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As seleções proibidas da Espanha: Galícia

Victor de Leonardo Figols 8 de outubro de 2018

No último texto da série As seleções proibidas da Espanha, contaremos a história de Seleção Galega.

O contexto da região explica, em parte, o surgimento do futebol na Galícia, e de sua seleção nacional. Nos anos 1910 e 1920, a Galícia passava por um rápido crescimento econômico acompanhando de um desenvolvimento urbanístico, concomitantemente, o nacionalismo galego começava a ganhar forma. Dentro desse contexto de desenvolvimento, o futebol surgia como algo moderno, capaz de colocar a Galícia em outro patamar dentro da Espanha. Os clubes Real Club Deportivo de La Coruña (1906) e Real Club Celta de Vigo (1923) nasceram dentro deste contexto.

Com o interesse no futebol cada vez maior, somado ao nacionalismo galego, que ganhava força, o primeiro selecionado galego se reuniu para disputar o Campeonato Interregional, também conhecido como Copa del Príncipe de Asturias, em 1923. Seguindo o caminho trilhado por Catalunha e País Basco, que já possuíam suas seleções nacionais.

Entre 1923 e 1924, a Seleção da Galícia disputou quatro partidas com caráter oficial, todas em competições organizadas pela Federação Espanhola de Futebol, em que reunia seleções regionais. Na primeira competição que disputou, os galegos ficaram com um vice-campeonato, do Campeonato Interregional e a edição seguinte, foram eliminados nas quartas de final. De todo modo, o futebol florescia na Galícia, com o desenvolvimento econômico fora de campo e o entusiasmo causado pela seleção nacional o clube Celta de Vigo foi fundado. Ainda no período, a Galícia enfrentou a Seleção de Lisboa, este foi dos poucos encontros internacionais da Seleção Galega.

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A bandeira oficial da Galícia.

Até os anos 1930, a Seleção Galega não participou das competições inter-regionais, e disputou apenas jogos amistosos. Os galegos enfrentaram a Seleção da Andaluzia e Astúrias, além de alguns poucos jogos contra equipes inglesas, mas jogando como um combinado de Pontevedra, uma região da Galícia.

É curioso notar com todo esse crescimento do futebol galego, e a formação de seleção nacional, foi sob os olhos da Ditadura de Primo de Rivera, que reprimia as expressões de nacionalismo. Passado a ditadura, a Espanha viveu uma experiência republicana, na qual as comunidades autônomas ganharam maior autonomia política. Em 1930, a Seleção Galega disputou um jogo amistoso contra a Seleção do Centro (de Madrid), esse foi um dos últimos jogos do selecionado galego antes da Guerra Civil Espanhol (1936-1939), e devido a ditadura franquista, a Seleção Galega deixou de existir.

O ditador Francisco Franco, apesar de ser galego, reprimiu duramente intelectuais e artistas galegos. Durante a Guerra Civil e nos primeiros anos do franquismo, a maiorias dos opositores foi assassinada ou perseguida, até mesmo os mais conservadores, só pelo fato de não estarem de acordo com o regime.

Por outro lado, o futebol galego cresceu ainda mais durante a ditadura. É bem verdade que o generalíssimo, além de controlar duramente a estrutura do futebol espanhol, também estimulou e investiu nos clubes e na Federação. Enquanto Franco reprimia os símbolos nacionalistas nos clubes de futebol, em Madrid, Franco foi decisivo para a construção do estádio do Real Madrid, e na transformação do clube da capital no representante do regime na Europa.

Nos anos 1940, o futebol da Galícia viveu uma nova fase de crescimento, clubes como o La Coruña, Celta de Vigo, e Racing Ferrol (da cidade natal de Franco) ganharam notoriedade no campeonato espanhol. Mas foi só na década de 1970 que a região viveu a seu período mais glorioso no futebol, revelando diversos jogadores que mais tarde atuariam no Real Madrid e no Barcelona. O maior jogador revelado nesse período foi o goleador Luis Suárez, que anos mais tarde lamentou o fato de que aquela geração não disputou partidas como uma Seleção Galega.

Com o fim da ditadura franquista, acompanhado de um período de abertura política e do surgimento dos governos autônomos, o nacionalismo galego renasceu. Com uma a postura de esquerda – ora mais radical, ora mais moderada – o nacionalismo galego conquistou alguns benefícios para a região, ainda que de maneira mais tímida em relação a Catalunha e ao País Basco. Vale lembrar também que entre os anos de 1978 a 1983 houve um movimento com aspiração de esquerda e independentista, o Loita Armada Revolucionaria (LAR), um movimento de luta armada que reivindicava a independência da região.

Foi em meio ao clima abertura política e conquistas de autonomia que o lema Unha Nació unha selección (“Uma Nação, uma seleção”) foi criado. Um projeto idealizado por torcedores, e encabeçada por Afonso Eiré, ex-goleiro do Atlético de Madrid e diretor do periódico A Nosa Terra. A proposta era organizar um amistoso entre Galícia e País Basco, mas o jogo nunca foi realizado. A ideia de realizar um jogo amistoso com a Seleção da Galícia ganhou nova força durante a Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Na ocasião, a Seleção de Camarões disputaria suas partidas na Galícia, e a Federação Galega de Futebol sugeriu um amistoso entre as duas seleções, todavia, mais uma vez o jogo não foi realizado.

Em 1990, Manuel Fraga assumiu o governo da região, e a ideia de se ter uma seleção nacional praticamente foi esquecida. Fraga já havia passado pelo Partido Popular (um reduto de franquistas), mas quando subiu ao poder pertencia ao Alianza Popular, um partido monarquista, conservador e também reconhecido com um reduto de franquistas. Entre 1990 a 2005, Fraga controlou o governo da Galícia, sufocando as ideias nacionalistas e, consequentemente, a criação de uma seleção nacional. Por outro lado, permitiu que instituições privadas investissem no futebol galego.

Tanto o Celta de Vigo, quanto o La Coruña colheram os frutos dessa política. O Deportivo La Coruña foi vice-campeão da Liga, conquistou uma Copa del Rey, e contratou Bebeto, artilho da Liga com 29 gols em 1993. Já o Celta de Vigo apresentou um bom futebol, e durante seis temporadas seguidas esteve presente em competições europeias, além de um vice-campeonato da Copa del Rey. Aquela geração revelaria jogadores como Michel Salgado e Nacho, este último teria dito que preferia jogar pela Galícia do que pela Espanha.

Todo esse crescimento do futebol galego, e o entusiasmo por uma boa geração de jogadores, levou diversos torcedores a pedirem a (re)criação da Seleção Galega, assim, surgiu o grupo Siareiros Galegos, que defendia o reconhecimento das seleções galegas em diversa modalidades esportivas, inclusive o futebol. O movimento foi abraçado por intelectuais, artistas, escritores, jornalistas, jogadores e ex-jogadores, entretanto, a política conservadora de Fraga barrou qualquer possibilidade do (re)surgimento do selecionado galego. O político acreditava que as seleções nacionais poderiam despertar um sentimento patriótico diferente do nacionalismo espanhol.

Foi só com a saída de Fraga que a articulação de uma Seleção Galega começou a ser gestada. Em 2005, diversos setores da sociedade galega passaram a discutir a criação de uma nova seleção nacional. Em meio do processo de globalização do futebol, a Seleção da Galícia resgatou as suas tradições para criar uma camiseta carregada de simbolismos que remetiam a bandeira branca e azul, mais também à escudos e emblemas símbolos da Galícia. Por fim, o nome Selección Galega foi crido. O projeto da camiseta ficou a cargo de um grupo de desenhistas galegos que, através do uniforme, buscaram criam um sentimento de pertencimento.

No dia 29 de dezembro de 2005, no estádio San Lázaro, a Seleção da Galícia recebeu o Uruguai para um jogo amistoso. A escolha do Uruguai não foi por acaso, o país da América do Sul foi o destino de inúmeros galegos em vários movimentos migratórios. O resultado de 3 a 2 para os galegos ajudou a criar laços de pertencimento entre os torcedores e a seleção nacional. Definitivamente, a Galícia voltava a existir, futebolisticamente, ainda que de maneira tímida. Entre 2006 e 2016, a Seleção da Galícia disputou quatro jogos, empatando com Equador, Camarões e Venezuela, e uma conquistando uma vitória contra o Irã.

Apesar de ser uma seleção jovem, a Seleção da Galícia possui uma história de inúmeras restrições e impedimentos. O fato do nacionalismo galego ter menos expressão que o nacionalismo catalão ou basco, não diminui o sentimento de boa parte dos torcedores em reivindicar uma seleção nacional galega. Desde os anos 1920, torcedores buscaram uma aproximação entre a seleção e a região, mas foi só nos anos 2000, que os torcedores finalmente regataram tradições e símbolos nacionais para a criação de uma seleção que representasse a Galícia.

* * *

Se para os Estados-Nações constituídos as seleções nacionais cumprem um papel de representar e expressar lutas nacionais em eventos esportivos, para os Estados-Nações que não existem na prática, as seleções cumprem um papel ainda maior, isto é, de afirmação e resistência, pelo simples fato de existirem.

Durante a série As seleções proibidas da Espanha vimos a importância das seleções nacionais da Catalunha, País Basco e Galícia para as suas respectivas regiões. Essas seleções proibidas da Espanha são, antes de mais nada, uma importante ferramenta na construção e reprodução dos discursos nacionais, mas também são uma forma de afirmarem sua existência enquanto nação.

Referência:
Essa série foi inspirada e baseada no livro: GÓMEZ, Daniel. La Patria del Gol – Fútbol y Política en el Estado Español. Irun: Editorial Alberdania-Astiro, 2007.

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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. As seleções proibidas da Espanha: Galícia. Ludopédio, São Paulo, v. 112, n. 8, 2018.
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