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A nossa torcida é pela Democracia

Felipe Vinícius de Paula Abrantes 3 de novembro de 2018

Nos tempos sombrios em que vivemos, onde o obscurantismo, o autoritarismo, o ódio e a violência ficam a cada dia mais evidentes, o posicionamento progressista e democrático deve ser muito valorizado e encorajado a ganhar o mundo. Em que pese, muitas vezes o risco que corremos (de integridade física mesmo) devemos tomar as ruas, as praças, as escolas e, claro, os estádios para mostrar que as forças democráticas ainda são maioria e a imposição do medo e do ódio não irá nos calar. Afinal, nenhum cidadão que preza por nossa jovem e (infelizmente) debilitada democracia deve se calar ou optar pelo cárcere ou pelo exílio. Não é esse o país que a sociedade brasileira projetou em 1988.

Neste sentido, o presente o texto tem como objetivo fazer uma reverência, um agradecimento e pretende dar visibilidade ao conjunto das torcidas organizadas brasileiras que se colocaram contra a candidatura que se baseia nitidamente nos pilares do fascismo.

As TOs Gaviões da Fiel e Torcida Jovem do Santos foram as torcidas que alavancaram esse movimento. A Gaviões lembrou de seu passado e seu engajamento político na época de sua fundação para mostrar o quão é contraditório que a torcida e seus membros apoiem JB. O posicionamento da torcida é ainda mais contundente ao indicar que membros que não concordem com a visão institucional da torcida, possam fazer a escolha de se desfiliar, mas que a torcida tem um lado e irá assumi-lo. Segundo a nota oficial da Torcida, “é importante deixar claro a incoerência que há em um Gavião apoiar um candidato que não apenas é favorável à ditadura militar pelo qual nascemos nos opondo, mas ainda elogia e homenageia publicamente torturadores que facilmente poderiam ter sido os algozes dos nossos fundadores”. Vale ressaltar que tanto o posicionamento da torcida quanto a escrita e publicação da nota foram aprovados no conselho deliberativo da agremiação mostrando que não foi um ato individual de um diretor ou do presidente.

Gaviões da Fiel. Foto: © Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians.

Logo após a torcida do Corinthians, a torcida Jovem do Santos também se manifestou, apoiando seus rivais pela atitude e publicando uma nota oficial que seguia a mesma linha. Em um trecho da nota lemos: “Reforçamos a origem da nossa torcida deixando claro que as pautas apresentadas pelo candidato JB são incompatíveis com as raízes da Torcida Jovem e não representam os interesses coletivos que sempre buscamos ao lado do povo e da massa santista”.

No dia 22 de outubro no teatro da PUC-SP, o candidato do PT, Fernando Haddad, recebeu um documento formalizando o apoio de várias torcidas a sua candidatura. Este documento é endossado por 69 torcidas organizadas de todo o país. São torcidas que representam clubes populares (de várias divisões dos campeonatos nacional e regionais) de todas as regiões do país.

Também nesse manifesto foram colocadas em segundo plano as rivalidades clubísticas até mesmo como estratégia para a sobrevivência das próprias organizadas. Essa preocupação fica evidente neste trecho do manifesto assinado pelas torcidas: “Major Olímpio, senador eleito e apoiado pelo candidato extremista da direita, já deixou claro seu objetivo de acabar com as torcidas organizadas criminalizando suas ações e seus componentes. Não podemos admitir tamanha injustiça e autoritarismo. Não podemos permitir que todo e qualquer ativismo social existente no Brasil seja extinto e apagado, dilacerando milhões de pessoas que querem apenas exercer seus direitos…”

Ainda cabe destacar e elogiar torcedores “comuns” do Bahia que na partida de ontem (24/10/2018) pela Copa Sul-Americana contra o Atlético Paranaense no estádio da Fonte Nova levaram faixas e cartazes se posicionando contra JB e apoiando o democracia.

É reconfortante ver essas manifestações genuínas e autônomas de torcedores brasileiros, tanto por defender valores pelos quais muitos deram a vida. Ver manifestações como essas nos mostram que ainda temos um fiapinho de democracia no nosso país e por este pequeno traço de civilização que ainda nos resta devemos lutar e morrer se preciso for.

É um bálsamo ver que a “tiagoleiferização” (iniciado por aquele apresentador global que diz que futebol e política não se misturam) do futebol passou longe para um considerável grupo de torcidas e torcedores.

É animador ver que o futebol ainda é capaz de mobilizar tantas pessoas, muitas vezes rivais, para lutar lado a lado por um bem maior. O futebol nunca foi o ópio do povo. O futebol vive. A democracia viverá. Sigamos lutando, aconteça o que acontecer no dia 28 de outubro.


Fontes:

Gaviões reafirma repulsa a Bolsonaro e ganha apoio da Jovem do Santos. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2018/09/20/em-nota-gavioes-lembra-ditadura-e-reafirma-campanha-contra-bolsonaro.htm
Acesso: 24/10/2018

Haddad recebe apoio de 69 organizadas e entra em poropopó contra Bolsonaro. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2018/10/22/torcidas-organizadas-apoiam-haddad-contra-bolsonaro.htm
Acesso: 24/10/2018

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Felipe Abrantes

Graduado em Educação Física, modalidade licenciatura, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do ensino básico na Prefeitura de Belo Horizonte. Mestre em Estudos do Lazer, tem interesse e realiza pesquisa na área de estudos do futebol e do torcer, no âmbito das ciências sociais e humanas, do lazer e da Educação Física escolar.

Como citar

ABRANTES, Felipe Vinícius de Paula. A nossa torcida é pela Democracia. Ludopédio, São Paulo, v. 113, n. 3, 2018.
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