A memória é um elo entre o passado e o presente,

                                                                                      entre o corpo e a alma.

                                                                                        Tostão

Agora eles sabem meu nome …

Romeu Lukaku

 

O álbum é um arquivo de memória, um documento que possui uma lógica em sua organização, que produz narrativas e imagens de certo assunto. A partir desse raciocínio, incluo os álbuns de figurinhas da Copa que conservam em suas páginas memórias individuais, memórias coletivas, legendas, além de imagens de aproximadamente 704 jogadores, 32 seleções, estádios e cidades.

Desde 1970 a Pannini Group é responsável pela produção dos álbuns para cada Mundial, o primeiro foi na Copa de 70, no México, e até o momento já foram publicadas 12 edições. Colecionar figurinhas e completar o álbum se tornou algo tão importante que mesmo pessoas que não são ligadas ao universo futebolístico colecionam os exemplares. Assim, cada Mundial tem um álbum diferente, a busca pelos personagens preferidos, muitas figurinhas repetidas, grandes histórias e ídolos eternizados.

Em 2002, Aliou Cissé fez parte da célebre coleção de figurinhas do álbum FIFA WORLD CUP KOREA JAPAN. A história começava a ser tecida nas páginas daquele álbum. Tony Sylva, Lamine Diatta, Aliou Cissé e El Hadji Diouf, entre outros, foram personagens importantes para o sucesso daquela equipe e entraram para a história do futebol senegalês.

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Senegal no álbum da Copa de 2002. Foto: Reprodução.

A seleção de Senegal fez sua primeira participação na Copa do Mundo da FIFA e surpreendeu o mundo do futebol com sua atuação. Já no primeiro jogo desbancou a França, campeã em 1998. Para quem imaginava que os africanos seriam prezas fáceis naquele Mundial, os senegaleses chegaram às quartas de final, alcançando um honroso 7ª lugar na competição. Aquela seleção se tornou um time memorável, que, no comando do técnico francês Bruno Metsu, não se amedrontou diante dos adversários, mostrando um futebol alegre e ofensivo.

Depois de 15 anos os Leões de Teranga voltaram a participar de uma Copa do Mundo e o que mais chamou atenção no time senegalês foi uma figurinha de 2002, mas que agora não faz mais parte do álbum. Não é volante, nem lateral, nem mesmo capitão da equipe. Aliou Cissé, agora atua fora das quatro linhas, como técnico da seleção senegalesa.

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Cissé no comando da seleção de Senegal. Foto: RFS RU.

Em sua careira como jogador, Aliou Cissé atuou por Lille (FRA), PSG (FRA), Montpellier (FRA), Birminghan (ING), Portsmouth (ING), Sedan (FRA), Nímes (FRA) e na seleção de Senegal entre 2000 e 2009. Como técnico, estreou no comando da seleção senegalesa sub-23 em 2013 e a partir de 2015 assumiu o time principal.

Cissé se tornou um elo entre o passado e o presente, uma ligação entre as Copas da Coreia/Japão e da Rússia. Muito se discute sobre a seleção senegalesa, mas o que reúne os olhares dos torcedores é a presença de seu treinador. Seja pela questão tática que aplicou em sua equipe, pela elegância que sempre mostra à beira do gramado ou por ser o único técnico negro a comandar uma equipe na Copa do Mundo FIFA 2018.

Em um trecho da entrevista coletiva de Cissé no dia 18 de junho de 2018, publicada na página do UOL Esporte, ele comentou: “[n]a realidade, eu sou o único treinador negro neste torneio. É uma realidade dolorosa que me incomoda. Acredito que o futebol é universal e que a cor da pele tem pouca importância no jogo”, e acrescentou: “[f]aço parte de uma nova geração de treinadores que está trabalhando em boas equipes e querendo se firmar no primeiro time de treinadores no futebol internacional”. A luta contra o racismo dentro e fora de campo ganhou mais uma figurinha brilhante e é de grande importância o discurso de Cissé, pois desmascara mais uma vez a triste realidade de preconceitos e estigmas que o negro enfrenta no esporte e na vida. Torcemos por um futebol sem racismo e esperamos ansiosos por mais técnicos negros nos clubes e nas seleções.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Erilma Desireé

Graduanda do curso de Letras da UFMG bolsista de Iniciação Científica PIBIC. Recentemente, desenvolveu pesquisa sobre os hinos de clubes de futebol em Minas Gerais. Atualmente, desenvolve pesquisa sobre " Memória e Futebol no Brasil - Escritas da vida de ex-jogadores brasileiros."

Elcio Loureiro Cornelsen

Membro Pesquisador do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG.

Como citar

CONCEIçãO, Erilma Desiree da Silva; CORNELSEN, Elcio Loureiro. Aliou Cissé – Figurinha além álbum. Ludopédio, São Paulo, v. 109, n. 18, 2018.
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