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Agnelli e sua Revolução

Marco Sirangelo 20 de maio de 2019

Após a histórica eliminação do Manchester City frente ao Tottenham pelas quartas de final da Liga dos Campeões da Europa, o jornalista Leandro Iamin escreveu o seguinte em seu Twitter:

O tweet resume perfeitamente o atual momento de intensas transformações vivido pelo futebol. Não somente o jogo em si, fortemente impactado pelo ainda recente árbitro de vídeo e por mudanças de regras, algumas delas bem significativas (tais como a bola na mão), mas as relações extracampo, principalmente as de cunho comercial e financeiro, parecem bem distantes do que nos acostumamos a observar.

Nesse contexto, algumas das informações divulgadas primeiramente pelo Football Leaks, na edição de novembro de 2018 da revista alemã Der Spiegel, começam a tomar corpo. Em especial, a ideia de uma nova Champions League. Há cerca de um ano, Andrea Agnelli, presidente da Juventus e também da ECA, a associação dos clubes europeus, informou em entrevista ao jornal inglês The Guardian suas intenções de modernizar e repaginar todo o futebol europeu. Em abril passado, a ECA finalmente divulgou seu ambicioso plano, que ocasionaria em uma diminuição de relevância das tradicionais ligas nacionais em detrimento do torneio continental.

A premissa básica é a de que hoje em dia os jogos das competições nacionais são muito menos atrativos do que os vistos nas competições continentais. De fato, esta última edição da Champions League foi repleta de jogos extraordinários, tais como o já citado confronto Manchester City x Tottenham, toda a campanha surpreendente do Ajax, PSG x Manchester United e Barcelona x Liverpool. A pergunta que Agnelli faz é por que seu clube precisa jogar 38 jogos para ser campeão nacional, sendo muitos deles contra times de menor expressão e sem grande apelo comercial, como Empoli, Frosinone e SPAL, enquanto na Liga dos Campeões o time campeão faz apenas 13?

Andrea Agnelli. Foto: Reprodução.

E Agnelli não parece estar sozinho nessa. Josep Maria Bartolomeu, presidente do Barcelona, também vê essa mudança com bons olhos, tendo também a companhia de pesos pesados como o PSG e o Bayern de Munique. Juventus, Barcelona, PSG e Bayern também tem algo em comum: praticamente monopolizam suas ligas nacionais, fato que reduz a imprevisibilidade dos jogos e culmina em um menor interesse do público. Uma Super Liga dos Campeões transformaria o formato de competição para pontos corridos, possivelmente dando lugar cativo aos maiores clubes europeus e a certeza de um calendário recheado de grandes clássicos.

É importante ressaltar que no atual formato, os grandes clubes somente disputam a Champions League caso consigam terminar entre os melhores de suas ligas. É frequente, portanto, que clubes tradicionais fiquem de fora por motivos esportivos, casos de Milan e Arsenal neste último ano. As mudanças propostas pela ECA, portanto, privilegiariam critérios comerciais ao invés dos esportivos, uma vez que essa classificação por meio das ligas não estaria mais prevista.

Algo semelhante foi visto quando a Fifa anunciou a Copa do Mundo com 48 seleções participantes. Desta forma, será muito improvável que seleções tradicionais fiquem de fora da competição, como vimos em 2018 com Itália e Holanda. Com essa medida, a Fifa deixa de lado o caráter mais exclusivo, ou de elite, atribuído à Copa, já que não serão somente os melhores que farão parte do torneio.

Essas estratégias demonstram claramente um certo caminho que o futebol parece querer fazer — mais próximo do entretenimento e potencializando seus aspectos comerciais em detrimento até do desempenho esportivo. Como afirmou Peter Moore, atual CEO do Liverpool, já há preocupação com relação ao comportamento da nova geração de torcedores, que gasta mais tempo e dinheiro em outras opções de entretenimento, por exemplo jogos de videogame como o Fortnite e plataformas de streaming como o Netflix, do que com esporte, tanto presencialmente (comprando ingressos para uma partida, por exemplo), como pela televisão.

Essa discussão se faz presente, também, em outros esportes. O vôlei, por exemplo, alterou drasticamente sua regra, eliminando a vantagem e tornando o jogo mais dinâmico, atendendo a pedidos principalmente da televisão. O baseball vive momentos de apreensão, já que, segundo pesquisa divulgada pelo Sports Business Journal em 2016, jovens de 18 anos ou menos representam apenas 7% da audiência total do esporte nos EUA, o número mais baixo já registrado.

Atletismo e Natação também convivem com esse dilema entre estar mais aberto ao entretenimento ou privilegiar o lado esportivo. E ambos sempre optaram pelo lado esportivo, mesmo que isso represente uma rotina constante pela busca por mais recursos para as modalidades. Algumas iniciativas, como a criação da Liga Internacional de Natação (ISL), prevista para outubro desse ano, procuram aumentar a exposição e ganhar mais seguidores, mas sem abrir mão da busca constante pela excelência no desempenho.

Ao fazer determinadas escolhas que ferem sobretudo suas tradições, o futebol caminha para agradar aqueles que o definem como “apenas um jogo”, deixando mais de lado os que enxergam o esporte como questão de vida ou morte. É certo que é necessária uma adequação para as novas gerações de consumidores, mas essa transformação do jogo em espetáculo e com provável grande diminuição das rivalidades locais não me parece um caminho a ser seguido. Além disso, assim como o Campeonato Carioca demonstra, grandes clássicos, mesmo entre clubes de países diferentes, ocorrendo com maior frequência podem perder o encanto, e esse seria o pior cenário possível.

Estaria mais tranquilo se dirigentes como Agnelli e Bartolomeu realizassem essas mudanças por estarem influenciados por John Lennon e imaginando um mundo sem países e fronteiras. Como não me parece ser o caso, receio que tais rupturas drásticas pensadas mais com o bolso do que qualquer outra coisa, possam elevar mais ainda o patamar dos grandes clubes, tornando-os efetivamente inalcançáveis para os clubes menores. Posso estar sendo tradicionalista ou avesso às mudanças, mas já sinto saudades da Copa do Mundo com 32 times, e talvez tenha que me preparar para o pior também na Champions League.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Sirangelo

Marco Sirangelo é Mestre em Gestão Esportiva pela Universidade de Loughborough (Inglaterra) e Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, foi Analista de Marketing do Palmeiras entre 2009 e 2010 e Gerente de Projetos da ISG, de 2011 a 2016. Atualmente é Head de Projetos na consultoria OutField.Twitter: @MarcoSirangelo

Como citar

SIRANGELO, Marco. Agnelli e sua Revolução. Ludopédio, São Paulo, v. 119, n. 20, 2019.
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