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Alegria de ser rubro-negro

Leandro Ginane 8 de novembro de 2019

Há pelo menos vinte anos frequento as arquibancadas do Maracanã. Desde moleque, sempre vi a torcida do Flamengo eufórica nos momentos de títulos e vitórias, mas também bastante decepcionada na maior parte dos últimos anos. Não me refiro aqui à perda de campeonatos, eliminações vexaminosas ou coisas do tipo. Não, nada disso. É algo mais profundo que até bem pouco tempo não conseguiria explicar se tentasse escrever um texto com esse fim.

O fato é que sempre notei um saudosismo profundo no torcedor flamenguista, que só agora entendo ter pouco a ver com os resultados e conquistas do clube. Um sentimento que se instalou nos corações rubro-negros no final da década de oitenta, com a despedida do Zico e de toda uma geração criada no Flamengo.

A partir daquele momento, a Nação parece ter começado a viver um luto que se arrastaria por quase trinta anos, e, nesse período, a cada ex-jogador daquele time inesquecível que reaparecia na Gávea para assumir como técnico ou algum outro cargo, enchia os corações rubro-negros de esperança, como se fosse possível voltar no tempo pela mística de um jogador do passado. Foram inúmeras as vezes que isso aconteceu, e como num ciclo que teimava em se repetir, o torcedor deixava a euforia ocupar momentaneamente o lugar da saudade, que logo recuperava seu espaço no peito da Nação. Essa sempre foi a tônica nas últimas três décadas da Maior Torcida do Brasil.

Torcedores rubro-negros estão em êxtase com o momento vivido pelo clube em 2019. Foto: Fotos Públicas/Alexandre Vidal, Marcelo Cortes & Paula Reis/Flamengo.

Já adulto, me perguntava quando esse luto terminaria. Imaginava que com a conquista de um grande título a nação voltaria a sorrir. Ele veio em dois mil e nove, com o hexacampeonato brasileiro, mas a saudade teimava em voltar. Até bem pouco tempo não tinha encontrado a resposta, que só consigo perceber agora em ano de dois mil e dezenove, antes mesmo da confirmação do heptacampeonato brasileiro e do bi da libertadores. Escrevo estas linhas no dia de São Judas Tadeus, dia também do aniversário de oito anos do meu filho mais velho e quando ainda faltam dez rodadas para o fim do Brasileirão.

Neste momento em que estou bastante impactado com o ambiente que se formou em volta do Flamengo, redescubro a força desse clube, principalmente entre as crianças, que tem a oportunidade de viver este momento de uma forma bem mais intensa que nós. Sendo pai de um casal, um menino de oito e uma menina de quatro, tenho a possibilidade de vivenciar isso de perto. Fica fácil notar que o mais importante para eles não é a posição de liderança do Campeonato Brasileiro, tampouco a tão sonhada presença na final da Libertadores. Para eles, o mais importante são as comemorações dos jogadores, as muitas festas para as quais são convidados e que tem o Flamengo como tema, a bagunça no Maracanã com seus amigos, os cânticos da torcida e tudo o mais que envolve as cores rubro-negras.

Esse ambiente que se formou novamente depois de tantos anos só é possível por um único motivo: a forma como o time joga. Alegre, pra frente, encurralando seus adversários e incansável na busca pelo gol, não importa quantos faça. O desejo de balançar as redes é o mesmo para marcar o primeiro ou o quinto gol, como na semifinal da Libertadores contra o Grêmio no Maracanã, em um jogo histórico.

A alegria de Gabriel ao fazer mais um gol pelo Flamengo na semifinal da Libertadores. Foto: Fotos Públicas/Alexandre Vidal, Marcelo Cortes & Paula Reis/Flamengo.

Ao ver essas reações, me recordo que foi exatamente isso que aconteceu comigo e com uma geração inteira de crianças que viveram o time da década de oitenta. Me lembro bem da minha festa de oito anos com o tema Flamengo, emoldurada em foto onde eu e meu irmão mais posamos uniformizados lado a lado em cima de cadeiras de palha. Eu tentava imitar o Zico e o Leandro jogando bola. Meu pai frequentava todos os jogos e chegava em casa cheio de novidades. Agora, quando mergulho nessas memórias afetivas e percebo como tudo era mágico para um menino de oito anos, noto que o luto tem suas raízes na perda desse ambiente que foi consequência do fim daquele time. A fantasia deu lugar à tristeza, que chegou e permaneceu por muito tempo, até que um time liderado por um brilhante técnico português, resgatou tudo o que significa ser Flamengo e eu pude, enfim, enxergar de onde vinha tanta saudade e frustração.

Meu pai agora é um senhor de setenta anos e nossos contatos passaram a ser mais frequentes. O Flamengo, claro, é um dos principais assuntos. Estou vivendo junto aos meus filhos e minha companheira cada momento proporcionado pelo Mais Querido, quando noto que aquele saudosismo que parecia interminável chegou ao fim. O Flamengo novamente joga como nos meus mais profundos e singelos sonhos infantis. Meu filho tenta imitar o Gérson, craque do meio campo. Meu pai evita comparações, mas volta e meia vê semelhanças entre dois times tão distantes e compara nosso artilheiro com Nunes. É um time para se orgulhar, onde jogadores e torcedores são um só.

A euforia de um torcedor com um cartaz onde se lê: “Ninguém segura o Mengão”. Foto: Fotos Públicas/Alexandre Vidal, Marcelo Cortes & Paula Reis/Flamengo.

Outro dia no Maracanã, percebi que aquele grito que parecia adormecido nas arquibancadas, curiosamente voltou com a mesma força do passado: “Quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro!”

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Ginane

Um curioso observador do futebol, nos estádios e nas peladas.

Como citar

GINANE, Leandro. Alegria de ser rubro-negro. Ludopédio, São Paulo, v. 125, n. 11, 2019.
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