A visibilidade midiática buscada e conquistada pela Copa do Nordeste
A ReNEme recebeu pelo Instagram, no final de março, uma pergunta sobre o que achávamos do comunicado da Liga do Nordeste sobre o repasse das imagens da Copa do Nordeste para a Globo. No dia 28/03, um domingo, Gilberto marcou 4 dos 5 gols do Bahia contra o Altos pelo torneio regional, mas não pediu música no Fantástico.
Comentei no grupo da rede que isso daria uma boa discussão a partir de alguns aspectos: critérios de noticiabilidade; jornalismo e entretenimento na cobertura esportiva; os limites do negócio, por se tratar de um conteúdo esportivo que não é propriedade da Globo; especificidades do Fantástico.
Nos três primeiros aspectos, escrevi um pouco sobre, em trabalhos com Carlos Figueiredo, sobre contrato de Neymar com a Globo; e com ele e Mellyna Reis sobre a representação do Fortaleza quando Rogério Ceni era técnico do clube.
Aqui, tratarei das questões de mercado que envolvem a transmissão de eventos esportivos, para além do interesse jornalístico. Partirei, para isso, das opções da Liga do Nordeste na fase contemporânea do torneio, especialmente a partir de 2018.
Histórico da fase contemporânea
Considero a fase contemporânea a partir de 2013. Além de ter um calendário mais bem definido pela CBF, que seguiria sendo ajustado até seguir o mesmo período dos estaduais, há um produto sendo construído em curto, médio e longo prazos, assim como o maior interesse de todos os clubes.
A principal parceira foi a Top Sports (Esporte Interativo – EI). O acordo garantia recursos mínimos de direitos de transmissão porque a empresa ainda geria o torneio, buscando publicidade de diferentes tipos e venda para outras plataformas para além da TV fechada.
Do lado de lá, tornou-se o principal produto dos canais, com direito à criação do “EI Nordeste”. O Nordeste, inclusive, era importante para plataforma de streaming EI Plus, já existente, incluindo campeonatos estaduais e os jogos de equipes da região nas Séries C e D do Brasileiro.
Na TV aberta, o acordo foi firmado com as afiliadas da Globo na região, com vigência até 2017. Algo que mudou no período seguinte, após a venda do Esporte Interativo para o grupo Turner, tornando-se agente importante na disputa de direitos de transmissão de eventos de futebol. A disputa principal foi pelos times da Série A do Brasileiro, a partir de 2016.
No final de 2017, o Esporte Interativo abriu negociação com Globo, SBT e Record para a transmissão do regional no biênio seguinte. Em meio à disputa das empresas de comunicação, foi anunciado que o SBT Nordeste faria a transmissão em 8 dos 9 Estados da região – Sergipe não tem afiliada da emissora. Segundo Oliveira e Ohata, em notícia da época, o valor teria sido menos que a metade que a Globo ofereceu. Mas com a contrapartida de meia hora semanal sobre o torneio na grade das afiliadas na região.
No segundo semestre de 2018, os canais Esporte Interativo seriam encerrados e a Copa do Nordeste ficava sem a cobertura especial – ainda que já não fosse o principal produto – e sem a parceria na administração.
A alternativa criada foi a constituição de uma agência, com ex-sócios do EI, para tratar do torneio, a Live Mode. Semanas antes da edição de 2019, foi feito o anúncio de um jogo por rodada na Fox Sports. Além disso, criou-se um aplicativo de streaming próprio, o Live-FC – que mudou o nome este ano para Nordeste FC.
Em 2019, o SBT Nordeste renovou o contrato com a liga, a partir dos resultados em algumas praças mesmo em concorrência com estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro, e soubemos que havia também divisão de receitas de publicidade – algo que havia no contrato com a Top Sports, mas que seria o modelo para o SBT conquistar os direitos de transmissão de eventos de futebol sul-americanos durante a pandemia.
A edição atual, em 2021, é de ampliação de possibilidades de transmissão, com transmissões pelo Twitch, a partir da reação de torcedores de 6 clubes; e no Tik Tok, com a transmissão de Ceará X CSA sendo a primeira da história desta plataforma.
Cobertura da Globo
A Copa do Nordeste foi um dos produtos da disputa entre dois conglomerados de comunicação e depois seguiu com concorrentes do Grupo Globo na TV aberta e na TV fechada.
Em síntese, a cobertura regionalizada do torneio seguiu, conforme os espaços dos Globo Esportes locais – em alguns estados, como Sergipe e Alagoas, é apenas um bloco –, mas com pouco espaço em programas nacionais. Não havia um veto completo, mas deixava-se de ter reportagens, ficando apenas na reprodução de gols de algumas partidas – de clubes da Série A, reproduzindo o modelo dos gols dos estaduais.
Assim, não há surpresa de um jogo de primeira fase da Copa do Nordeste, especialmente, não ter os gols reproduzidos. Ainda que, necessária ponderação, o Fantástico não se fixa apenas nos torneios em que a Globo, ou suas afiliadas, tem os direitos de transmissão quando se trata de um jogador que fez 3 ou mais gols no domingo.
É preciso lembrar ainda que o Fantástico, seguindo as categorias de Souza (2015) para gêneros e formatos na TV brasileira, é uma revista, em que pode ser aplicado tanto à categoria informação quanto entretenimento. Essa mescla, o “infotretenimento”, está de forma clara na cobertura dos gols do domingo, seja nos cavalinhos durante a Série A ou nas diversas expressões para chamar a atenção do espectador – que, em sua maioria, não é o do futebol.
Assim, avalio que o esquecimento de Gilberto tenha sido uma mistura de não dar visibilidade a um torneio que os direitos não são do Grupo Globo a certo descuido sobre o que ocorreu – lembrando que a afiliada na Bahia, a partir deste ano, também não transmite o Campeonato Baiano, como tratei em texto anterior aqui no Ludopédio.
O perfil da Copa do Nordeste surfou bem nas reclamações sobre o Fantástico. Não afirmou nem negou um ataque ao que isso poderia representar, mas comentou, o que fortalece a marca do torneio. A competição usa muito bem em suas plataformas os elementos que nos unem enquanto região, esta que é mais identificada neste sentido único que as demais do país.
Não à toa os perfis oficiais acompanham as equipes nordestinas para além do torneio regional. Assim, amplia o apreço da torcida de time da região sobre a competição como um todo, além de, como neste caso, reproduzir a característica de unidade em determinadas reclamações quando se é para questionar o de fora, em meio a uma disputa de hegemonia em que somos periféricos. Algo que colegas de ReNEme como Phelipe Caldas e Hévilla Wanderley, trabalham melhor que eu ao discutirem a questão nordestina.
Conclusão
Dito isto, surpreso eu não fiquei, mas não significa que eu defenda o modelo de cobertura esportiva que se faz. A falta de representação realmente nacional é um problema histórico da constituição das redes de televisão, a partir de 1969, e são inúmeros exemplos de como a geografia é um critério de noticiabilidade do jornalismo que se propõe a ser para todo o país.
Por sinal, a “promoção da cultura regional” na radiodifusão (de sons e som e imagem) está nos incisos II e III do Art. 221 da Constituição Federal de 1988, mas sem regulamentação. Seguimos esperando por “regionalização da produção cultural, artística e jornalística” em veículos de comunicação que usam concessões públicas para funcionar, dada a limitação do espectro magnético.
Que a Copa do Nordeste possa ser entendida como um excelente produto midiático e não fique restrita a alguns estados, na TV aberta, mas também que a transmissão possa contar com quem entende dos times e do torneio – diferente do que se vê de vez em quando na transmissão da TV fechada. Enquanto o ideal não chega, que sigamos atentas/os, mas sem grandes surpresas para algo que ocorre há tanto tempo.
Referência
SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus Editorial, 2015.