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A juventude da Copinha

Marco Lourenço 27 de janeiro de 2014

No aniversário da capital paulista, o clube mais popular da cidade teve um dia para esquecer. O Corinthians disputou três partidas em categorias diferentes. Logo pela manhã, o Pacaembu lotado recebia a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior, disputada entre Santos e Corinthians. 2 a 1 para o time praiano, bicampeão da Copinha, com time que era considerado favorito.

Mais tarde, às 19h, o time profissional teria ainda sua primeira derrota no ano no comando de Menezes, 0 a 1 contra o São Bernardo. No mesmo horário, o time sub-17 seria derrotado nos pênaltis pelo Internacional-RS, na decisão da 26ª Copa Santiago.

O clube de Parque São Jorge é o primeiro campeão da história de 45 edições da Copa São Paulo. Criada em 1969, o primeiro torneio contou com apenas quatro clubes da cidade (Corinthians, Palmeiras, Juventus e Nacional), e tornou-se apenas nacional em 1971, contando com 16 equipes e teve uma final carioca (Fluminense e Botafogo), com vitória do time da estrela solitária.

Equipe do Audax que disputou a Copa São Paulo. Foto: Rodrigo Alves | GO Audax.

O início do torneio recebia pouco destaque pela imprensa, que cobria esporadicamente as categorias amadoras. Rasteiramente, é possível situar a criação desta competição num contexto bastante específico em um período muito anterior à proliferação de dezenas de competições regionais, nacionais e internacionais de categorias de base de clubes e seleções.

Os fins da década de 1960 foram marcados por uma agitação estudantil sem precedentes incomparáveis, em sua forma e discurso, e por um frenesi de uma geração que ostentou sua própria juventude. Esse fenômeno atingiu diversos países do planeta, atravessando inclusive a cortina de ferro, resultando em diversos enfrentamentos com os aparatos de segurança governamentais – leia-se repressão.

Essas manifestações se desenvolveram em atividades e organizações civis e políticas, em diversos ramos da vida social e cultural do mundo. No Brasil se proliferaram canções de autoestima juvenil (Jovem Guarda), protesto e subversão, seja pelas letras (De Chico Buarque a Elis Regina) ou pelas estéticas (de Ceatano Veloso aos Novos Baianos). No cinema, temos Glauber Rocha que produziu com o improviso e a linguagem própria da juventude de sua época o que foi chamado de Cinema Novo – uma negação direta à produção sofisticada da Companhia Vera Cruz e ao mesmo tempo uma reafirmação da força do novo, do jovem.

Na vida política, após a criação do AI-5 (Ato Institucional nº 5), dezenas de organizações de resistência armada foram articuladas em reação ao fortalecimento da repressão e da censura. Não distante disso surgem as torcidas jovens. Com a energia e confiança de uma juventude incomodada com o lugar que ela ocupa no país, diversos grupos de jovens fundam as grandes torcidas organizadas que conhecemos hoje.

No Rio de Janeiro nascem as torcidas jovens do Fluminense, Vasco, Botafogo e Flamengo. Este movimento se estende por outros centros futebolísticos do país, alguns mais outros menos associados com questões políticas do seus clubes respectivos. Entretanto, este viés político acaba tomando uma proporção mais ampla, quando muitas organizadas passaram a se manifestar nas arquibancadas em protesto contra o regime militar brasileiro, anos mais tarde.

É razoável, portanto, relacionar o estabelecimento de uma competição juvenil em franco crescimento num período de protagonismo de uma geração de jovens em diversas esferas da vida cultural do país.

Promover um espaço de incorporação destes jovens, com as fardas de seus clubes de coração e as promessas de consagração, agradou aos clubes e coerentemente manteve um sentido de controle da pressão e energia contida nestes jovens.

Torcida Jovem do Santos FC. Foto:Tek/GRCES.
Gaviões da Fiel. Foto: Rodrigo Gianesi.

Após mais de 40 anos quase ininterruptos, a Copinha é o torneio juvenil de clubes mais importante do país, um dos poucos transmitidos por TV aberta e com ampla cobertura da TV a Cabo, e é capaz trazer mais de 30 mil pessoas para uma decisão.

Não. As jornadas de junho de 2013 não são uma pulsão de juventude equiparável ao cenário de 1960 descrito acima. Senão, neste sábado, teríamos visto um outro jogo, uma outra arquibancada no Pacaembu. Sim, é verdade que a Rede Globo transmitiu a Copinha (sub-19) ao invés da final do principal torneio de vôlei do país – o que gerou grande revolta dos membros da modalidade.

É possível elucubrar, mesmo num momento oportuno de manifestações e discussões políticas que o país vive, que isso atesta – além da falta de incentivo poliesportivo – o distanciamento da militância política das duas torcidas jovens mais antigas de São Paulo (Corinthians e Santos) e o clubismo como agente da separação clara das críticas ao futebol de seleção e de clube. Esta juventude, senão conhece, talvez não entenda o que aconteceu no país há 50 anos atrás.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. A juventude da Copinha. Ludopédio, São Paulo, v. 55, n. 7, 2014.
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