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Ascensão e declínio do neoliberalismo (anos 1980 a 2020): futebol, sociedade e política em ebulição na França

Fabio Perina 31 de março de 2023

Nesse novo texto buscarei variar em relação ao meu objeto de estudo de costume (América Latina) para esboçar algumas analogias na França nas últimas 4 décadas entre futebol, sociedade e política. E quando necessário algumas menções complementares ao contexto inglês como principal “laboratório” da expansão mundial do neoliberalismo no futebol articulado com o combate ao hooliganismo. Em outros termos, é possível generalizar que para o tema de torcedores “radicais” o caso inglês é central enquanto o caso francês é tardio. (Obs: falando em ebulição, como breve nota de conjuntura, esse texto foi elaborado durante os primeiros meses de 2023 com crescentes protestos populares contra a reforma da previdência do presidente Macron, quem por sua vez responde com crescente repressão. Havendo uma crise de hegemonia entre 3 forças antagônicas em disputa nas ruas: a decadente direita neoliberal e as ascendentes extrema direita e esquerda marxista)

Ora, ironicamente fazer o recorte dessas 4 décadas na seleção francesa seria privilegiar uma crônica com os sentidos do épico e do triunfal dessa potência esportiva tardia. Afinal as gerações de Platini, Zidane e Mbappé (as duas últimas conectadas por Deschamps primeiro como jogador depois treinador) acumularam os títulos europeus de 1984 e 2000 e mundiais de 1998 e 2018 (além dos vices de 2006 e 2022). Pelo contrário, através do recorte no futebol local com os torcedores “radicais” será privilegiada uma análise com os sentidos do dramático e contraditório. Também implica ir além da dimensão de dentro de campo em que houve nessas décadas a lenta decadência do tradicional St. Etienne (até o seu recente e traumático rebaixamento na temporada passada) e um novo revezamento de títulos respectivamente entre Olympique de Marseille (de agora em diante nesse texto apenas OM), Mônaco, Lyon, Lille e principalmente PSG. Como uma inversão, o dentro de campo será um pano de fundo para a dimensão fora de campo entre futebol e política. E para não ser exaustivo no texto irei focar apenas em referências brasileiras de apoio através de alguns estudos acadêmicos (principalmente na parte dos anos 90 por envolver considerações conceituais) e fontes da mídia esportiva.

Como breve esboço de definição, a subjetividade neoliberal se caracteriza por individualismo, indiferença e permissividade. Enquanto a subjetividade neofascista é o atual encontro de medo e política se baseando em retornos e ressentimentos: voltar ao Estado forte (sobretudo na segurança, mas não na política social), voltar à nação, voltar à raça (“pura”), voltar à família patriarcal e voltar a Deus.

Anos 80

“A crise nas grandes instituições da república, igreja, partidos políticos e sindicatos, marca o desaparecimento do controle social exercido por essas instituições e o fim dos grandes planos para o futuro. Os franceses não se definem mais pela relação com as forças históricas, mas entram na sociedade de consumo e do individualismo em massa. Se há esporte, ele é hedonista, novo e “americano”” (MIGNON, p. 95: 2014)

O sociólogo do esporte Patrick Mignon (2014) propõe como principal chave de leitura de entrada no futebol com a convergência da torcida “radical” com sua midiatização nos anos 1980 e 1990 através da televisão como um agente protagonista. Para o autor, a constatação de haver no futebol francês até aquele momento poucos incidentes fora de campo (tal qual também de poucas vitórias dentro de campo) contou com a explicação do relativo desinteresse da sociedade francesa (principalmente parisiense) por ele em proveito de atividades culturais e intelectuais para as classes médias e altas mais cosmopolitas. Enquanto as práticas corporais das classes populares expressavam rivalidades de regiões camponesas através do rúgbi, embora sem visibilidade do espetáculo de massa.
Em outros termos do autor, dos anos 80 em diante há uma passagem da sociedade da tradição para a sociedade da experimentação. Não havendo acesso ao mercado e ao consumo para todos, os jovens marginalizados (principalmente imigrantes) buscam no futebol através dos grupos de torcedores “radicais” uma forma de encararem o declínio da macro-sociedade através da ascensão de micro-sociedades fragmentadas (em outros termos, é a bastante criticada categoria de “tribos urbanas” do sociólogo Michel Maffesoli). Em outras palavras, ao mesmo tempo uma compensação da falta desse acesso e uma dramatização das suas contradições sociais. Portanto, se considerando vítimas da mercantilização e da midiatização do futebol e além disso legítimos cobradores através de protestos aos jogadores e dirigentes de respeitarem sua paixão. “É possível que ocorra a violência pois há uma causa a ser defendida e uma comunidade a ser construída” (MIGNON, p. 101: 2014).

Seja em termos objetivos diante da crise econômica e social, que emerge através de manifestações violentas pelas ruas, pela qual há mútua cumplicidade entre neoliberais e neofascistas. E seja em termos subjetivos do tema das torcidas “radicais” ter ampla repercussão internacional nos grandes meios de comunicação. Vide as tragédias tão conhecidas que não irei aprofundar nesse texto de Heysel-BEL em 1985 e Hillsborough-ING em 1989 com invasões de campo e dezenas de mortes.

(Obs: Ora, lidar com a comparação do neoliberalismo no futebol inglês e no francês implica que no país insular ele foi bem mais intenso no início dos anos 90 com o famoso Relatório Taylor; enquanto no país continental teve sua etapa mais marcada cerca de 20 anos depois, conforme logo veremos. Assim como a cultura torcedora inglesa tende a ser mais facilmente distinguida em dois campos que não se comunicam: de um lado as brigas entre as “firmas” hooligans e de outro lado os protestos entre associações e coletivos de torcedores. Portanto, dois tipos de grupos homogêneos em sua base social e em seus métodos de ação, com o primeiro recebendo o estigma de “radical”. Já para os franceses no campo “radical” os rótulos de “hooligans” e “ultras” quanto a brigar e/ou protestar são mais maleáveis conforme as circunstâncias e as disputas políticas e discursivas, conforme logo veremos).

Heysel
Tragédia de Heysel. Foto: Reprodução Twitter

Anos 90

Ora, tratar da virada dos anos 80 a 90 vai muito além do auge do OM dentro de campo. Quando mais obteve títulos nacionais e principalmente em 93 ao surpreender o todo-poderoso Milan na Champions League e com isso alcançar a façanha de ser o único clube francês a vencê-la. Mais importante é o mapeamento de polarizações entre futebol e política conforme clivagens complexas que dispensam polarizações reducionistas que seriam Marselha x Paris em paralelo a antifascistas x neofascistas. Pois Marselha possui a efervescência cultural e social de uma cidade portuária e repleta de migrantes que permite ser uma das “capitais” dos ultras mais vibrantes e politizados de todo o Mediterrâneo, como os grupos pioneiros Commando 84 e South Winners no Stade Velodrome do OM. Já em Paris o cenário é mais complexo, pois as progressivas vitórias dos antifascistas sobre os neofascistas nas brigas ao longo dos anos 80 fizeram os segundos se afastarem das ruas e logo se abrigar nos votos do partido Front National de Jean-Marie Le Pen e nas arquibancadas do Parc dos Princes do PSG.

(Obs: um importante arquivo dessa época é o documentário “Caçadores de Skins” sobre as disputas nas ruas parisienses entre os dois grupos se assemelharem aos conflitos entre grupos torcedores “radicais” de outras partes do mundo em seus métodos de ação. E inclusive traz um importante depoimento de decadência da social-democracia francesa e europeia diante da ascensão do neoliberalismo, e mais lentamente do neofascismo, enquanto permissiva de ter deixado os neofascistas crescerem nas ruas para explorarem o medo deles nas urnas, mesmo às custas de diversas vítimas agredidas e até mortas. O que retrata a tradicional desconfiança dos antifascistas de não delegarem às instituições burguesas a tarefa de enfrentar os neofascistas em “suas” ruas, e ao invés disso investem na auto-defesa popular e ação direta).

Nessa troca de ambientes das ruas aos estádios, a torcida “radical” recém-criado dos Boulogne Boys possui membros mais permissivos com a entrada de uma base social neofascista e de métodos de ação mais próximo dos hooligans ingleses. Enquanto anos depois ali a nova polarização se deu quando surgiram os Tigris Mystic como uma forma de antifascistas e imigrantes na cidade fazerem um contraponto também no mesmo estádio, porém obviamente em outro setor. Enquanto de forma surreal a diretoria do PSG incentivou outros grupos (também no setor Auteuil) a também fazerem um contraponto aos tão polêmicos Boulogne Boys visando conquistar o torcedor comum atrás de manifestações festivas. Um cenário tão complexo com idas e voltas em suas disputas internas que retomarei em outros parágrafos.

(Obs: diante da limitação de minhas fontes e do “fôlego” desse estudo, parece temerário aderir de antemão à hipótese de plena infiltração neofascista dentro desse grupo de torcida “radical” e seu posterior aparelhamento. Afinal ao longo de diversos anos com frequência esteve como protagonista em protestos ora próprios e ora articulados simultaneamente a outros grupos de outros clubes por pautas comuns da maior relevância. Como a favor da cultura torcedora, contra a mercantilização do futebol e, sobretudo, contra a violência policial. O que mostra a ambivalência conforme os ambientes diante de neofascistas costumarem encontrar muito mais repressão policial nos estádios do que nas ruas).

Uma outra importante contribuição de Mignon (2014) é que há um certo paralelo entre a midiatização do futebol dentro de campo e a esportivização de seus grupos “radicais” fora de campo, ou seja, grupos cada vez menores e mais preparados para incidentes cada vez mais intensos que duram cada vez menos (tema que retomarei mais adiante). O que vai em sentido oposto do assim chamado “pânico moral” de multidões “espontâneas” tão típico dos discursos sobre hooligans ingleses a partir dos anos 60 e que obteve seu “auge” no final dos anos 80. Além das considerações anteriores sobre a dinâmica externa dos ultras franceses diante de seu contexto mais amplo, o autor também fornece algumas pistas da dinâmica interna pela qual se diferenciam dos hooligans ingleses. Não sendo cômodo se apoiar em polarizações reducionistas. Embora com a ressalva desse autor e de outros que não há um único tipo de organização torcedora em toda a França (sequer em um mesmo clube), mas oscilações conforme a relação com o clube de negociação para ultras e transgressão para hooligans. E conforme a relação de quais sentidos atribuem à violência contra os rivais e contra os policiais: de circunstancial para ultras e premeditada para hooligans. Por isso a importância do termo que acrescento de “laboratório” conforme grupos e situações diversas.

Afirmações que são complementadas por Nicolas Hourcade (2014), também sociólogo do esporte, quem também concorda que midiatização e profissionalização dentro de campo também geraram imensa marginalização dos torcedores fora de campo. Os autores também concordam com a ressalva que o termo “hooligan” é uma espécie de significante vazio tão abundante em circulação (embora raso em definição) por raramente algum grupo radical reivindica-lo para si e, pelo contrário, ser mais um estigma fixado de fora pelos dirigentes, autoridades e meios de comunicação. Ou seja, mesmo dentre as disputas “nativas”, um grupo pode se reivindicar como ultra apenas para se diferenciar como possuindo mais devoção a uma causa do que outro que se reivindicou hooligan. “No mundo ultra, o lugar da violência é paradoxal. Ele é marginal, na medida em que só inclui uma minoria dos membros e em que é relativamente rara, e central no sentido de que ela não pode ser recusada e de que permite interferir nos conflitos” (HOURCADE, p. 134: 2014).

E ainda esse último autor acrescenta como ressalvas gerais aos estudos de hooliganismo que não se pode tratar de forma homogênea seus atos e seus sujeitos. Ou seja, não se pode “colocar no mesmo balaio” casos diversos conforme distintas responsabilidades de dirigentes, autoridades ou torcedores. Sobretudo por colocar diversos atos de diferentes danos e gravidades segundo uma mesma categoria criminalizante como “hooligan”. Assim como a afirmação que os crescentes dispositivos de segurança de vigilância e repressão dentro dos estádios aumenta a cautela e a preparação dos torcedores “radicais para” chegarem às vias de fato em seus conflitos com rivais apenas quando mais distantes deles. Em outras palavras, isso implica refutar polarizações reducionistas entre dentro e fora de um estádio como o tão comum “diagnóstico” que se os hooligans foram expulsos dos estádios então supostamente o hooliganismo acabou. O que atualmente já se tem abundante acúmulo de revisionismo histórico que isso serve como pretexto para aumentar o endurecimento penal contra torcidas “radicais”, embora afetando os demais torcedores comuns.

Anos 2000

“Os ultras denunciam o advento de um ‘futebol-negócio’ que, com a desculpa de uma luta contra o ‘hooliganismo’ amplamente consensual, atacaria o ‘futebol popular’” (HOURCADE, p. 141: 2014).

Em uma insólita comparação entre futebol e política por Freitas et al (2017), por um lado, em 2005 por alguns dias a opinião pública ficou chocada com a violência e “espontaneísmo” de insurreições dos subúrbios de Paris (“banlieuers”). Por outro lado, voltando ao futebol, de certa forma é possível uma comparação que no entorno do Parc dos Princes estouravam novos incidentes entre Boulougne Boys e Tigris Mistic por alguns anos desses meados da década. Algo que gerou uma insegurança geral nos torcedores comuns nos arredores do estádio com perda de bilheterias ao clube.

Segundo Hourcade (2014) surge na temporada 2009-10 uma nova ofensiva punitiva que mudou a vigilância e repressão de circunstancial (apenas após incidentes de grande midiatização) para passar a ser premeditada. Através dela federação, clubes e autoridades buscaram acelerar a mercantilização e criminalização dos torcedores “radicais” visando o megaevento da Euro de 2016. Algo que se materializou em medidas ora de reprodução do caso inglês como “lei seca” e banimentos individuais (embora sem processo judicial) e ora de inovação como proibição de entrada de torcedores visitantes e até mesmo endurecimento de punições esportivas aos clubes. Indo do geral ao específico, o PSG com seu presidente Leproux desenvolveram o principal experimento para expulsar os grupos “radicais” já citados dos setores Boulogne e Auteuil através da inovação de se comprar um ingresso para um setor sorteado “no escuro” para evitar a recomposição de cada grupo em uma nova multidão. Em outras palavras, o fim das manifestações festivas do Parc des Princes foi o preço a se pagar por essa “paz de cemitérios”.

Marseille
Conflitos em Marseille durante a Euro 2016. Fonte: Wikipédia

Anos 2010

Em um contexto mais amplo essa é a década que se abre com a profunda crise no centro do sistema capitalista pós-2008 (e até aqui irrecuperável). Uma clara evidência dessa profunda crise é que foi uma década bem mais intensa que a anterior quanto às insurreições populares em inúmeros países, a começar pelos países árabes, se esparramar pelo Mediterrâneo (como Grécia e Espanha) e por fim encontrar em Paris e na França diversas etapas ao longo da última década e chegando até à conjuntura atual dos últimos meses mencionada. (Obs: curioso que se a expansão da cultura torcedora ultra foi do centro à periferia do Mediterrâneo, mais precisamente desde a Itália; ao contrário dessa onda insurrecional que foi da periferia ao centro).

Voltando ao PSG, um impulso ainda maior nesse experimento da “dobradinha” entre mercantilização e criminalização na temporada 2011-12 foi a tão conhecida compra do clube por acionistas cataris visando resultados ambiciosos. O que se refletiu na crescente incorporação ao plantel de estrelas mundiais: primeiro Beckham e Ibrahimovic e depois como em 2017 de Neymar e em 2021 de Messi. É sintomático que a partir de então fica mais próxima tanto a ligação de craques brasileiros com o PSG dentro de campo como principalmente a ligação fora de campo do Brasil com a França diante das coincidências de megaeventos que se aproximavam: respectivamente, Copa do Mundo de 2014 e Euro de 2016.

(Obs: ora, ao tratar de torcidas “radicais” nesse segundo megaevento, é preciso uma óbvia menção ao incidente entre ingleses e russos em Marselha, no qual por um capricho do destino a cidade portuária se converteu no breve “laboratório” de uma troca de hegemonia no estilo de torcida “radical”. Com a vantagem dos russos mais “esportivizados”, ou seja, beber menos para se brigar melhor. O que acirrou os ânimos do ambiente do megaevento em um contexto já tenso de recentes ataques terroristas nos últimos meses daquele ano no país).

Ora, se em anos tão intensos para a política tendem a ser em alguma medida também para o futebol, houve uma reviravolta nos setores do Parc dos Princes. Freitas et al também afirmam que durante anos no início da década cada torcida “radical” notou ter o dirigente do clube como inimigo em comum e esteve com a mesma tática, porém em espaços distintos, realizando boicotes na ida ao estádio. Visando gerar mais prejuízos ao clube com bilheteria e sobretudo criar uma desmoralização da diretoria diante de torcedores comuns que apelassem para o retorno de ultras com seu ambiente festivo. O que justamente em 2016 foi obtido com o investidor catari autorizando um retorno tutelado através de um recadastramento de torcedores vinculados ao clube conhecido como “Collectif Ultras Paris” ocupando o setor Auteuil. Embora os autores desse artigo não descartem a ressalva que o novo grupo, apesar das “boas intenções” da diretoria, pode se radicalizar novamente conforme uma ascensão neofascista cada vez mais concreta a cada eleição, conforme veremos no final do texto). Essa retrospectiva e essa reviravolta também repercutiu na mídia brasileira, cujo mesmo veículo acima se destacou pela cobertura a outros incidentes em outros clubes: no Lille em fins de 2017, no Lyon em fins de 2019 e principalmente no OM na virada de 2020/21, portanto em plena pandemia, em que reforçou a análise nesse texto da midiatização ser proporcional à criminalização dos torcedores.

Considerações finais

Em suma, a recente eleição presidencial de 2022 confirmou tendências que já se esboçavam na eleição anterior de 2017. Infelizmente houve a ascensão como segunda força eleitoral da neofascista Marine Le Pen ameaçando encurtar a distância para o neoliberal Emmanuel Macron. Quem uma vez em campanha venceu apenas com o “voto útil” das esquerdas no segundo turno, porém uma vez em governo aplica inúmeras medidas impopulares e repressivas.

Voltando a focar mais em futebol, mas como sempre sem se afastar da política, retomo uma menção a meu outro texto (cerca de um ano atrás) sobre as intensas invasões de campo e todo tipo de incidentes na temporada de 2021-22, no qual fiz algumas considerações gerais e breves menções a alguns casos europeus e outros casos latino-americanos. Naquela ocasião para o cenário francês mencionei apenas a insólita briga entre jogadores e torcedores em um Nice x OM, em meados de 2021, ironicamente coincidindo com a chegada de Messi ao PSG e uma repercussão internacional ainda maior para a situação no país.

De lá para cá, em meados de 2022 pelo menos mais dois casos de incidentes graves respectivamente com invasões de campo e com invasões de estádio acenderam um alerta ainda maior: o rebaixamento do St. Etienne (como já comentado na introdução) e principalmente na final da Champions League entre Real Madri x Liverpool no Stade de France em Paris. Somado à lembrança de Marselha de 2016, esse segundo caso desperta uma evidente preocupação internacional ao colocar em dúvida se para as próximas Olimpíadas em Paris em 2024 que se aproximam os organizadores e as autoridades francesas serão capazes de controlar as multidões e seus grupos.

Por fim, após aquele meu outro texto de uma retrospectiva geral somado a esse texto de agora com o cenário francês posso avançar em uma hipótese mais sólida. Pela qual através do futebol fora de campo com suas torcidas “radicais” se verificam os sintomas de ascensão e declínio do neoliberalismo. Ou seja, a passagem de antes com um predomínio de incidentes cada vez mais distantes dos estádios entre grupos cada vez mais isolados para agora com um novo predomínio de incidentes (ao menos dentre os mais midiatizados) de radical fusão entre a dimensão de dentro de campo com o fora de campo.

Leituras de Apoio

MIGNON, Patrick. A emergência de uma questão: a torcida na França (1985-1998). In: HOLLANDA, B.B.B. e REIS, H.H.B. Hooliganismo e Copa de 2014. Rio de Janeiro, RJ: 7 Letras, p. 91-112, 2014.

HOURCADE, Nicolas. Torcedores radicais e transformações dos estádios na França. In: HOLLANDA, B.B.B. e REIS, H.H.B. Hooliganismo e Copa de 2014. Rio de Janeiro, RJ: 7 Letras, p. 121-144, 2014.

FREITAS, Guilherme Silva P.; TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi; ALMEIDA, Marco Bettine. Diferenças culturais e identitárias na França através dos ultras do Paris Saint Germain. Revista Brasileira de Estudos do Lazer, v. 4, n. 2, p. 80-98, 2017.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Ascensão e declínio do neoliberalismo (anos 1980 a 2020): futebol, sociedade e política em ebulição na França. Ludopédio, São Paulo, v. 165, n. 31, 2023.
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