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Apelido é coisa do passado

Rafael Miguel 12 de dezembro de 2018

Imagine a jogada… “Carlos Caetano recebe no meio, encontra Cláudio Ibraim na esquerda, que cruza para Paulo Sérgio Rosa fazer o gol…” O lance é fictício, mas poderia muito bem ter acontecido durante a Copa do Mundo de 1994. É isso mesmo, você pode não ter reconhecido nenhum destes nomes, mas eles estavam nos Estados Unidos e foram tetra campeões mundiais com a Seleção Brasileira.

Carlos Caetano na verdade é o capitão Dunga, que ergueu a taça do título; Cláudio Ibraim é o lateral esquerdo Branco, autor de um emblemático gol, que foi fundamental na dura semifinal diante da Holanda, e Paulo Sérgio Rosa foi reserva da poderosa dupla de ataque Bebeto e Romário, o folclórico Viola.

Estes são apenas alguns exemplos de jogadores brasileiros que ficaram famosos não com o seu nome de nascimento, e sim, com algum apelido. Em muitos casos essas alcunhas tornaram a marca do atleta, ou seja, apareciam nas escalações oficiais, nas camisas de jogos e, algumas vezes, fizeram até os torcedores mais fanáticos não saberem o verdadeiro nome do próprio ídolo.

Existe no imaginário coletivo a ideia de que os apelidos estão desaparecendo do futebol moderno. Como diz o divertido Vampeta em uma propaganda de cerveja, “hoje em dia eu não seria Vampeta, seria Marcos André”, explica ao lado da dupla Maravilha, Túlio e Dadá. Entre as explicações para esse possível desaparecimento dos apelidos dos jogadores do futebol brasileiro podem ser citados a onda cada vez maior do politicamente correto e, principalmente, a transformação de atletas em mercadorias de exportação para o exterior.

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Dessa forma, os apelidos estão sendo substituídos cada vez mais pelos pomposos nomes compostos, o que facilita nas precoces vendas dos atletas para a Europa. Há clubes que, inclusive, orientam jogadores a trocarem seus nomes esportivos, quando acreditam, que ele pode causar preconceitos em relação ao atleta e atrapalhar em uma negociação ou até mesmo em sua carreira dentro do clube.

Por isso, existem jogadores que surgiram no futebol com um apelido, mas que foram forçados a mudarem para seu próprio nome. Um exemplo é o atacante Lucas, que iniciou sua carreira no São Paulo como Marcelinho, apelido que ganhou quando atuava na escolinha do ídolo corintiano Marcelinho Carioca. Logo que se tornou profissional o atacante teve que alterar para seu nome de nascimento. Após se transferir para o velho continente, apenas o primeiro nome não foi suficiente e o atacante ainda precisou adicionar o seu sobrenome, se transformando em Lucas Moura.

O atacante Gabriel Jesus, antes conhecido como Borel nas categorias de base do Palmeiras passou pelo mesmo processo. Já o ex-zagueiro do Santos, Robson Bambu, chegou a pedir para que o codinome fosse trocado para seu sobrenome, Alves, mas por orientação do técnico Cuca, acabou retornando com o Bambu.

Se observarmos os apelidos dos atletas brasileiros, veremos que é possível fazer uma subdivisão entre eles: o primeiro caso são daqueles que advém do próprio nome de nascimento dos atletas e aí se destacam aqueles no diminutivo: Juninho, Marcelinho, Pedrinho, Rogerinho. Outro caso muito comum são aqueles com ligações com regiões do Brasil, exemplos de Marquinhos Paraná, Pará, Lucas Paquetá e Mineiro.

Existem também as nomenclaturas que foram dadas em homenagem a algum jogador que já havia feito sucesso no passado. O caso mais célebre é a legião de “Amarais” que se formou no futebol brasileiro. Nos anos 70 e 80 surgiu um zagueiro com passagem por Corinthians, Santos e Guarani. João Justino Amaral dos Santos, mais conhecido simplesmente como Amaral, disputou a Copa de 1978 e inspirou outros atletas a carregarem este nome.

Na década de 90 surgiu o volante Amaral, “o coveiro”, que na verdade nasceu como Alexandre da Silva Mariano, mas que pela semelhança física com o Amaral anterior ganhou o apelido que carregou durante sua carreira. O volante ficou ainda mais famoso do que o seu antecessor e até hoje é comum vermos surgir algum volante, negro, com porte físico semelhante, que também carrega o apelido de Amaral. No Campeonato Brasileiro desta temporada, por exemplo, houve um Amaral, nascido como Willian José de Souza, atuando pela Chapecoense.

Já o tipo de apelido que mais causa curiosidade e simpatia nos torcedores são aqueles que geralmente vem da infância ou do tempo de categoria de base do jogador. Normalmente é atrelado a alguma característica física, atividade que o atleta fazia, personagem famoso ou até mesmo, em alguns casos, são simplesmente inexplicáveis. Estes apelidos muitas vezes são engraçados e são os que os torcedores mais se identificam: Hulk, Caça-Rato, Cláudio Pitbull, Marquinhos Cambalhota, Valdir Bigode, Pikachu, Gum, Grafite e Obina são alguns destes casos.

Dunga e Cafu. Dos 5 capitães brasileiros que ergueram a Copa do Mundo, 2 tinham apelidos.

Para uma comparação de épocas, buscando entender se há realmente esse fenômeno do desaparecimento dos apelidos através dos anos, foi realizado uma pesquisa com as delegações que representaram o Brasil em Copas do Mundo. Será que essa ideia de que os apelidos diminuíram é real? Para termos um parâmetro sobre o assunto, foram pesquisados 8 elencos canarinhos, os das Copas de 1950, 58, 70, 82, 94, 2002, 2014 e 2018. Será que se olharmos para a nossa seleção, estes apelidos estão realmente desaparecendo?

Somando os jogadores destas 8 seleções brasileiras, temos um total de 179 jogadores, com 62 deles tendo sido anunciados na convocação oficial com um apelido, o que dá cerca de 35% do total. A primeira impressão constatada é a de que não há uma progressão no número de apelidos, já que o escrete campeão de alcunhas é o do tetra de 1994, que teve 12 dos seus 22 convocados identificados através de algum apelido. São eles: Zetti, Jorginho, Ronaldão, Branco, Bebeto, Dunga, Zinho, Cafu, Mazinho, Muller, Ronaldinho e Viola.

Por outro lado, no primeiro mundial pesquisado, a Copa de 1950, apenas 7 jogadores carregaram algum apelido oficialmente: Nena, Bigode, Adãozinho, Baltazar, Chico, Maneca e Zizinho. Portanto, a ideia de que houve uma diminuição linear de apelidos através dos anos é falsa, pelo menos quando pensamos no período entre 1950 e 2002.

Por outro lado, os dois últimos mundiais mostraram uma grande diminuição dos apelidos, provando que essa queda no número de codinomes é um fenômeno recente. Na Copa de 2014, no Brasil, foram apenas 5 brasileiros nesta situação: Fernandinho, Hulk, Paulinho, Fred e Jô. Já no mundial da Rússia, este número caiu para 3: Marquinhos, Fernandinho e Fred.

Como mostra o gráfico acima, entre as Copas pesquisadas no período de 1950 a 1982, a variação foi pequena, sempre se mantendo entre 7 e 9 apelidos por escrete. Já nos mundiais de 1994 e 2002 houve um salto para 12 e 10 alcunhas, respectivamente, caindo vertiginosamente nas duas últimas Copas disputadas. A conclusão da pesquisa é de que tivemos uma década de 90 e começo dos anos 2000 ainda bastante rica em apelidos, mas que realmente no futebol atual eles estão perdendo espaço para os nomes de nascimento. Os filhos e netos daqueles que tiveram como ídolos craques como Pelé, Garrincha ou Zico, muito provavelmente vão contar histórias no futuro sobre Neymar Junior, Phillipe Coutinho ou Roberto Firmino.

Se os mais saudosos ficam ressentidos pelas perdas dos apelidos, que davam ainda mais graça ao futebol brasileiro, esse parece ser um caminho sem volta, diante de diversos passos que estamos acompanhando para uma espécie de “gourmetização” do esporte bretão jogado no Brasil, que transforma estádios em arenas, torcidas em plateias e apelidos em nomes compostos.

Confira os apelidos das seleções brasileiras nas Copas do Mundo pesquisadas:

    COPA DO MUNDO

                                     

                                 APELIDOS

 

              1950Nena, Bigode, Adãozinho, Baltazar, Chico, Maneca e Zizinho.

 

              1958

 

Didi, Oreco, Pelé, Garrincha, Mazzola, Zito, Vavá, Dida e Pepe.

 

              1970

 

Ado, Zé Maria, Paulo Cézar Cajú, Jairzinho, Tostão, Pelé, Edu e Dadá Maravilha

 

             1982

 

Luizinho, Toninho Cerezo, Serginho Chulapa, Zico, Juninho, Edinho, Pedrinho e Roberto Dinamite

 

             1994

 

Zetti, Jorginho, Ronaldão, Branco, Bebeto, Dunga, Zinho, Cafu, Mazinho, Muller, Ronaldinho e Viola

 

             2002

 

Cafu, Lucio, Ricardinho, Ronaldinho Gaúcho, Dida, Junior, Vampeta, Juninho Paulista, Luizão e Kaka

 

            2014

 

 

Fernandinho, Hulk, Paulinho, Fred e Jô

 

           2018

 

Marquinhos, Fernandinho e Fred

 

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Rafael Miguel

Jornalista e radialista, formado em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Como citar

MIGUEL, Rafael. Apelido é coisa do passado. Ludopédio, São Paulo, v. 114, n. 13, 2018.
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