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Apontamentos sobre álcool e outras drogas no futebol: um panorama

Amarildo da Silva Araujo 6 de abril de 2022

Pretendo elencar algumas considerações a respeito da relação entre o futebol e o uso de álcool e outras drogas.  Em uma perspectiva mais ampla esta relação pode estar presente em diversos lugares e ser vista com diferentes olhares; por exemplo, no futebol amador, no torcedor comum, nas torcidas organizadas, nos grupos de pelada, nos estádios, nos jogadores profissionais, dentre outros.

A droga para a Organização Mundial de Saúde[1] é qualquer substância não produzida pelo organismo que pode atuar sobre o sistema nervoso central, provocando alterações no seu funcionamento. A construção do conceito sobre esse objeto varia de acordo com a perspectiva de cada área do conhecimento. Nestes apontamentos serão utilizados os parâmetros das áreas médica e jurídica, classificando as drogas em legais (tabaco e bebidas alcoólicas) e ilegais (entorpecentes/narcóticos).

É de conhecimento público que o futebol amador e outras formas recreativas/lazer deste jogo/brincadeira envolve um número superior de praticantes em relação ao profissional. Quem já esteve presente no futebol de várzea, nos campos de terras de bairros, nas peladas nos clubes sociais/esportivos, nas quadras de aluguel de piso sintético, cimento ou areia, teve a oportunidade de perceber a proximidade entre o futebol amador/recreativo e as bebidas alcoólicas, sobretudo após as partidas, em que os jogadores e o público consumem bebidas alcoólicas, fazendo a tradicional “hora da resenha” como se fosse uma celebração dos jogos.

Ainda no contexto do futebol amador/recreativo ocorre o uso indiscriminado do tabaco. Geralmente, esses espaços não possuem avisos que indicam a proibição de fumar. No que diz respeito aos jogadores fumantes, eles estão sujeitos a pequenas repreensões ou nenhuma, é comum fumar de acordo com o seu hábito, que muitas vezes pode ocorrer antes, nos intervalos ou depois do término das partidas.

Sócrates
Eduardo Suplicy, Sócrates, Marta Suplicy, Lula e Adilson Monteiro Alves nos anos 80. O Magrão com seu inseparável cigarro. Fonte: Divulgação

Nessa prática não profissional, drogas ilegais como a maconha e a cocaína são consumidas dependendo do contexto, ora jogadores, torcedores e assistentes fazem uso explícito, ora o consumo é velado. Uma hipótese para esse fato, pode ser devido aos mecanismos de controle e fiscalização serem limitados ou inexistentes em determinados locais onde se pratica esse futebol. Sendo assim, parece haver um convívio conveniente entre esse futebol e o uso recreativo de drogas.

No âmbito profissional a combinação futebol e drogas sofre uma intensa reprovação, mas nem sempre foi assim. O cigarro, por exemplo, foi um símbolo de elegância, status e concedia ao fumante o aspecto de ser um sujeito moderno. No passado, jogadores consagrados como Didi e Ademir da Guia eram fumantes que exibiam publicamente o vício com notoriedade.

Gérson,[2] integrante da Seleção Tricampeã de 1970 e hoje comentarista esportivo, é certamente o caso mais emblemático sobre o tabagismo no futebol brasileiro. Em 1976 após encerrar carreira, ele foi contratado por uma agência de publicidade como garoto-propaganda devido ao seu declarado apreço pelo fumo, chegando a fumar antes, no intervalo e após as partidas. A extinta marca de cigarro Vila Rica, após o uso da imagem do jogador, teve um crescimento nas vendas que foi um sucesso, mas a sua atuação ficaria marcada pela polêmica frase: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!” Essas palavras foram atreladas de modo pejorativo ao discurso do famoso “jeitinho brasileiro”, que ficou conhecida como a “Lei de Gérson”. Hoje não passa de retórica, pois ele sempre foi conhecido por ter uma reputação integra, porém ele reconhece que “pegou mal” para a sua imagem na época. Essa Lei, que em sua origem não é fruto das palavras do ex-jogador, mas de péssima marca que está presente em nossa sociedade, tem sido rechaçada e combatida cada vez mais em nosso país. 

Apesar dos malefícios físicos causados pelo tabagismo e toda orientação sobre os riscos no esporte e na vida social, ainda temos jogadores em atividade com esse hábito. O que se pode afirmar é um cerco e a recusa aos atletas fumantes, tornando cada vez maior o enfrentamento médico e social a esse vício. Portanto, é cada vez mais evidente que não há mais espaço para o tabagismo na vida dos jogadores profissionais, gerando um desgaste para a sua imagem, que pode ser até mais negativo que o consumo do álcool.

No que se refere ao consumo de bebidas alcoólicas, é possível levantar um rol extenso de ex-jogadores que morreram[3] em decorrência de complicações agravadas pelo álcool. Entre eles: Garrincha (49) Botafogo; Jorge Mendonça (51) Palmeiras; Marinho Chagas (62) Botafogo e São Paulo e; Sócrates (57) Corinthians foram alguns nomes com passagem pela Seleção Brasileira.

Garrincha
Foto: Divulgação

Ex-jogadores com carreira no Brasil e no exterior como: Cicinho Atlético-MG, São Paulo, Real Madrid e Roma e; Adriano O Imperador Flamengo, Parma e Internazionale, entre muitos outros, apresentaram problemas com alcoolismo e tiveram suas carreiras abreviadas. Porém, há casos de superação. Jô, atualmente no Corinthians,[4] afastou-se das bebidas e diz que “está limpo”, apegou-se a religião para mudar a vida incompatível com o alto rendimento.

Em se tratando de drogas ilegais,[5] elas também marcaram a carreira de muitos jogadores. Exemplos não faltam como o de Casagrande que passou por internação e sofreu por anos com a dependência química, Dinei flagrado no exame antidoping (cocaína) quando atuava no Curitiba, Jobson apresentou diversos envolvimentos com álcool, cocaína e crack, Jardel do Grêmio usou de cocaína.

Outras drogas ilegais que não são classificadas como entorpecentes, sendo fármacos de prescrição médica[6] para as pessoas comuns, são consideradas doping para os jogadores profissionais. Alguns jogadores tiveram problemas na sua carreira; como:  Romário que em 2007 foi suspenso por 120 dias, substância finasterida, encontrada nos remédios para calvície. O atacante reconheceu o uso do remédio e teve a pena anulada; Dodô em 2007, a substância femproporex, uma anfetamina presente em remédios utilizados para emagrecimento; Walter pego com sibutramina, substância comum em remédios para emagrecimento e; Carlos Alberto que atuava no Vasco em 2013, acusou substâncias que não trazem benefícios no esporte (hidroclorotiazida e carboxi-tamoxifeno), porém podem mascarar outras substâncias ilegais, ficou um ano sem jogar.

O astro argentino Diego Maradona[7] era tipicamente um dependente “cruzado”, foi usuário de charuto, maconha, álcool, cocaína e outras drogas.  No Napoli em 1991, Maradona testou positivo para cocaína e na Copa do Mundo de 1994 foi flagrado com a substância efedrina (usada para queima de gordura e melhoria da capacidade respiratória) e mais quatro fármacos. Provavelmente foi o caso de maior repercussão de doping no esporte. Faleceu em 2020 com diversas complicações advindas das drogas.

Maradona
Doping Maradona na Copa de 1994. Fonte: Reprodução El Gráfico

Quanto aos torcedores tabagistas, eles estão presentes e ativos nas dependências dos estádios. É notório, principalmente nos jogos de maior público o odor da fumaça de cigarro. Mesmo com a proibição do mesmo, ainda há torcedores que não respeitam essa determinação e fumam durante as partidas. Sobre a maconha, é comum ouvir frequentadores dos jogos comentarem sobre o seu uso de modo “supostamente” velado nas dependências dos estádios, além da presença do cheiro característico da canabis ser algo próximo ao habitual nos jogos.

No Estado de Minas Gerais, uma das atribuições da Comissão de Monitoramento da Violência em Eventos Esportivos e Culturais – COMOVEEC[8] é coibir o uso de drogas ilícitas nos estádios. Isso demonstra que o poder público está ciente dessa situação e manifesta a sua preocupação com a presença dessas substâncias nos jogos.

Resumidamente, a respeito da venda de bebida alcoólica (cerveja) nos estádios de futebol é uma polêmica e ainda há muito a ser investigado, sobretudo a história desse objeto nesses locais, o costume e a legislação. Sabe-se que comercialização varia de acordo com a legislação estadual. Em Minas Gerais a venda e o consumo já foram livres (vale lembrar da cachaça que “rolava” nas charangas), houve a proibição total e hoje tem o comércio regulado (Lei 21.737/2015)[9] até o intervalo das partidas.

Uma maneira de poder consumir bebida alcoólicas sem restrições durante os jogos é assistir nos bares e restaurantes da cidade. Essas “arquibancadas de boteco” cada vez mais têm sido adequadas para receber a concentração de torcedores, transformando esses espaços em um clima dos estádios com camisas do clube, cantos, xingamentos, bandeiras e outros símbolos. Isso, dentre outros comportamentos demonstra uma estreita relação cultural entre o hábito de consumir bebidas e o futebol.

Enfim, as ciências da saúde têm sido o fundamento para determinar os parâmetros do que é droga e o que não vem a ser no meio do futebol e a ciência jurídica tem se destinado a ilegalidade da mesma. Na esfera amadora/recreativa pode-se observar que os jogadores, torcedores e assistentes possuem uma “permissividade” para com o consumo de drogas legais e ilegais, sendo o indivíduo e o ambiente social o fator normativo. Já no meio profissional, sobretudo os atletas, são controlados com os padrões da ciência e sob o olhar atento dos torcedores, da imprensa e do staff dos clubes, tanto das drogas licitas, quanto das proibidas. Além disso, o consumo de drogas ilícitas por torcedores nos estádios e no seu entorno é um fato de conhecimento do poder público, tanto que criou e integra uma comissão que trata desse assunto.

Notas

[1] http://www.fai.com.br/portal/pibid/adm/atividades_anexo/74df176f30bca479a211a121bfbc6a40.pdf

[2] https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121938034/a-hipocrisia-e-o-estigma-da-lei-de-gerson-archimedes-marques ou https://www.youtube.com/watch?v=FMGG-EQuGw4

[3] https://www.alcoolismo.com.br/alcoolismo-e-futebol-veja-7-jogadores-que-ja-enfrentaram-essa-doenca/

[4] http://ge.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/2016/10/ex-parceiro-de-r10-nas-baladas-jo-se-converte-e-revela-drama-com-alcool.html

[5] https://esporte.ig.com.br/futebol/2021-05-07/ex-sao-paulo–casagrande–dinei–relembre-jogadores-que-se-envolveram-com-drogas.html.ampstories e https://www.gazetaesportiva.com/institucional/relembre-6-casos-de-doping-de-jogadores-brasileiros-no-seculo/

[6] https://www.gazetaesportiva.com/institucional/relembre-6-casos-de-doping-de-jogadores-brasileiros-no-seculo/

[7] https://mundoeducacao.uol.com.br/biografias/diego-maradona.htm ou https://www.cnnbrasil.com.br/esporte/quem-foi-diego-maradona/

[8] http://www.seguranca.mg.gov.br/servicos/page/418-comoveec-comiss

[9] https://leisestaduais.com.br/mg/lei-ordinaria-n-21737-2015-minas-gerais-dispoe-sobre-a-comercializacao-e-o-consumo-de-bebida-alcoolica-nos-estadios-de-futebol-localizados-no-estado-e-da-outras-providencias

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Amarildo Araujo

Professor de Educação Física, Mestre em Estudos do Lazer e membro do Grupo de Estudos de Futebol e Torcidas GEFuT).

Como citar

ARAUJO, Amarildo da Silva. Apontamentos sobre álcool e outras drogas no futebol: um panorama. Ludopédio, São Paulo, v. 154, n. 8, 2022.
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