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A migração no futebol: o caso dos clubes itinerantes

Alexandre Francisco Alves 24 de novembro de 2014

O futebol possibilita uma pluralidade de emoções e sentimentos comuns aos torcedores para além da compreensão de algumas ações que são fruto desse esporte, que tem no interior do estado de Minas Gerais um significado particular.

A relação que os torcedores estabelecem com os clubes que migram de uma cidade para outra, contrapondo-se a tradição dos clubes de terem uma sede ou um vínculo firmado, abre a perspectiva de investigar os novos interesses e as novas razões de existência desses clubes no futebol mineiro, especificamente, no interior do Estado. Nesse meio bastante peculiar, o cenário esportivo sofreu algumas transformações que fizeram o chamado “mundo da bola” repensar sobre a forma de atuação de alguns clubes e dirigentes.

A proposta desse texto é discutir o fenômeno da migração e mudança de identidade dos clubes de futebol no interior de Minas Gerais. Um exemplo dessa dinâmica é o caso de um clube fundado em 28 de junho de 2008, o Fabriciano Futebol Clube. Em março de 2010, o clube transfere sua sede para a cidade de Nova Serrana e passa a se chamar Nacional Esporte Clube. Em janeiro de 2013, o clube transfere-se para a cidade de Patos de Minas, mantém o mesmo nome e passa a dividir o cenário esportivo com mais duas equipes existentes na cidade, o Esporte Clube Mamoré, fundado em 1949 e a URT (União Recreativa dos Trabalhadores), em 1939.

Contudo, apesar de firmar parceiras com outros clubes da própria cidade, para disputa de competições nas categorias de base, em 2014 o clube transfere-se para a cidade de Muriaé, firmando parceira com o Nacional Atlético Clube e passa a se chamar Nacional de Muriaé.

Esse fato não pode ser considerado novidade no meio do futebol apesar de gerar certa estranheza em relação a outros esportes. No cenário nacional, o caso mais conhecido é o do Grêmio Recreativo Barueri, fundado em 1989 em Barueri-SP, alterou seu nome para Grêmio Prudente Futebol Ltda. e se transferiu para Presidente Prudente-SP, em 2010. Em 2012, retornou para sua cidade de origem passando a chamar Grêmio Barueri Futebol Ltda. após ser comprado por um grupo de empresários.

Em 2010, o Grêmio Prudente joga contra o Fluminense. Foto: Wallace Teixeira – Photocamera.



Em Minas Gerais outros casos podem ser destacados outros casos acontecidos nos últimos cinco anos. Em 09 de junho de 2011, a equipe do Ituiutaba Esporte Clube mudou de nome e de cidade, autorizada nessa data pela Federação Mineira de Futebol (FMF) e pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Passou a se chamar Boa Esporte Clube e se mudou para a cidade de Varginha.

Outro exemplo é o do antigo Ipatinga Futebol Clube, fundado na cidade do Vale do Aço no ano de 1998. Em 2013, após a aprovação da Federação mineira de Futebol (FMF) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o clube transfere-se para a cidade de Betim e altera seu nome para Betim Esporte Clube.

Ainda em 2013, após mudança na presidência do clube, seu novo presidente anuncia sua volta para a cidade de Ipatinga. Em 2014, tendo já retornado à cidade natal, o clube participa do módulo II do campeonato mineiro de futebol com o nome ainda de Betim E.C., em virtude do registro na Federação Mineira de Futebol e na Confederação Brasileira de Futebol não ter sido alterado.

Essa mudança de sede e de identidade entre clubes é mais comum em outros esportes, ocorrendo com mais frequência em outros países como é o caso dos Estados Unidos. Lá, as equipes se constituem em franquias esportivas e a permanência ou a transferência para outras localidades é feita com motivação econômica e apoiada em estudos de mercado. A indústria do entretenimento esportivo cresceu a tal ponto que o essencial, tanto para atletas como dirigentes, passou a ser o fator econômico.

No Brasil, ainda há algumas diferenças em relação ao processo de sobrevivência e mercantilização do futebol. Os clubes de futebol de maior torcida e considerados de grande projeção nacional se estabeleceram no final do século XIX e início do século XX construindo, além de estrutura física (sede sociais, estádios, centros de treinamento) que possibilitou um enraizamento nos seus locais de origem, bem como uma relação emocional muito forte com seus torcedores.

No contexto em que existe possibilidade de clubes se tornarem empresas ao adotarem uma visão moderna e profissional do futebol, os torcedores tendem a assumir de vez o papel de consumidores, tornando o esporte como espetáculo e produto da massa, cada vez mais ansiosa por consumir esses produtos. Essa lógica do capital, aliada a estrutura e perspicácia da televisão, transformou o esporte bretão em uma mercadoria altamente vendável e rentável tanto para os clubes quanto para patrocinadores e as próprias emissoras de televisão.

O Boa Esporte Clube (vermelho) perfilado com os jogadores do Atlético Mineiro. Foto: Bruno Cantini – Clube Atlético Mineiro.

Assim, o processo de globalização que envolve o futebol influenciou uma reorganização das instituições esportivas e dos espaços dos estádios no contexto local e global, provocadas pela transformação da cultura futebolística em mercadoria, o que gera uma busca pela desterritorialização, a internacionalização da marca e a busca por novos mercados de torcedores.

Contudo, ainda há resistências a esse modelo hegemônico de se pensar o futebol e que tomou conta de outros esportes a partir de sua apropriação pelo mercado do entretenimento. Para o pesquisador da UFRGS, Arlei Damo, é uma obviedade afirmar que existe uma diversidade de formas de se vivenciar o futebol no Brasil. Arlei Damo ainda propõe a divisão do futebol em quatro matrizes principais: espetacularizada, bricolada, comunitária e escolar. Na espetacularizada o futebol é contíguo aos espetáculos artísticos e caracteriza-se por fatores como organização centrada e monopolista (FIFA e afiliadas), divisão social do trabalho dentro e fora de campo, a excelência performática em que existe todo o trabalho de preparação e treinamento no qual encontram-se envolvidos os profissionais propriamente ditos.

Nas demais classificações do futebol a partir das matrizes futebolísticas, as variações do futebol podem ser vivenciadas a partir da unidade futebolística. Assim, é essa diversidade que permite ao futebol a manutenção de identidades específicas ao esporte e que revelam ainda muitas intersecções.

Levantar as possibilidades de estudo que emergem a partir do fenômeno da migração dos clubes de futebol para outras cidades permite repensar a lógica do futebol enquanto esporte mais popular do país e suas representações.

Na busca da sobrevivência parte-se do pressuposto que as equipes de futebol almejam uma estrutura física e econômica que garantam sua manutenção. Contudo, por menor que seja um clube de futebol, esse não consegue subsistir com estabilidade, sem sua torcida. Dessa forma, o futebol, como qualquer outro negócio, se tomarmos como orientação o mercado do entretenimento, busca ultrapassar as barreiras econômicas locais e se estabelecer de maneira global.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

ALVES, Alexandre Francisco. A migração no futebol: o caso dos clubes itinerantes. Ludopédio, São Paulo, v. 65, n. 7, 2014.
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