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Alex, a bola e as letras: como os livros de futebol entram na vida de jogadores

Giulia Piazzi 18 de maio de 2017

As biografias estão entre os gêneros mais publicados no universo dos livros de futebol. Ler sobre as histórias de nossos craques, técnicos e dirigentes, algumas recheadas de superação, é instigante para os torcedores e, muitas vezes, motivador.

Para o leitor fã de futebol, não é preciso que a biografia seja necessariamente daquele ídolo do seu time do coração. Basta que ela expresse a grande paixão que o brasileiro tem pelo esporte em si e apresente relatos que sejam capazes de revelar a contribuição de uma única figura, entre milhares, para o cenário esportivo. Ademais, sempre há nos bastidores casos muito engraçados, ótimos para serem apreciados.

Já para aquele torcedor fanático e ávido, as biografias que envolvam a instituição pela qual torcem são as mais procuradas e consumidas – em especial se considerarmos esse tipo de livro como mais um bem simbólico[1] adquirido em caráter de memória pelo público.

alexbiografia
Alex, a biografia.

Em 2016, ganhei de presente de aniversário a biografia do Alex, mais conhecido aqui em Minas Gerais por “Talento Azul” – apelido dado a ele pelo narrador Alberto Rodrigues, o Vibrante. Ídolo da torcida cruzeirense por toda sua história com o clube e pelas conquistas do ano de 2003, Alexsandro de Souza relata no livro o desejo antigo de publicar uma biografia após sua aposentadoria. Deixou os gramados no ano de 2014, pelo Coritiba F. C., e não demorou muito para que o livro fosse publicado, no ano de 2015, pela editora Planeta, com autoria do jornalista Marcos Eduardo Neves, autor também de outra famosa biografia de jogador de futebol, Nunca houve um homem como Heleno (2006).

Um craque como o Alex tem muito a nos dizer sobre sua trajetória. E é impressionante como a biografia desse jogador excepcional nos prende tanto quanto o seu futebol em campo.

Um pouco sobre o Talento

Alexsandro de Souza, nascido em Curitiba-PR, em 14 de setembro de 1977, foi ídolo em quase todos os clubes pelos quais passou. Construiu bela história com o Coritiba, o Palmeiras, o Cruzeiro e o Fenerbahçe, da Turquia – naquele país, a idolatria, segundo o próprio jogador, ia muito além do que se vê no Brasil.

O atleta teve alguns problemas com o Parma, da Itália, jogou pouco pelo Flamengo e teve boas atuações pela Seleção Brasileira. Jogador exemplar, disciplinado, infelizmente aposentou-se sem jogar uma Copa do Mundo – era mais que merecedor, o que lhe deixou certa mágoa com o técnico Felipão.

Em 2013, Alex encabeçou o movimento Bom Senso F.C. Junto com vários jogadores de diferentes clubes, que questionavam e lamentavam a sequência de jogos imposta pela CBF, ele liderou reuniões e levou adiante a ideia de formalizar o grupo e lutar por melhores condições para os atletas. Teve grande respaldo de muitos comentaristas, árbitros e outros jogadores, chamou a responsabilidade e foi muito elogiado por isso. Um símbolo de profissionalismo.

Atualmente, é comentarista do canal ESPN e do canal do YouTube Desimpedidos.

Em seu site (www.alex10.com.br), percebemos a paixão com que o Talento abandonou os gramados após 19 anos de uma carreira brilhante. Em um trecho do texto inicial da página, ele diz: “Passei instantes de sufoco, tensão, desespero, pavor, revolta, mas também vivi momentos de sonho e incontáveis alegrias. Sorri muito, vibrei muito, me emocionei, saí de mim, pisei nas nuvens. Dei sangue, suor e lágrimas e não tenho uma vírgula do que me arrepender.”

Os livros de futebol na vida do atleta

Alguns trechos dos depoimentos de Alex serviram para uma análise básica sobre a inserção dos livros na vida de jogadores de futebol. Atualmente, o mercado tem se mostrado aquecido com a publicação de biografias e livros sobre táticas, em especial de técnicos famosos (Mourinho, Ferguson, Guardiola, Tite). O destaque é para a Editora Grande Área, fundada em 2015, que tem traduzido títulos muito importantes desse universo. Entretanto, a leitura dessas publicações ainda não é massiva quanto o próprio esporte o é.

No início da carreira, Alex teve contato com livros com os quais foi presenteado: O Mundo de Sofia e Estrela Solitária. Este último principalmente lhe fez tomar gosto pela leitura, e as concentrações para os jogos passaram a não ser mais as mesmas.

“Tive um certo alívio quando ganhei ‘O Mundo de Sofia’ de um cara que me ajudou bastante naquele início. O livro era enorme. Ele veio me perguntar se entendi alguma coisa e eu não tinha entendido nada. Ele disse que fazia parte e me pediu para guardá-lo, pois a qualquer momento me daria vontade de lê-lo de novo e eu o releria. O que realmente aconteceu anos depois.

Na sequência, um torcedor me presenteou com outro livro, ‘Estrela Solitária’, sobre Garrincha. Eu dividia o quarto com um veterano, o Ademir Alcântara, que me falou que, durante os períodos de concentração, eu teria tempo de sobra para ler. Se ganhasse gosto pela leitura, não pararia mais. Não é que peguei mesmo? Passei a ler um livro atrás do outro e fiquei interessado em pesquisar mais coisas. Sem querer, acabei voltando a estudar.” (p. 29)

O mais interessante dessa fala de Alex é perceber a influência dos livros no interesse pela leitura e pelo “poder” que eles tiveram até mesmo para que o atleta voltasse a estudar. Mais adiante, o jogador menciona ainda a biografia de seu ídolo Zico, enquanto aborda a indiferença de jogadores de futebol em geral por esse tipo de material.

Jogo de despedida do Alex com a camisa do Palmeiras. Foto: Fabio Menotti - Ag. Palmeiras - Divulgação.
Jogo de despedida do Alex com a camisa do Palmeiras. Foto: Fabio Menotti – Ag. Palmeiras – Divulgação.

“Não acho que todos os jogadores de futebol são burros. Tem médico, jornalista, e também jogador burro. Conheço gente que fala três línguas, tem duas faculdades nas costas e possui um raciocínio medíocre. Jogador é desinformado e desinteressado, ponto.

Tive um companheiro de quarto na concentração que exemplifica bem isso. Compramos juntos uma biografia do Zico. Eu a li em três dias. Tínhamos passado por algumas concentrações, eu já tinha lido outros dois ou três livros e ele seguia no mesmo, lá pela décima página.

No Palmeiras, dividi por um tempo o quarto com o Oséas. Ele se preocupava demais com as trancinhas. Sua rotina era entrar no quarto, tirar a roupa e ficar de cueca. Se enrolava num lençol e cuidava dos cabelos. Um dia, estava lendo um livro e ele resolveu conversar. Se sentia só. Não lhe dei atenção. Ele me tomou o livro da mão e atirou pela janela.” (p. 53)

Tais excertos também demonstram o envolvimento de demais atletas com atividades como a leitura. Talvez o que falta mesmo é incentivá-los, atitude que Tite tem como hábito, por exemplo. O treinador distribui livros, de futebol e outros temas, para os jogadores que comanda, um costume que carrega há anos e que colocou em prática na seleção brasileira.

Para ler, reler e empolgar-se

Assim que terminei de ler Alex, a biografia, fiquei me perguntando por que outros amigos ainda não tinham passado por essa experiência de leitura. A edição textual realizada no livro também o fez semelhante a um livro-reportagem. O autor poucas vezes interferiu nos depoimentos de Alex, sua esposa Daiane e outros personagens dessa grande trajetória. Tudo isso deu leveza à linguagem utilizada no texto, que prende o leitor tanto quanto assistir aos jogos do craque.

É claro que passei a recomendá-lo para vários amigos. Um colega de trabalho, para o qual emprestei a obra, empolgou-se na leitura. Não era leitor ávido, mas além de ter lido o livro rapidamente, gostou da ideia e passou a procurar por outros livros, de futebol ou não, para ler em suas horas vagas. Um dos questionamentos que fiz ao final da minha monografia, na graduação, foi sobre o possível incentivo dos livros de futebol à leitura, principalmente para quem tem gosto pelo esporte, e enquanto pesquisadora em produção editorial de futebol, fiquei satisfeita com esse episódio.

Como comentado também no meu trabalho de conclusão de curso, que pode ser baixado na biblioteca do Ludopédio, é necessário e interessante que se façam estudos, até mesmo voltados para a área educacional, sobre o interesse do leitor-torcedor pelos livros de futebol, especialmente no que concerne ao processo de formação de leitores. É uma proposta que pode abranger pesquisas inéditas e avaliar de maneira factual a contribuição e o incentivo desse tipo de publicação para a leitura.


[1] Conceito utilizado por Pierre Bourdieu, em A economia das trocas simbólicas (2005).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Giulia Piazzi

É revisora de textos com muito amor pela profissão e se tornou árbitra-assistente após tanto utilizar o livro de regras como objeto de estudos acadêmicos. Especialista em Comunicação Digital e Redes Sociais (UNA), Mestra em Estudos de Linguagens e Bacharela em Letras - Tecnologias de Edição (CEFET-MG). Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagens e Artes (FULIA), da UFMG, e do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Campo Editorial (GIECE), do CEFET-MG.

Como citar

PIAZZI, Giulia. Alex, a bola e as letras: como os livros de futebol entram na vida de jogadores. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 21, 2017.
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