91.13

Amor, treinadores, mitos e outras drogas

Leandro Marçal 30 de janeiro de 2017

É difícil definir o acerto de Rogério Ceni como novo treinador do São Paulo.

Não entendi nem absorvi direito esse anúncio, como ainda não compreendo esse 2016 maluco.

Nem é pelo fato de ser uma incerteza, por ser bizarra uma demissão a duas rodadas do fim de mais um campeonato medíocre do tricolor, ou por qualquer outra das intermináveis pataquadas que o clube têm se acostumado a se meter nos últimos (lamentáveis) anos de sua História.

Complicado é entender até que ponto a cartada é um tiro no escuro, tiro no pé, visão de futuro ou tentativa de blindar a diretoria.

Ok, ao menos a última alternativa é unanimidade entre os leitores de bom senso, acredito eu.  Colocar o maior ídolo das últimas décadas no banco de reservas servirá para, em ano de eleições, ter um forte argumento caso haja mais um ano de fracassos deprimentes: “fizemos tudo o possível, até a camisa do treinador foi a 01, paciência”. Ponto para eles.

Entender o que leva um ícone com aura tão gigantesca como Rogério Ceni a aceitar seu ex-(único) clube para um desafio tão ingrato é o que me intriga. Será que ele pensa que não corre o risco de ser covarde e precocemente demitido como acontece por essas bandas em caso de má campanha? Não há receio de manchar tão longa história pelo tricolor em troca de uma massagem de ego dessas? Seria ele tão bom como técnico, a ponto de tirar o time dessa inércia, fato que mal conseguiu ajudar nos últimos anos em campo?

Sinceramente, ainda não sei.

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Rogério Ceni ainda como goleiro do São Paulo. Foto: Ideário Café/Vipcomm.

Vejo essa aposta como semelhante àquela última atitude para salvar um casamento à beira do fim. Quando ele ou ela tenta uma cartada final, dessas que pode despertar um pouco daquele amor escondido no coração do cônjuge que mais parece um desconhecido.

A relação torcida-time não anda das melhores há algum tempo, hoje beira o descaso.

Era nítido que cedo ou tarde Rogério ocuparia o lugar de treinador no São Paulo, mas por que tão cedo, por que logo de cara no clube em que fez história?

Admiro sua coragem, confesso. Coragem por colocar em risco tudo o que fez, já que a última impressão é a que fica. Assim como suas defesas viraram DEFESAS e seus frangos eram FRANGOS com o passar dos anos, o agora TÉCNICO necessita estar preparado para DERROTAS, COBRANÇAS e um PESO do tamanho do mundo na nova função.

Como sempre deveria ser – e nunca o é –, precisa-se dar tempo, ter paciência e não pré-julgar o trabalho do ex-goleiro antes da hora.

Alguém acredita que cartolas farão isso, mesmo com o ídolo do clube? Eu não.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Amor, treinadores, mitos e outras drogas. Ludopédio, São Paulo, v. 91, n. 13, 2017.
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