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Associação Athlética Mackenzie College

Felicce Fatarelli Fazzolari 19 de outubro de 2022

Quando eu era criança e jogava futebol pelas ruas do bairro, “dava o sangue” pela vitória do meu time, e se fosse preciso, “tirava sangue dos adversários”, que eram amigos de escola e moradores do mesmo bairro.

Dentro das quatro linhas, fosse nos campinhos de terra em terrenos baldios, nas ruas, com pedras improvisadas demarcando os gols,  ou na quadra da escola durante as aulas de Educação Física, “amizade” era uma palavra excluída do nosso vocabulário e riscada do dicionário. O futebol era puro “sangue nos olhos”.

De acordo com Almeida (2021, s/p), o vermelho é a cor do elemento fogo, do sangue e do coração humano, simboliza a chama que mantém vivo o desejo e representa os sentimentos de amor e paixão. A cor vermelha estimula o sistema nervoso, a circulação sanguínea, dá energia ao corpo e eleva a autoestima. (ALMEIDA, 2021, s/p). O Brasil tem o vermelho em seu nome[1], e se o futebol explica o Brasil, a Associação Athlética Mackenzie College é a materialização da cor vermelha, o que detalharemos mais adiante.

Em 1870, Mrs. Mary Annesley Chamberlain, esposa do Reverendo George Whitehill Chamberlain, em um cômodo de sua casa, na Rua Visconde de Congonhas do Campo, nº 1, transformou aquele espaço em uma pequena escola. (MACKENZIE, 2022) A senhora Chamberlain não fazia distinção de credo, sexo ou etnia, princípio que permanece dentro da Institiuição até a atualidade (SILVA, 2017). No ano de 1871, iniciou-se o embrião do Colégio, e a Escola Americana abrigava filhos de famílias tradicionais a filhos de escravos. Com o seu crescimento, em 1876, a Escola Americana introduziu novos cursos, tais como o Curso de Filosofia e a Escola Normal.

Em 1879, o reverendo Chamberlain adquiriu, de Dona Maria Antônia da Silva Ramos, a área de sua chácara em Higienópolis, iniciando uma nova fase para a Escola Americana, que chamou a atenção do advogado norte-americano John Theron Mackenzie, o qual deixou uma doação para a Igreja Presbiteriana estadunidense, destinada à construção de uma escola de Engenharia no Brasil, o que seria a introdução do nome Mackenzie, como hoje o conhecemos[2].

O professor norte-americano Augusto Shaw[3] chegou em terras brasileiras para lecionar Artes no Mackenzie College e trouxe consigo uma bola de basquete, que não foi utilizada somente na prática de um único esporte.

Shaw foi o responsável pela fundação do futebol no Mackenzie College, por imposição dos alunos. (SILVA, 2017, p. 28). A instituição foi pioneira nos esportes escolares. No início do século XX, os mackenzistas já se destacavam em atividades esportivas, sendo protagonistas da primeira partida oficial de futebol do Estado de São Paulo e pioneiros na prática do basquete no país. (MENDES, 2021, p. 4). O esporte tem enorme impacto cultural e na formação de várias comunidades. A prática ou mesmo sua contemplação traziam uma gratificação instantânea para seus aficcionados. (SEVCENKO, 1992, p. 48).  O “espírito mackenzista” surge juntamente com a prática esportiva. Pensando em pleno desenvolvimento dos alunos, iniciava-se, de forma inovadora, a prática esportiva para mulheres. (MENDES, 2021, p. 4).

Jovens da elite paulistana que frequentavam a instituição formaram o primeiro time de futebol do Mackenzie, entre eles, Augusto Shaw e Mario Eppingaus. Segundo Silva (2017, p. 28), em 5 de março de 1899, o clube dos brasileiros, para brasileiros, que treinava na Chácara Witte, fez um jogo amistoso contra a recém-criada equipe de Hans Nobiling, partida que terminou sem gols, portanto, empatada. Fato importante a ser registrado foi o nascimento do fardamento para a prática do futebol. As camisas vermelhas, alinhadas a bermudas e gravatas brancas, compunham o uniforme da A. A. Mackenzie College. O primeiro uniforme de um clube brasileiro. (SILVA, 2017, p. 28).

Em 1902, após a criação da Liga Paulista de Foot-Ball, a primeira entidade a organizar uma competição de futebol em solo brasileiro, a A. A. Mackenzie College, disputou o primeiro jogo oficial do clube contra a equipe do Germânia[4].

Coube a Mário Eppingauss, do Mackenzie, a honra de marcar o primeiro gol oficial do futebol brasileiro. O resultado foi 2 a 1 para o Mackenzie, e com um momento histórico. Estes 22 atletas estavam fazendo história: Começava a criar o País do Futebol. (KUSSAREV, 2021, p. 22).

A partida foi comandada pelo árbitro Casimiro da Costa, e a A. A. Mackenzie College tinha em campo os seguintes jogadores: Rehder, Warner e Belfort Duarte; Sampaio, Alício de Carvalho e Lourenoço; Yelrd, Eppingaus, Pedro Bicudo, Armando Paixão e Lopes. (SILVA, 2017, p. 29).

Em 1904, a A. A. Mackenzie College fez o seu primeiro jogo contra uma equipe de outro estado, o Fluminense F.C., equipe do Distrito Federal,  vencendo o jogo por 1 a 0, que aconteceu no campo do Velódromo Paulistano e contou com Charles Miller como referee. A A. A. Mackenzie College não disputou competições oficiais entre os anos de 1907 e 1911, retornando apenas no ano de 1912, com Arthur Friedenreich[5], atacante que ficou conhecido como El Tigre[6], responsável por marcar 12 gols e alcançar a artilharia do Campeonato Paulista do mesmo ano.

A A. A. Mackenzie nunca venceu a Liga Paulista de Foot-Ball. Foram treze campeonatos disputados até a parceria com a Associação Portuguesa de Desportos, no ano de 1920, união desfeita em 1923.  No entanto, deixou significativo legado para o futebol brasileiro. Foram dois vice-campeonatos nos torneios organizados pela APEA em 1913 e 1915[7], e a padronização dos uniformes e, principalmente, o amor pelo futebol, são marcas que o consagram na história do futebol paulista e nacional.

Com isso, é importante mostrarmos como o clube legitimou-se no cenário de sua época, o que nos remete à metáfora – que aqui me atrevo a criar – que é a de relacionar a história do Mackenzie, com sua respectiva cor vermelha em seu uniforme, logo, implicitamente, vermelho também é a cor do futebol nacional.

Tendo em vista que, ao pensarmos na historiografia do Brasil, cujo principal símbolo é o pau-brasil, ou seja, também na cor vermelha, jogar futebol ou usar um uniforme de time é demonstrar paixão e amor, estes também representados pela cor vermelha.

Dessa forma, reforço que vermelho é a cor do Mackenzie, vermelho é a cor do futebol.

Notas

[1] Na época dos descobrimentos, era comum aos exploradores guardar cuidadosamente o segredo de tudo quanto achavam ou conquistavam, a fim de explorá-lo vantajosamente, mas não tardou em se espalhar na Europa que haviam descoberto certa “ilha Brasil” (em vez de Terra – continental) no meio do oceano Atlântico, de onde extraíam o conhecido pau-brasil (madeira cor de brasa). (OLIVEIRA, 2006-2015)

[2] Disponível em: https://www.mackenzie.br/memorias/150-anos/nossa-historia

[3] Augusto Shaw é conhecido por introduzir o basquete no Brasil.

[4] O autor do primeiro gol do jogo e da história oficial do futebol no país foi do mackenzista Eppingaus; Kirschner empatou, e Alício de Carvalho deu números finais à partida. (SILVA, 2017, p. 29).

[5] Filho de um descendente de alemães com uma negra brasileira, Friedenreich nasceu pardo e com os olhos verdes, sendo um legítimo exemplo da miscigenação de nossa raça (Friedenreich: origem, histórias e mitos do primeiro ídolo da Seleção. Disponível em: https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/copa/america-2019/friedenreich-origem-historias-e-mitos-do-primeiro-idolo-da-selecao. Acesso em: 20 fev. 2022).

[6] Friedenreich que veio de Montevidéu para cobrir a final da Copa América de 1919, como Maurício Vitalle Amico, Matos Fuentes, Eduardo Arrachavaleta, Lorenzo Sienra e outros, ao ouvirem de Fried – Ni la fatiga lo vence – deram ao ídolo brasileiro o apelido que poderia parecer estranho a quem o conhecesse fora do campo, manso, inofensivo, mas que bem o definia com a bola nos pés: El Tigre. (MÁXIMO, 2011, p. 24).

[7] Em 1913, após discussão, às vésperas do início da competição, os diretores do Americano mandaram um ofício ao Paulistano afirmando que não jogariam no Velódromo, mas sim no Parque Antarctica. O Paulistano, sentindo-se traído, fundou, em abril de 2013, a Associação Paulista de Sports Athléticos (APEA). (KUSSAREV, 2021, p. 33).

Referências 

ALMEIDA, Fabíula. Saiba quais são as maiores torcidas de São Paulo. 22 out. 2021. Média Paulistana. Disponível em: https://midiapaulistana.com.br/maiores-torcidas-sp/. Acesso em: 24 abr. 2022.

Friedenreich: origem, histórias e mitos do primeiro ídolo da Seleção. Disponível em: https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/copa/america-2019/friedenreich-origem-historias-e-mitos-do-primeiro-idolo-da-selecao. Acesso em: 20 fev. 2022).

KUSSAREV, R. 125 anos de história: A enciclopédia do futebol Paulista. São Paulo: Campo de Ação, 2021.

MACKENZIE. 1. Partida de futebol: memórias, 150 anos. Disponível em: https://www.mackenzie.br/memorias/150-anos/nossa-historia/arquivo/n/a/i/1a-partida-de-futebol/. Acesso em: 22 out. 2020.

MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro – João Máximo e Marcos de Castro. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

SILVA, Luis. Qual é a maior torcida organizada do Brasil? Curiosidades, 18 mar. 2022. Disponível em: https://www.curiosidades.com.br/2022/03/maior-torcida-organizada-do-brasil/. Acesso em: 24 abr. 2022.

SILVA, Sidney Barbosa. Clubes do Futebol Paulista 1888-1909. Itapevi: SP, 2017.

 

 

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Felicce Fatarelli Fazzolari

Graduado em História pela Universidade Guarulhos (2003), Graduado em Filosofia pela Universidade Camilo Castelo Branco (2007), Graduado em Pedagogia pela FALC (Faculdade Aldeia de Carapicuíba), Especialista em Sociologia pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores do Estado de São Paulo Paulo Renato Costa Souza (2012), e Mestre pela Univesidade Presbiteriana Mackenzie no Centro de Educação, Filosofia e Teologia, no Programa de Educação, Arte e História da Cultura, com o tema: O FUTEBOL PAULISTANO COMO PRÁTICA CULTURAL: Um estudo sobre a violência no futebol paulistano e a sua convergência para a rede social Instagram. Sou Professor de História, Filosofia, Sociologia, disciplinas Eletivas, Tecnológicas e Projeto de Vida, para os ensinos Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede pública e particular de São Paulo. Tive experiência como Professor-Coordenador do Ensino Fundamental e Médio da Rede Estadual de São Paulo. Pai do Giuseppe, esposo da Patricia e amante de futebol e Rock'n roll.

Como citar

FAZZOLARI, Felicce Fatarelli. Associação Athlética Mackenzie College. Ludopédio, São Paulo, v. 160, n. 19, 2022.
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