Diz-se que a paixão por um clube faz com que o torcedor mova mundos e fundos. Em geral, o investimento emocional e financeiro que um apaixonado faz não encontra limites na racionalidade pois é explicado pelos sentimentos que o movem e não pelo raciocínio lógico. Embora tenha um grande fundo de verdade e várias comprovações empíricas, com o aumento de uma lógica comercial, essa maneira de se relacionar com o clube pode deixar de ser a forma dominante, abrindo espaço para um relacionamento com base em vantagens múltiplas.

Os programas de sócio-torcedor tentam fidelizar o torcedor para que os clubes possam conseguir mais estabilidade no fluxo de rendimentos provenientes desse setor. É uma ferramenta econômica para tentar minimizar os riscos e os imprevistos com receitas tão variáveis – pois num bom momento, a torcida pode encher os estádios, mas em outros jogos, o público pode ser reduzido. Mas e para o torcedor, quais são as vantagens? Com estádios quase completos e muita procura por ingressos (mesmo sendo caros), a simples garantia de ter lugares a disposição para todos os jogos da temporada já pode ser uma contrapartida suficiente. Embora essa possa ser a realidade nos campeonatos mais atraentes, nos clubes com elencos mais estelares e em cidades que recebem muitos turistas, nem sempre isso vale para todos os clubes.

Em Potugal, os clubes de futebol oferecem mais do que descontos no preço dos ingressos e garantias de lugar no estádio. Em grande parte, devido a um grande desequilíbrio no tamanho das torcidas – há uma dominação quase total entre os três grandes Benfica, Porto e Sporting -, mas também sendo influenciado pela relação com a TV, os estádios em Portugal raramente estão cheios. As visitas dos grandes são as únicas ocasiões em que os estádios dos clubes pequenos se enchem, e mesmo os grandes, em casa, com exceção dos clássicos, raramente, têm o estádio completo.

Por isso, o Benfica – e que depois foi seguido pelos outros clubes – passou a oferecer o “Kit Sócio” que dá acesso uma espécie de cartão de fidelidade para o torcedor. Para obtê-lo, é preciso pagar um valor base (25 euros no caso do Benfica para o Kit Sócio), e depois mensalidades de acordo com o tipo de plano escolhido. Além da oferta de produtos e bilhetes para jogos, o cartão permite o desconto nos ingressos, prioridade em alguns jogos e o que chama mais atenção: descontos com empresas parceiras. No caso do Benfica, destacam-se: 6% de desconto nas contas de luz, descontos no abastecimento de combustível e na compra de passagem áreas da patrocinadora do clube, dentre outros.

Kits_benfica
Kits do Benfica.

Assim, os torcedores recebem uma contrapartida direta pelo investimento feito no clube. Além do tempo e dos sentimentos colocados na sua relação com o clube, a parte financeira pode ser vista como uma escolha racional: ao mesmo tempo que está contribuindo diretamente para os cofres do clube, e assim poderá torcer por uma equipe com mais capacidade de conquistar títulos, o torcedor também tem um retorno mais palpável que apenas a felicidade de possíveis vitórias. Dessa forma, torcer poder ser uma ação tanto emocional, como racional.

Programas de sócio-torcedor que ofereçam um lugar garantido ainda está de acordo com visão do torcedor apaixonado que quer estar presente no estádio, pois esse é o seu lugar. Porém, ao oferecer outras vantagens que não estão ligadas ao clube, estabelece-se uma nova racionalidade em uma relação que antes era suposto ser baseada no sentimento pelo clube. Na medida em que os clubes adotam uma forma de operar mais econômica e mais próxima de empresas, também o torcedor altera a forma de encarar a relação com o clube.

Texto originalmente publicado no blog História(s) do Sport e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fernando Borges

Formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFRJ, mestre em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra e doutorando em Comunicação na Universidade Pantheon-Assas, em Paris, fez do esporte – principalmente o futebol – parte importante da sua trajetória profssional, porque acredita que é preciso gostar do que se faz.

Como citar

BORGES, Fernando. Amor ao clube ou ao bolso?. Ludopédio, São Paulo, v. 79, n. 6, 2016.
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