais amplamente.

Do lado esquerdo, o escudo que foi usado a partir de 2002 e o novo emblema, no lado direito.

Para Manuel Castells, com a globalização, ao invés de perderem importância, as grandes cidades se tornam “hubs” (pontos de encontro e grande fluxo de uma rede) vitais da economia global. Com um peso cada vez maior da imagem na construção da marca, o sucesso de um empreendimento está associado a elementos simbólicos e um futebol moderno, globalizado e espetacularizado, que está muito em função da televisão, isso não poderia ser diferente. Ao investir no PSG, uma das justificativas dadas era a noção de que uma grande capital europeia precisava de um grande time e não foi por acaso a contratação de David Beckham para o PSG, o seu papel era muito mais comercial do que esportivo. Da mesma forma, tem uma função estratégica a loja do PSG localizada no Champs-Elysées, um dos pontos de maior prestígio e fluxo de turistas da cidade de Paris, bem como a mudança do emblema da equipe, que deu mais destaque a ligação com Paris. A História avança, mudam a Geografia e a Economia de um país e o futebol vai junto.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Fernando Borges

Formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFRJ, mestre em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra e doutorando em Comunicação na Universidade Pantheon-Assas, em Paris, fez do esporte – principalmente o futebol – parte importante da sua trajetória profssional, porque acredita que é preciso gostar do que se faz.

Como citar

BORGES, Fernando. A industrialização francesa e os efeitos no futebol do país. Ludopédio, São Paulo, v. 65, n. 3, 2014.
Leia também:
  • 98.27

    Futebol Feminino em crescimento na França

    Fernando Borges
  • 97.17

    Futebol e Migração entre Portugal e França

    Fernando Borges
  • 90.14

    Futebol numa tarde de domingo: uma breve história do Futebol em Portugal

    Fernando Borges