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A maldição de Béla Guttmann

O arquiteto do time mais vencedor da história benfiquista lançou uma maldição sobre o time de Lisboa que parece longe de acabar. O início dos anos 1960 levou uma nova força ao topo do futebol europeu. O Sport Lisboa e Benfica foi bicampeão continental em 1961 e 1962 comandado no gramado por ninguém menos que Eusébio.

Porém, à beira do campo, a cabeça pensante e projetista daquele timaço respondia pelo nome de Béla Guttmann, um húngaro com fama de durão e aventureiro. O feiticeiro húngaro, como era chamado pela imprensa portuguesa, teve passagens pelo futebol holandês, italiano, uruguaio e brasileiro antes de treinar o Benfica.

Béla Guttmann no ano de 1966. Foto: Wikipedia.

No Brasil, Béla Guttmann treinou o São Paulo, em 1957 e conquistou o título do Campeonato Paulista de forma invicta fazendo ressurgir o futebol de Zizinho, então um veterano de 35 anos.

Logo após conquistar o bicampeonato europeu, ao derrotar na final o Real Madrid de Púskas e Di Stefano por 5 a 3, Béla Guttmann sentiu que era possível pedir um aumento salarial à diretoria dos Encarnados.

Mesmo com os ótimos serviços prestados, a diretoria benfiquista não julgou justo um aumento para o treinador que estava em final de contrato e arrastou a negociação com o húngaro que decidiu deixar o Benfica ao final da temporada. Antes de deixar o clube lisboeta, porém, chateado com a condução da negociação, de acordo com relatos da época, Béla Guttmann lançou uma praga sobre o clube:

“Sem mim, nem em cem anos o Benfica conquistará uma taça continental.”

No início ninguém considerou risco nas palavras do treinador, mas logo em 1963, o Benfica chegou a sua terceira decisão consecutiva de Champions League. O adversário foi o Milan e os italianos conquistaram o título após vencerem de virada por 2 a 1.

Com a geração mais talentosa que já vestiu a camisa encarnada, o Benfica ainda chegou a mais duas finais continentais nos anos 1960. Porém, a maldição Béla Guttmann falou alto dando os títulos de 1965 e 1968 a Internazionale de Milão e Manchester United, respectivamente.

É bom lembrar das palavras de Guttmann quando disse “taça continental”. Na Copa UEFA a maldição também atacou e, em 1983, o carrasco na decisão foi o belga Anderlecht. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o Benfica conseguiu montar um time que chegou às finais continentais da principal competição europeia novamente.

Em 1988, contra o PSV Eindhoven, a mais dramática derrota da maldição até então. Depois de empatar sem gols, os portugueses foram derrotados nos pênaltis. Nos anos 1960, os fracassos podem ter alegrado o coração de Béla Guttmann, mas as derrotas dos anos 1980 aconteceram depois de o treinador ter morrido.

Por essas coincidências que só a vida é capaz de explicar, em 1990, o Benfica chegou novamente a uma final de Champions League e mais uma vez com o Milan como adversário. A partida seria disputada em Viena, onde está enterrado o corpo do treinador.

Assim que a classificação à final foi confirmada, Eusébio não pensou duas vezes, fez as malas e viajou até a capital austríaca para pedir, à beira do túmulo de Béla Guttmann, o perdão ao Benfica. O gol de Rijkaard, que garantiu a vitória e o título rossonero, demonstrou que praga rogada não tem perdão.

Apenas em 2013, o Benfica voltou à uma decisão continental, na final da Europa League contra o Chelsea. Novamente de maneira dramática a maldição se fez presente. Aos 47 minutos do segundo tempo, Ivanovic anotou o gol do título inglês.

A tentativa de perdão

Depois da dolorosa derrota frente ao Chelsea, a diretoria benfiquista decidiu que era momento de uma “reparação histórica” ao treinador e inaugurou no portão 18 do Estádio da Luz, uma estátua com dois metros de altura esculpida em bronze que retrata Béla Guttmann segurando as duas taças europeias que conquistou dirigindo o clube.

Mesmo assim não há um posicionamento oficial do clube sobre a relação entre a estátua e a maldição. Talvez por isso, a praga persista e em 2014 mais um capítulo pôde ser assistido. Na decisão da Europa League, o Benfica encontrou o Sevilla e novamente perdeu nas penalidades depois de empatar sem gols.

Em 57 anos de maldição do feiticeiro húngaro, o fantasma de Béla Guttmann rondou oito finais continentais e decidiu o vice-campeonato em todas as vezes para os Encarnados. Aos que não acreditam no sobrenatural, resta a coincidência para explicar tantos insucessos e àqueles que acreditam, resta esperar os próximos 43 anos até o possível título europeu do Benfica, enfim, livre de Béla Guttmann e sua maldição.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. A maldição de Béla Guttmann. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 32, 2020.
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