69.3

Arquibancada vazia

João Paulo Vieira Teixeira 12 de março de 2015

No mundo esportivo, pouca coisa me incomoda mais do que um estádio vazio. Consigo assistir a uma partida de péssima qualidade técnica, desde que exista uma atmosfera interessante nas arquibancadas. Por outro lado, nenhum grande jogo será um verdadeiro espetáculo se não houver plateia. Porém, a última década fez com o Brasil se acostumasse a estádios vazios. Atualmente, comemoramos públicos de 15 mil pessoas, mesmo se um grande clube estiver em campo.

Não proponho discutir as causas dos estádios estarem às moscas. Isso a imprensa tem feito com frequência. Apesar de muitas reportagens, relatórios e levantamentos estatísticos, poucas medidas são colocadas em prática. Clubes e federações que organizam os campeonatos parecem não se empenhar para mudar a situação. O deslocamento do torcedor da arquibancada para o sofá é assunto antigo, mas atualmente soa como algo irreversível. Os motivos podem ser os altos preços dos ingressos, a violência, a inflação, a baixa qualidade do futebol atual, o horário dos jogos, o calor, o inverno, o péssimo transporte público, a proibição da cerveja, a praia ou a segurança do shopping. O torcedor lança mão de qualquer um desses discursos para justificar sua ausência naquele que poderia ser quase um compromisso semanal.

O curioso é que todos esses problemas são rapidamente esquecidos quando chega a hora de uma final de campeonato, um clássico ou um jogo decisivo. Nessa hora, todas as dificuldades são esquecidas e queremos estar com o nosso time. Acredito, portanto, que a paixão não acabou ou sequer diminuiu. E sigo sem entender o porquê de nos afastarmos.

Durante muito tempo, a desculpa fora a péssima infra-estrutura dos estádios brasileiros. Embora essa ainda seja uma realidade em vários partes do Brasil, após a Copa do Mundo, ao menos 12 das principais capitais do Brasil, têm estádios com padrão europeu. Imaginávamos que esses estádios poderiam ser um fator para levar mais público. Um ano depois, fracassamos. Passada a euforia, muita gente já conheceu os estádios novos, alguns entraram num campo de futebol pela primeira vez. No entanto, poucos voltaram.

Grenal
Colorados e gremistas juntos no Gre-Nal realizado no Beira-Rio. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

No último fim de semana, Grêmio e Internacional jogaram no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, pelo Campeonato Gaúcho. A partida é cercada por um histórico de violência fora do campo. Em função disso, os cartolas resolveram que este seria o “clássico da paz”. Em um setor com capacidade para 2 mil pessoas, cada sócio-torcedor do Inter teve direito a comprar um ingresso para um acompanhante gremista. A ideia era demonstrar que os torcedores rivais poderiam assistir ao clássico em harmonia e deu certo. Pelo menos naquele setor, nenhum problema foi registrado. Do lado de fora, outro grupo de gremistas entrou em confronto com a polícia e com adversários colorados.

A iniciativa parece válida. Algumas linhas acima, criticamos a inércia dos dirigentes que pouco fazem para trazer públicos aos estádios. Portanto, experimentos como esse são muito bem-vindos. Só peço que não me convidem para assistir a um jogo ao lado do meu rival. Enquanto a bola rola, prefiro torcer e acreditar que posso ajudar meu time de alguma maneira. Acho que fazer isso, ombro a ombro com um rival é um pouco desconfortável. Mas depois do apito final, nada contra dividir uma cerveja. Na prática, a única coisa que me preocupa nesse episódio é que um modelo de torcer acabe perdendo espaço nos estádios, em detrimento de uma plateia mais comportada.

No fim das contas, fica o receio de que possa estar em curso uma tentativa de limitar o acesso do torcedor tradicional aos estádios modernos. Mesmo sem conseguir comprovar se isso está acontecendo, o fato é que a estratégia está dando errado, afinal, sobram cadeiras vazias. Os novos torcedores convidados a participar da festa não aceitaram o convite e só confirmam presença quando o evento é realmente importante.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

TEIXEIRA, João Paulo Vieira. Arquibancada vazia. Ludopédio, São Paulo, v. 69, n. 3, 2015.
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