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Conhecer para reconhecer: a trajetória de Márcia Tafarel

Pamela Joras 6 de maio de 2017

A trajetória futebolística de Márcia Tafarel inicia em 1982 na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Tafa, como é conhecida no futebol, conta que nesse período era a única menina que jogava futebol na rua de seu bairro com vizinhos e amigos. Incentivada pela mãe passa a buscar seu espaço no futebol, relembra, “Sabe de uma coisa?! Tu está com treze anos de idade está na hora de parar de jogar bola na rua com esses meninos, você tem que achar um local onde meninas possam jogar também”.

Assim Márcia Tafarel realiza sua primeira peneira no Clube Esportivo Bento Gonçalves, equipe que representava a cidade em competições regionais. Ao jogar com meninas mais velhas, entre dezesseis e dezoito anos, Tafa destacou-se durante a peneira e passou a integrar a equipe de futebol feminino do clube. O apoio constante da mãe foi um do fatores que contribuiu para a permanência dela na busca pelo sonho de jogar futebol conta Márcia.

“E foi uma fase bem difícil, porque na minha cabeça, eu não conseguia entender o porquê que uma menina não podia jogar futebol. Eu sabia que tinha o preconceito, mas a gente não tinha isso na cabeça[…] E ela falava para mim: “Esquece porque você vai escutar isso. Agora, você quer escutar o que vem de fora ou você quer se concentrar no que você tá fazendo?” Desde aquele momento, você tem aquela pessoa como sua inspiração. Para brigar com o mundo para você fazer o que você ama fazer. Então, nesse sentido, a minha mãe sempre me passou esse lance de ser forte, de lutar pelo que você quer, seus gostos, porque sempre vai ter gente para te puxar para trás[…] a minha mãe foi a minha inspiração para isso. Mas não foi fácil começar a jogar futebol no Rio Grande do Sul, isso com certeza, por todo o preconceito que a gente sofria na época” (TAFAREL, 2015, p.10)

Márcia Tafarel disputou o Campeonato Gaúcho nos anos de 1983 e 1984 com o Clube Esportivo Bento Gonçalves. Em 1985 o futebol feminino sofre uma interrupção na competição estadual. Porém, em 1986 seria formada a Seleção Gaúcha de Futebol Feminino, a equipe representaria o estado gaúcho no Campeonato de seleções na cidade de Campinas, em São Paulo. Tafa, foi convidada a participar da seleção que acabou conquistando o terceiro lugar na competição. Nessa ocasião foi convidada por Romeu Castro[2] para integrar a equipe do SAAD de Campinas, clube em que permaneceu de 1987 a 1992.

Durante o período em que permaneceu Márcia Tafarel teve sua primeira convocação para a seleção brasileira no ano de 1988, mas em função do trabalho, ela opta por não atender a convocação como conta,

“eu tive que optar: vai para a seleção e treina com o pessoal do Radar e tem a chance de ser cortada porque não era do Radar, eu era gaúcha que jogava no Saad, então, a chance de ser cortada vai ser grande e perder o emprego que eu tenho, faz dois meses que tenho em função da seleção… Eu optei em não atender a convocação e continuar no meu emprego. Trabalhei três anos na Fundação Bradesco e não fui para esse Mundial de 1988.” (TAFAREL, 2015, p.13)

Em 2015, Marcia Tafarel foi assistente pontual da Seleção Feminina. Foto: CBF.
Em 2015, Marcia Tafarel foi assistente pontual da Seleção Feminina. Foto: CBF.

Entretanto em 1990 é novamente convocada para disputar o Campeonato Sul-Americano em Maringá, no Paraná, competição em que foi campeã com a seleção brasileira, ganhando vaga para a primeira edição de Copa do Mundo de Futebol Feminino realizada na China no ano de 1991. Márcia Tafarel não seria apenas pioneira em mundiais, mas também participaria da primeira edição do Torneio Olímpico de Futebol Feminino nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996. Além de seu pioneirismo junto a seleção brasileira disputou o Sul-Americano realizado em Maringá em 1994 e a Copa do Mundo na Suécia em 1995.

Após deixar o SAAD, Márcia passou por algumas equipes de futsal e de futebol de campo como Corinthians, São Paulo e Palmeiras mas foi atuando pela Sabesp que começou a vislumbrar a possibilidade de tornar-se treinadora de futebol onde treinava as equipes de base sub-17 e sub-20.

No ano de 2001, através do convite da ex-jogadora e treinadora Sissi, ela decide viajar para os Estados Unidos a fim de desenvolver a fluência em língua inglesa e conhecer o futebol feminino americano nas palavras dela “além de eu querer aprender o inglês, eu queria aprender qual é a estrutura que dá essa base que a seleção americana tinha e para isso eu tinha que ficar mais tempo”.

Desde então Márcia Tafarel reside em Concord nos Estados Unidos, trabalha com desenvolvimento do futebol com crianças de nove a doze anos de idade. A decisão de permanecer em solo americano em função das oportunidades de crescimento profissional já duram onze anos e a estrutura e desenvolvimento da modalidade foram determinantes para que Tafa continuasse atuando na área. Como destaca em relação ao futebol brasileiro “a partir do momento que a gente conseguir estruturar isso e fazer com que as jogadoras joguem no maior nível possível, dando toda assistência para elas atingirem um melhor nível, aí o Brasil vai crescer, aí o Brasil vai ser potência.”

Márcia Tafarel foi uma das grandes jogadoras brasileiras de sua época e assim entre tantas outras participaram e participam da construção da história da modalidade no país. Seu pioneirismo nas competições internacionais com a seleção brasileira demonstram a recente história de lutas, crescimento e desenvolvimento do futebol de mulheres no Brasil. Visibilizar e (re) conhecer essa e outras histórias de mulheres jogadoras nos inspiram a continuar pela estruturação e o reconhecimento da modalidade no país.

[1] Fala utilizada por Silvana Goellner em palestra no Museu do Futebol.

[2] Presidente do SAAD Esporte Clube

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pamela Joras

Integrante do CEME/GRECCO. Graduada em Educação Física (UFSM), Mestre em Ciências do Movimento Humano (UFRGS) . Ex-jogadora, árbitra de futebol e embaixadora do Guerreiras Project.

Como citar

JORAS, Pamela. Conhecer para reconhecer: a trajetória de Márcia Tafarel. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 8, 2017.
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