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As três mulheres que revolucionaram a história do Cruzeiro

Ações com mascotes expandiram a relação do Cruzeiro com sua torcida (Foto: Arquivo Pessoal)
Ações com mascotes expandiram a relação do Cruzeiro com sua torcida. Foto: Arquivo pessoal.

Era julho de 1965. Após mais de três décadas de hiato, finalmente uma pesquisa que relatava o tamanho das torcidas era publicada em Minas Gerais, essa conduzida pelo jornal Estado de Minas. À época, o Atlético somou 54,1% da preferência dos mineiros, contra 26,7% do segundo colocado, Cruzeiro. Pouco depois, em 1971, nem mesmo o título brasileiro recém-conquistado fez com que Galo tivesse vantagem considerável em Belo Horizonte, outrora seu território dominante. Segundo o Instituto Gallup, o clube alvinegro tinha 43% dos torcedores na capital, apenas um ponto percentual contra os celestes. O crescimento era tamanho que o cronista Roberto Drummond, atleticano assumido, comparou a curva demográfica ascendente da torcida celeste ao da população chinesa. A China Azul já era uma realidade.

Para muitos, a explicação para tal variação estava somente no sucesso recente da Raposa, que faturou cinco dos sete Campeonatos Mineiros do período, além de uma Taça Brasil, essa conquistada sobre o Santos, de Pelé. Bobagem. Se olharmos fenômenos parecidos, clubes como o Flamengo e o Corinthians, esse último principalmente, tiveram crescimento vertiginoso de suas torcidas em tempos de escassez de títulos. Para além das glórias, o surgimento da “China Azul” se deve principalmente ao trabalho que foi iniciado por Ignes Helena, em 1967, e foi reinventado e expandido por Ângela Azevedo e Rita de Cássia. Juntas, as três profissionais de relações públicas revolucionaram a comunicação do Cruzeiro não somente com a imprensa, mas, principalmente, com o torcedor.

Ao aproximar atletas de seus fãs com ações que iam desde a distribuição de brindes em escolas até mesmo à presença de ídolos em diversas ações sociais, elas fortaleceram a identidade e orgulho celeste. Isso fez com que os limites de Belo Horizonte fossem rompidos. Assim, torcedores de regiões de Minas Gerais que outrora eram carentes da proximidade com o futebol local, aos poucos deixassem a influência dos veículos de comunicação do Rio de Janeiro e São Paulo e buscassem no Cruzeiro um clube para vibrar a cada domingo.

Abaixo, esta coluna irá contar um pouco da história das três e mostrar seu tamanho e importância na história do Cruzeiro, fazendo do clube uma “fábrica de criar torcedores”, como citou Jorge Santana no livro “Páginas Heroicas: onde a imagem do Cruzeiro resplandece”.

Ignes Helena: “Sou Cruzeiro”

Igenes ao lado de Raul e Dirceu Lopes
Ignes ao lado de Raul e Dirceu Lopes.

Redatora do caderno feminina, do jornal Correio de Minas, a paulistana Ignes Helena, que mudou-se para Belo Horizonte em 1958, já era figura conhecida em Minas Gerais. Não à toa, em 1967 foi convidada pelo Atlético para melhorar a imagem do clube, que viu o arquirrival conquistar os três últimos Campeonatos Mineiros disputados, além da Taça Brasil. Ao ser convidada para uma entrevista no Bola na Área, onde iria explicar o trabalho que iria desenvolver em Lourdes, foi questionada sobre qual era seu time do coração. A resposta surpreendeu a todos: “Sou Cruzeiro!”, como conta Ângela Azevedo, uma das homenageadas desta coluna.

“Nos anos 60, o futebol brasileiro era basicamente o eixo Rio/São Paulo, quando o Cruzeiro despontou no Campeonato Brasileiro de Futebol de 1966, originalmente denominado Taça Brasil pela CBD. (…) Era preciso fazer daquele feito a ponte para a glória. Foi quando Felício Brandi viu Fernando Sasso, em seu programa na TV Alterosa, entrevistar uma moça sagaz, que seria originalmente relações públicas do adversário. Ao final da entrevista, Sasso pergunta a Ignes Helena para qual time ela torcia, e ela, sem titubear, disse: Cruzeiro. No outro dia, Felício a procurou e a contratou para ser então a primeira relações públicas do Cruzeiro. Trabalho que ela exerceu com maestria, fazendo a torcida do Cruzeiro crescer com o apoio dos dirigentes e jogadores”, relata Ângela.

Com esse trabalho, a revolução foi logo sentida. Entre 1967 e 1970, Ignes comandou a comunicação celeste, revolucionando um setor que ainda carecia de maior proximidade com seus torcedores. “Abrimos espaços para o trabalho da imprensa, criamos um serviço de atendimento aos fãs que não deixava carta sem resposta, outro de visitas dos jogadores às escolas para distribuição de material escolar promocional. (…) Numa das campanhas de agasalhos, fechamos a Rua Guajajaras, em frente à sede, para distribuir as doações. Apareceu tanta gente, que a polícia teve de me ajudar a escapar da confusão”, contou Ignes ao livro do cruzeirense Jorge Santana.

O trabalho foi tão marcante que Ignes foi a única mulher autorizada por João Saldanha a entrar no Retiro dos Padres, concentração da Seleção Brasileira antes da Copa de 1970. Ela convenceu o treinador de que era uma questão de respeito pelos torcedores fazer chegar sua correspondência aos ídolos. Essa aproximação, inclusive, foi reconhecida Roberto Abdalla Moura, médico que operou Tostão em Houston, nos Estados Unidos, às vésperas daquele Mundial, quando o craque celeste corria risco de ficar de fora da campanha do tricampeonato devido a um deslocamento de retina. O oftalmologista lhe enviou uma carta atribuindo parte do êxito na recuperação do meia ao apoio dos cruzeirenses, que Ignes fazia chegar regularmente ao hospital.

Para Ângela Azevedo, o trabalho de Ignes, além de ser vanguarda, levou o clube a outro patamar em Minas Gerais e no Brasil.

“Ignes Helena foi pioneira em tudo: uma mulher à frente de um cargo no futebol, na época, reduto masculino, e que, com seu trabalho, levou o Cruzeiro a ser amado não somente na capital, como no interior de Minas, no Brasil e no mundo. Foram inúmeras ações em Belo Horizonte e no interior de Minas. Uma delas eram as visitas de jogadores nas escolas, distribuindo material escolar com a marca Cruzeiro; o contato dos jogadores com as crianças foi fundamental para o crescimento da nossa torcida”, completa Ângela.

A opinião é corroborada por Rita de Cássia, que deu sequência ao trabalho das duas. Segundo ela, o clube cativou muitos torcedores com esse trato especial.

“Qualquer contato de um torcedor era tratado com carinho e seu pedido atendido da maneira que era possível. Mesmo quando não era possível atender, avisávamos, mas mandávamos uma lembrança. Lembro de uma vez que um rapaz nos enviou uma carta. Nós a respondemos e enviamos alguns brindes do Cruzeiro. Eles nos respondeu dizendo que a partir daquela data ele se tornava cruzeirense. Ele não tinha um time e mandou carta para vários. Só o Cruzeiro respondeu. Isso o conquistou”, avalia Rita.

A competência de Ignes era tamanha que foi convidada para assumir a comunicação da Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro, onde ficou até 1997, quando se aposentou. Porém, seus ensinamentos ficaram com sua estagiária, Ângela Azevedo.

Ângela Azevedo: paixão que vem de outrora

Ângela Azevedo ao lado de uma das ações que fez para a despedida do lateral Sorín
Ângela Azevedo ao lado de uma das ações que fez para a despedida do lateral Sorín. Foto: Arquivo pessoal.

A ligação de Ângela com o Cruzeiro teve início muito antes do primeiro contato com Ignes. Filha do “Seu Azevedo”, defensor que iniciou sua carreira no clube quando ele ainda se chamava Palestra, em 1939, e permaneceu trabalhando no Cruzeiro após pendurar as chuteiras, ela frequentou e viveu o clube desde seus primeiros passos.

“Minha história com o Cruzeiro vem de berço. Meu pai, jovem que veio de Luz, foi atleta do Palestra e do Cruzeiro; O tio Alcides, irmão da minha mãe, também jogou no time celeste e foi um ponta esquerda peculiar. Meu tio Jeronimo Corte Real foi presidente do Conselho Deliberativo. Minha mãe e minhas tias jogavam vôlei no Cruzeiro e iam a todas as matinés dançantes na sede social. Os tempos eram bem difíceis, e o Cruzeiro, um clube novo, teve a abnegação de vários dirigentes e jogadores, que levavam suas marmitas no treino na hora do almoço, pois todos trabalhavam como pedreiros, escriturários ou estudantes”, relata Ângela.

Após seu pai deixar o futebol e assumir o cargo de superintendente do clube, Ângela passou a viver de forma intrínseca a Raposa. Dos domingos passados nas piscinas da sede social até datas marcantes de sua vida, como seus 15 anos, todas tiveram alguma relação com o clube do Barro Preto.

"Seu" Azevedo
“Seu” Azevedo. Foto: Arquivo pessoal.

“Meu pai foi meu norte em tudo que fiz e faço na vida. Homem correto, trabalhador, meticuloso e amoroso na sua maneira carrancuda de ser. Dedicou sua vida ao Cruzeiro. Sabia de cada detalhe de cada área. Lá pelas bandas do Barro Preto, era o braço direito do jovem Felício Brandi. (…) Morávamos na Rua Guajajaras, exatamente em frente ao clube. Passei minha infância e parte da adolescência no Cruzeiro. Nadava na piscina do clube, que era comandada pelo ‘Para Raio’, um senhor alto e forte que cuidava daquele pequeno reduto com altivez. Nas festas juninas, meu pai fazia as bandeirinhas azuis aos montes para enfeitar a quadra. Meu baile de debutante, obviamente, foi na sede social do Barro Preto”, relembra.

E foi ali, vivendo o ambiente da Raposa e vez ou outra ajudando seu pai, que Ângela teve seu primeiro contato com Ignes.

“Atravessava a rua só para ajudar Ignes Helena a empacotar as réguas, cadernos, lápis, chaveiros, flâmulas, cobertores na época do frio, que os jogadores entregavam nas escolas para as crianças. Meu pai sempre ralhava comigo, achando que eu estava atrapalhando a Ignes, e ela com um sorriso largo e bonito dizia que não, que eu era sua ajudante favorita. Não preciso nem dizer porque escolhi minha profissão”, conta Ângela.

Pouco depois de Ignes deixar a Raposa, o departamento de relações públicas do Cruzeiro foi assumido por Ligia Santos. Porém, essa ficou pouco tempo. Foi então que em um almoço, a relação de Ângela com o Cruzeiro ganhou outros contornos.

“Quando Ignes Helena, que era formada em Letras, saiu e foi trabalhar numa grande mineradora, entrou Ligia Santos, que deu continuidade ao trabalho. Nessa época, o Cruzeiro já era grande, amado e respeitado pela torcida e pelos adversários. Lígia saiu, foi para a Herbert Richard`s, no Rio. Foi quando, durante um almoço, meu pai, que era discretíssimo, comentou que o departamento de relações públicas do Cruzeiro estava vago. Meu coração acelerou. Mas ele já foi logo avisando que futebol não era para mim. Na época, estudava Filosofia na FAFICH e, na segunda-feira, liguei para o Moinho e perguntei se era lá que estavam fazendo os testes para o cargo tão sonhado. Não disse que era filha do Azevedo. Fui lá, fiz a prova e passei. Não precisa nem dizer que meu pai ficou quatro longos meses sem conversar comigo. Comecei a trabalhar no Cruzeiro em fevereiro de 1979”, relata Ângela.

Foi então que a nova funcionária do Cruzeiro passou a focar em outra vertente: as torcidas organizadas, o que aumentou ainda mais a relação com seus aficionados, justamente em um período que o clube passou por uma escassez de títulos.

“Com o trabalho consolidado por Ignes, partimos para outros projetos, como aproximar as torcidas organizadas, que na época eram formadas por jovens, famílias e estudantes de medicina, jornalismo, engenharia, entre outros. Pessoas que como eu viram o Cruzeiro caminhar para sua grandeza. Foi então que criamos a ASTOCA, Associação das Torcidas Organizadas do Cruzeiro, que tinha como objetivo minimizar as brigas no Mineirão. Recebíamos as torcidas adversárias, fazíamos confraternizações e assim éramos recebidos em outros estados”, relata Ângela.

Em época que os recursos tecnológicos eram escassos, Ângela contou com apoio da torcida e de conselheiros para expandir a marca do clube.

“Naquela época, não tínhamos tantos recursos como temos hoje, portanto, o apoio das torcidas e de conselheiros abnegados do clube fazia a diferença. Fazíamos de tudo para deixar nossa marca no Mineirão e nos estádios por onde fôssemos, no interior de Minas e no país. Buscávamos papel em gráficas para picota-los e lançar nos estádios, tínhamos apitos ensurdecedores, tecidos ofertados por torcedores e conselheiros para fazermos bandeiras cada vez maiores…Tudo era válido para fazer o Cruzeiro cada vez maior”, relembra.

Além dos trabalhos e ações para jogos nos estágios, Ângela criou ações que ajudaram a difundir a marca estrela.

“Criamos a revista do Cruzeiro, que era encaminhada para torcedores do estado de Minas Gerais, ou pelo correio ou por meio das equipes de base que faziam jogos no interior. Também foi criada uma modalidade de torcedor que era o Embaixador Celeste – com a participação de torcedores de todo o país. Muitos desses torcedores povoavam de cartas o departamento de comunicação. Com esta ação, os torcedores recebiam todo respaldo e também material, como chaveiros, postais autografados e fazíamos visitas guiadas à Toca da Raposa para as escolas que solicitavam”, afirma Ângela.

Esse trabalho foi expandido para áreas que não se comunicavam com o futebol.Isso ficou claro quando até mesmo artistas plásticos passaram a fazer presença constante na vida do clube, como na entrega de troféus aos atletas que defenderam a Raposa.

Troféu entregue ao ex-goleiro Raul
Troféu entregue ao ex-goleiro Raul.

“Modificamos a entrega de troféus para eventos especiais. Por exemplo, na despedida de Raul, no Flamengo, foi feita uma escultura pelo artista plástico Roberto Rangel. Era uma escultura em uma peça de madeira única com uma bola vazada sendo segurada firmemente pelas mãos do goleiro da camisa amarela”, ponta Ângela.

Pouco depois, Ângela passou a coordenar o marketing do clube através da empresa Colombo Azevedo, da qual era Sócio. Anos mais tarde, deixou o Cruzeiro, quando seguiu sua carreira no ramo cultural, ao criar a Noir Comunicação. Em seu lugar, deixou Rita de Cássia, que era sua estagiária e deu sequência ao seu trabalho e de Ignes. Ainda assim, manteve suas raízes com a Raposa, como na despedida do lateral-esquerdo Sorín, em 2009.

“Sinto-me muito honrada por ter dado minha contribuição com meu trabalho ao meu time de coração. Tenho muito respeito por Ignes Helena, esta pioneira, não só como mulher, mas como uma mola criadora deste departamento tão respeitado no Cruzeiro e hoje também em outros times. Não tínhamos a tecnologia a nosso favor. Tínhamos a garra de fazer acontecer com o que há de melhor nos humanos: o amor. No meu lugar, entrou Rita de Cássia, que foi minha estagiária e era de uma das mais atuantes torcidas organizadas que tanto nos apoiaram. Com ela, o Cruzeiro seguiu gigante. De nós três, ela permaneceu mais tempo dedicando sua vida ao clube. Uma pessoa gentil e que ama o Cruzeiro acima de tudo”, concluiu Ângela.

Rita de Cássia: consolidação e modernização

Tal qual Ângela, a paixão de Rita de Cássia pela Raposa vem do berço. Desde pequena, ia ao Mineirão com seu pai, deixando de frequentar o Gigante da Pampulha após sua morte. Porém, após seu irmão comprar uma cota do clube social, a história ganhou outros contornos e ela passou a participar do dia a dia do clube.

Rita de Cássia
Rita de Cássia.

“Meu pai era um grande cruzeirense e sempre levava toda família ao Mineirão. Ele morreu quando eu ainda era uma criança. Morria de vontade de voltar aos estádios, mas não tinha com quem ir. Meus irmãos não queriam me levar por ser criança e ainda por cima, menina. Fui crescendo e morrendo de vontade de voltar aos estádios. Em 1984, meu irmão comprou uma cota do clube e me colocou como dependente. A partir daí, comecei a frequentar a sede. Fazia natação, ginástica aeróbica, etc.. Com isso, fiquei conhecendo a Ângela e alguns membros da FAC (Força Atuante Celeste), uma torcida organizada composta por famílias. Então, comecei a me enturmar e a participar dos preparativos para as festas no Mineirão. Durante anos, fui voluntária na organização das crianças que entravam em campo com o time”, conta Rita.

A ligação com Ângela Azevedo fez com que Rita de Cássia passasse a se interessar pelo curso de relações públicas, carreira a qual seguiu.

“Acompanhando o trabalho desenvolvido pela Ângela, comecei a me interessar pela profissão de relações públicas. Ela foi minha inspiração para fazer o curso. Queria, um dia, poder contribuir mais para o engrandecimento do time do meu coração. Em 1988, iniciei meu curso na Fafi-BH e, em 1991, Ângela me chamou para fazer um estágio com ela. Era a minha chance de entrar para a área e trabalhar no clube que eu tanto amava e amo. Comecei a fazer um estágio de 6 meses no setor. Na época, não tínhamos a tecnologia a nosso favor. Mas, lembro que participei de um belíssimo trabalho para promover a Supercopa daquele ano. Espalhamos outdoors pela cidade, promovemos o relacionamento com a Conmebol, elaboramos material de divulgação para imprensa mineira e internacional, e fizemos a recepção à diretoria dos clubes com os quais o Cruzeiro jogou. Foi um trabalho fantástico, que mobilizou a nossa torcida e a média de público, na competição foi acima de 90 mil pessoas”, relembra Rita.

No ano seguinte, Rita deixou Cruzeiro, tal qual Ângela. Porém, em 1994, voltou ao clube para retomar o trabalho de suas antecessoras, que fora quebrado por outros profissionais que passaram pelo clube no hiato.

“Em 1992, saí do Cruzeiro. Depois, Ângela também saiu. Outras pessoas passaram pelo setor, mas ficaram por pouco tempo. Sem uma sequência, muito do que foi construído pela Ângela e pela Ignes Helena se perdeu. Em 1994, o então presidente do Cruzeiro na época, César Masci, me chamou para assumir as relações públicas do clube. Foi um grande desafio recuperar os trabalhos de duas grandes profissionais e, ainda, implementar outros. Foi um início desafiador, mas, aos poucos, fui ganhando a confiança de todos”, conta Rita de Cássia.

O desafio ao qual Rita faz questão de lembrar deve-se à estrutura, que era pequena em relação à administração do clube, já que a verba era principalmente dedicada ao futebol. Porém, aos poucos, mudaram esse patamar.

“No início, não tínhamos muitos recursos e o Cruzeiro era bem pequeno em sua estrutura administrativa. Não tínhamos uma equipe robusta. Por isso ajudávamos uns aos outros, mesmo de setores diferentes. Éramos uma família! Até parte de 2002, minha equipe era a Joanita e o Marquinhos, um rapaz que, devido a um acidente de carro, ficou com uma deficiência física e um certo retardo mental. No entanto, tinha uma memória incrível. Ele me ajudava nas estatísticas dos jogos do Cruzeiro na era Mineirão”, relata Rita.

Com essa equipe, Rita complementou o trabalho de suas antecessoras e deixou sua marca ao expandir ainda mais a imagem do Cruzeiro nacionalmente e internacionalmente. Entre suas ações, destacam-se à expansão das visitas à Toca da Raposa; jogos comemorativos e ações durante as partidas; envio de cartas acompanhadas com brindes com a marca Cruzeiro; produção de vídeos institucionais; organização de eventos nos clubes sociais, como o Churrascão, a Noite Italiana e o Reveillon; entre outros.

Outro trabalho destacado de Rita de Cássia foi a preservação da memória celeste. Em várias ações em revistas, com a imprensa e com a torcida, Rita buscou preservar e perpetuar a rica história do Cruzeiro. Porém, esse trabalho não foi dos mais fáceis.

“Em vários momentos tivemos resistência para obter, restaurar e guardar os materiais históricos do Cruzeiro. Algumas pessoas não entendiam a importância de guardarmos documentos, álbuns, camisas, materiais antigos e muita coisa se perdeu, infelizmente. Sempre diziam que eu era acumuladora. No entanto, tudo que eu queria era ter o máximo de objetos, documentos possíveis para criar o nosso memorial”, aponta Rita de Cássia.

Porém, um dos trabalhos mais significativos de Rita a aproximação do clube com ex-atletas e dirigentes, incluindo organização de eventos em homenagem aos mesmos. Não à toa, vários lamentaram sua saída do clube, em 2019, na gestão Wagner Pires de Sá. O segredo de tamanho respeito e carinho, ela mesmo revela:

“Relacionamento. Sempre fui sincera, receptiva e verdadeira. Sempre buscamos que eles se sentissem verdadeiramente parte da história do Cruzeiro o que realmente são, e sempre valorizamos cada um”, pontua.

Em meio a um esporte ainda machista, Ignes, Ângela e Rita mais do que quebraram paradigmas. Elas revolucionaram o relacionamento de um clube com seu torcedor em um período que troféus eram a principal fórmula de captação dos mesmos. O Cruzeiro é, hoje, um dos clubes com mais aficionados pelo país e parte disso deve-se ao trabalho das três.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Wallace Graciano

Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação pelo ISCTE-IUL, pesquisador de futebol e membro do Fulia (UFMG).

Como citar

GRACIANO, Wallace. As três mulheres que revolucionaram a história do Cruzeiro. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 60, 2020.
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