150.15

Arerê, o Grêmio vai jogar a Série B

Henrique Moretto 11 de dezembro de 2021

Uma da manhã. Acabo de chegar em casa da Arena do Grêmio. Estava entre os 34 mil gremistas que acreditaram que o bordão da imortalidade daria conta de nos salvar. Como sócio, não paguei nada pelo ingresso – não sócios pagaram 20 reais. Mesmo no Z4 desde a segunda rodada do campeonato, foi a primeira promoção massiva de ingressos organizada pelo clube. Sim, na última rodada e já praticamente rebaixado. Dá pra se dizer que funcionou. Empurrado por uma torcida excessivamente otimista pela quase totalidade dos 90 minutos, o time apresentou uma atuação acima da sua média e venceu.

Douglas Costa. Foto: Lucas Uebel/Grêmio.

 

Torcedor é um bicho engraçado. O entorno da Arena antes do jogo era de festa. Parecia que nem se passava pela cabeça dos viventes que o pior poderia acontecer, apesar dos 96% de probabilidade. Depois do jogo, o estádio demorou a esvaziar. Ficamos lá, chorando, cantando o hino do clube, xingando do roupeiro ao presidente e prometendo que ano que vem voltaríamos para xingar mais.

A Arena do Grêmio é um estádio interessante. Ela foi construída no meio de três bairros populares de Porto Alegre. É do lado da vila mesmo – ao contrário do Beira Rio, que fica em uma zona nobre da cidade. Ainda assim, ela tem uma esplanada suspensa (muito bonita, por sinal). Não fica na altura da rua. Para entrar na Arena, primeiro é necessário subir na esplanada por alguma das rampas de acesso. 

Ironia para o que aconteceria com um clube que por tantas vezes se colocou acima da sua torcida?

Pra quem viu, há não muito tempo, seu clube do coração ser tri-da-América, o tri-rebaixamento é um momento doloroso, evidentemente. Mas o reencontro do tri-color com a Série B me traz mais memórias “tris” do que ruins, por incrível que pareça. 

Na tarde do dia 26 de novembro de 2005 eu tinha 9 anos e estava em uma festa de aniversário, não lembro de quem, em um grande condomínio popular, não lembro onde. Eu tinha ido com a minha mãe e minha irmã, mas meu pai não tinha ido junto, porque “tinha um jogo muito importante do Grêmio”.

Apesar de, na época, não entender de futebol, nem me importar muito – mesmo com os esforços constantes do meu pai para tentar me convencer da importância do Grêmio -, naquele dia era possível sentir que tinha algo diferente no ar. Todos estavam dentro das suas casas. Janelas abertas, televisores e aparelhos de rádio em alto volume e uma tensão silenciosa que só era quebrada vez ou outra por gritos referentes ao jogo. Mas, via de regra, reinava o silêncio das pessoas. Era como se todos os gremistas formassem um só corpo que estava totalmente atento ao jogo – e TENSO, como se suas vidas dependessem daquilo. Hoje eu entendo que, de certa forma, dependiam mesmo (naquele dia, especificamente, o que estava em jogo era a própria continuidade do clube como o conhecemos).

Eu estava entediado, já que não tinha nenhuma criança da minha idade no aniversário, perambulando pelas ruas vazias do condomínio quando, após ouvir algumas lamúrias, fui surpreendido por uma gritaria generalizada. De uma janela, deu pra ouvir a pergunta:

“Amor, o Grêmio fez gol?”

De outra janela – ou talvez da mesma -, veio a resposta:

“Defendeu!”

Era Galatto pegando o pênalti que tiraria o Grêmio da segunda divisão do futebol brasileiro.

Aquilo capturou minha atenção e comecei a olhar o jogo na televisão através de uma das janelas abertas. Logo em seguida veio o gol do Anderson. E depois o apito final. Pais e filhos, irmãos, casais, avós e netos – famílias inteiras deixando as suas casas e se reunindo na rua em um festival azul, preto e branco da mais pura baderna. Uma explosão de energia e alegria como eu nunca antes tinha visto. Vizinhos que possivelmente se odiavam estavam se abraçando e compartilhando cerveja e jogando cerveja para cima e jogando cerveja uns nos outros.

Aquele momento foi um divisor de águas, tanto na história do Grêmio quanto na minha. Ali, pela primeira vez na vida, eu começava a entender por que meu pai via tanta graça em, como se diz por aí, “um monte de homem correndo atrás de uma bola”.

Diego Souza
Diego Souza comemora gol contra o Atlético Mineiro. A vitória do Grêmio por 4 a 3 não livrou o tricolor do rebaixamento. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

De 2005 para 2021, muita coisa mudou – no futebol e fora dele. Mas um clube com arena moderna, CEO, a quarta maior folha salarial do país, quinto elenco mais caro e salários e contas em dia acaba de ser rebaixado. O que faltou? Talvez o desastre que acabou de acontecer faça os donos do esporte entenderem a importância de se trazer o torcedor para o centro de todos os processos do clube. Que o rebaixamento de divisão também represente um “rebaixamento” do Grêmio do seu pedestal. Ou da sua esplanada.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Como citar

MORETTO, Henrique. Arerê, o Grêmio vai jogar a Série B. Ludopédio, São Paulo, v. 150, n. 15, 2021.
Leia também:
  • 178.19

    Atlético Goianiense e Vila Nova – Decisões entre clubes de origem comunitária

    Paulo Winicius Teixeira de Paula
  • 178.17

    Onde estão os negros no futebol brasileiro?

    Ana Beatriz Santos da Silva
  • 178.15

    Racismo no Futebol: o golaço do combate ao racismo pode partir do futebol

    Camila Valente de Souza