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Allianz Parque e o seu Consumidor Uniformizado

Marco Sirangelo 12 de dezembro de 2019

O texto a seguir foi publicado originalmente em Janeiro/2019 no portal Nosso Palestra, mas diante dos recentes acontecimentos envolvendo o Palmeiras, permanece atual.


Como torcedor do Palmeiras, frequentemente me pego criando paradoxos que, imagino, somente o futebol permita. Quando o time esteve mal (e nesse século não foram poucas as vezes), me apegava aos poucos aspectos positivos para ter alguma esperança. Em compensação, quando estamos bem, como sem dúvidas foi o caso no começo de 2019, me pego irritado pelos poucos, mas relevantes pontos negativos que o Palmeiras me proporciona. O principal deles é a relação do clube com seu torcedor, principalmente aquele que frequenta o Allianz Parque.

Voltando um pouco no tempo, considero importante investigar os motivos que levaram o Palmeiras a modernizar o antigo Palestra. Em geral, existem dois principais fatores que justificam uma mudança em estádios — a procura por um substancial aumento nas receitas de um clube, ou para que este atenda exigências regulatórias, como por exemplo o Taylor Report, colocado em prática na Inglaterra a partir do Desastre de Hillsborough (1989), ou até mesmo o bastante discutido Padrão Fifa. Nesta primeira categoria, é importante entender quão significante é o impacto causado pelos estádios na estrutura de receitas dos clubes.

No caso do Palmeiras, como demonstra a Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol Brasileiros realizada anualmente pelo Itaú BBA, essa participação é muito relevante, com cerca de 25% do faturamento do clube diretamente relacionado com o seu estádio. Como parâmetro de comparação, nenhum dos 5 clubes mais ricos do mundo, segundo o relatório anual da consultoria Deloitte, possuem este percentual tão elevado, eles estão entre 15% e 20%. Podemos concluir que apesar do Velho Palestra ter sido o lugar mais legal do mundo, a reforma foi positiva sob o ponto de vista financeiro.

Eu disse foi, foi, fooi…foi no Palestra Itália”. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Alguns artigos acadêmicos, como por exemplo o de Noll e Zimbalist (2011), demonstram como diferentes fontes de receitas relacionadas com os estádios evoluíram através dos anos, partindo do faturamento obtido somente pela venda de bilhetes de jogos, até importantes quantias absorvidas através da venda de camarotes, concessões alimentícias e acordos de patrocínio, tais como os naming rights. O ponto crucial nesta estratégia de construção ou reconstrução de um estádio não está apenas na possibilidade de atrair um número maior de espectadores por partida (muitas vezes um local mais moderno não possui mais cadeiras disponíveis), mas em absorver de maneira efetiva o poder aquisitivo dos fãs por meio de modernas instalações e melhores experiências de compra. É exatamente isso que encontramos no Allianz Parque.

Porém, com quatro temporadas completas (e mais dois jogos em 2014 que preferimos esquecer) disputadas no novo estádio, fica claro que o modelo utilizado pelo Palmeiras para atrair seu torcedor aos jogos demonstra sinais de desgaste. Podemos inferir que durante esse período, diversos motivos levaram o torcedor palmeirense ao estádio, desde o fator novidade, ao sentimento de estar de volta à casa até para, principalmente, acompanhar o time. Hoje em dia, porém, excluindo o fato de que é na Rua Palestra Itália onde se cobra o ingresso mais caro do país, temos que passar por um arbitrário cerco, que disputa com os clássicos de torcida única para ver qual é o mais eficaz método anticoncepcional para os torcedores.

Além disso, um fator é preponderante para que o Allianz Parque permaneça cheio: o time estar disputando títulos. É verdade absoluta, quanto mais o time vence, mais gente vai ao estádio, e vice-versa. Uma prova disso é o período a partir de setembro de 2015, quando todos se deram conta de que o Campeonato Brasileiro já estava perdido (diferentemente da Copa do Brasil). Nos últimos seis jogos como mandante no estádio novo, o Palmeiras levou, em média, 23 mil torcedores, o que representou uma taxa de ocupação de pouco mais de 50%. Ainda, nas temporadas em que o time venceu o Brasileirão (2016 e 2018), essa taxa de ocupação média do estádio (somente no campeonato nacional) foi próxima a 75%, enquanto nos dois anos restantes de 68%.

Vista aérea da Arena Palmeiras. Foto: Thiago Fatichi/Allianz Parque.

É inevitável que eventualmente o time caia de rendimento. Seria irresponsável um clube bem gerido como o Palmeiras não considerar essa hipótese. Quando isso acontecer, por conta das grandes dificuldades que atualmente o torcedor do Palmeiras encontra para ir ao estádio, não é difícil supor que o público irá reduzir, talvez até de maneira drástica. Diante desse cenário, a medida mais óbvia, e que representaria uma enorme falta de respeito perante os torcedores, seria o clube abaixar os preços dos ingressos somente quando isso acontecer, algo que deixaria evidente a falta de cuidado com seus consumidores, além de ser uma decisão totalmente previsível e ultrapassada.

Naquilo que poderia ser uma atitude quase inédita, o Palmeiras tem uma chance de se antecipar a este quase inevitável cenário e não somente adequar os preços praticados, como também finalmente ouvir de verdade as queixas de seu torcedor. Um exemplo a ser seguido é o do Manchester United. Como demonstra um recente artigo do jornal Manchester Evening News, o clube inglês foi receptivo quanto a um questionamento feito por alguns torcedores, e também de figuras importantes como ex-jogadores e treinadores, quanto a atmosfera fria e sem graça do estádio Old Trafford. O clube entendeu o problema e agiu junto com um grupo de torcedores para tentar modificar esse cenário.

A realidade é que ir ao Allianz Parque ver o Palmeiras jogar está cada vez menos prazeroso, além de custar bastante, talvez mais do que o valor percebido para uma partida de futebol. E isso ficará mais evidente a medida em que o time não conseguir bons resultados. O primeiro passo para transformar essa realidade seria dialogar com os torcedores, usando, por exemplo, o Avanti como canal para isso, semelhante ao que fez o Bahia no final de 2018.

Talvez essa falta de diálogo possa ser resultado de uma política de afastamento do clube perante seus torcedores, fato ocorrido principalmente nos anos 90, década marcada pelo crescimento da violência nos estádios. Porém, é necessário superar conceitos antigos e adequar a experiência do consumidor a algo com menos barreiras e proibições. Disso, nós definitivamente já não precisamos de mais.


Referências

ANÁLISE ECONÔMICO-FINANCEIRA DOS CLUBES DE FUTEBOL BRASILEIROS — 2018, 2018. [online] Itaú BBA. [visto em 29/01/2019].

DELOITTE FOOTBALL MONEY LEAGUE 2019, 2019. [online] Deloitte. [visto em 29/01/2019].

MANCHESTER EVENING NEWS, 2019. Manchester United benefiting from improved relationships. [online]. [visto em 29/01/2019].

NOLL, R.G., and ZIMBALIST, A., 2011. Sports, jobs, and taxes: The economic impact of sports teams and stadiums. Washington D.C.: Brookings Institution Press.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Sirangelo

Marco Sirangelo é Mestre em Gestão Esportiva pela Universidade de Loughborough (Inglaterra) e Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, foi Analista de Marketing do Palmeiras entre 2009 e 2010 e Gerente de Projetos da ISG, de 2011 a 2016. Atualmente é Head de Projetos na consultoria OutField.Twitter: @MarcoSirangelo

Como citar

SIRANGELO, Marco. Allianz Parque e o seu Consumidor Uniformizado. Ludopédio, São Paulo, v. 126, n. 12, 2019.
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