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O Athletic Bilbao e os jogadores estrangeiros

Guilherme Eler 2 de março de 2018

Dono da quinta maior torcida da Espanha e um dos clubes mais tradicionais do país, o Athletic Club Bilbao é uma das três únicas equipes a marcar presença em todas as temporadas da primeira divisão do campeonato espanhol de futebol (atual La Liga), fundada em 1929. O feito é compartilhado apenas com os times do Real Madrid e Barcelona. Mas, ao contrário dessas equipes, cujas contratações milionárias sempre criaram plantéis repletos de estrangeiros, a história do Athletic foi construída quase que exclusivamente pelos pés de jogadores locais, que nasceram ou que mantêm suas raízes na região.

Para efeito de comparação, enquanto o time de Cristiano Ronaldo conta atualmente com 12 jogadores nascidos fora do território espanhol (o arquirrival Barcelona tem 16), o Athletic possui apenas um – o zagueiro basco-francês Aymeric Laporte, no clube desde 2013. O número de gringos defendendo as cores vermelha e branca da equipe basca, porém, está prestes a ficar maior. O clube anunciou na segunda-feira (15/01) a contratação do lateral-esquerdo romeno Christian Ganea, de 25 anos. O jogador atua pelo Viitorul Constanta, equipe que disputa a primeira divisão da Romênia, e será o sexto reforço nato em outro país da história do time espanhol.

Completam a lista histórica de estrangeiros um brasileiro, Vicente Biurrun, que jogou no time espanhol entre 1986 e 1990; o basco-francês Bixente Lizarazu (1996-1997); o mexicano Javier Iturriaga (2006-2007) e o venezuelano Fernando Amorebieta (2005-2013). Em comum, o fato de terem se mudado muito cedo para a região ou criarem vínculos com o clube ainda na infância.

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Escudo do Athletic Club de Bilbao no antigo estádio de San Mamés. Foto: Zarateman/Wikipédia.

O trabalho de formação de atletas

Enquanto a contratação romena não é apresentada, o que deve acontecer somente após o fim da atual temporada europeia, em julho, Laporte segue como o único estrangeiro na equipe. Assim como seu futuro companheiro de defesa, o francês também se formou futebolisticamente no País Basco, sendo integrado ao time juvenil do Athletic ainda aos 16 anos.

Ter passado pelas categorias de base do Athletic é critério para que um jogador tenha chances de ser integrado ao time principal. Essa tradição se estende, inclusive, às equipes preparatórias do clube, o Bilbao Athletic (atualmente na Segunda División B, equivalente à terceira divisão) e o Club Desportivo Basconia (que disputa a quarta), principais destinos dos jovens atletas no início de suas carreiras profissionais.

A determinação trata-se muito mais uma filosofia, já que não está registrada em qualquer estatuto do clube, e costuma ser resumida pelos fãs com a frase “Con cantera y afición, no hace falta importación”. “Com talentos criados em casa e apoio dos fãs, você não precisa de estrangeiros”, em tradução livre. “Esse orgulho, que tem sua expressão máxima em nossa política de formação de jogadores, se tornou uma força de união que está acima de quaisquer divergências, tornando nossa filosofia diferente das de outras equipes e da forma como o futebol é encarado ao redor do mundo”, diz um comunicado no site do time.

A ideia de que a região, de cerca de 2,2 milhões de pessoas, é capaz de fornecer o material-humano para manter o clube competitivo se vale do nacionalismo dos torcedores – e se justifica com as altas médias de público do Athletic. A população de Bilbau, de 345 mil habitantes, poderia ser proporcionalmente pequena para um estádio com as dimensões de San Mamés, arena do Athletic, que tem capacidade para 53 mil pessoas. Na temporada 2016-2017 da La Liga, no entanto, a ocupação do estádio da equipe nos jogos foi uma das maiores da Espanha, ultrapassando a marca dos 77%.

O apoio das arquibancadas vem ajudando o time a manter certa regularidade na competição nacional – a última vez que o Athletic correu risco real de rebaixamento foi em 2007. Recentemente, o clube basco encerrou um jejum de 31 anos sem títulos, conquistando a Supercopa da Espanha na temporada 2015-2016.

Como a tradição nasceu

A política do clube basco de só contratar jogadores da região tem início em 1912, aproveitando-se do espírito nacionalista da época e do desejo de que o País Basco ganhasse destaque nos primeiros momentos do esporte no país. Sua consolidação, porém, acontece durante a ditadura militar espanhola, conduzida por Francisco Franco, que durou entre 1939 e 1975.

Fundado em 1898 por trabalhadores britânicos recém-chegados à Espanha, o clube sofreu grande influência estrangeira logo em seu nascimento. O próprio nome da equipe, grafado até hoje em língua inglesa, e as listras vermelhas e brancas de seu uniforme (que acredita-se, sejam referências ao Sunderland, time inglês com grande torcida na época) são exemplos disso.

Parte da identidade do time, o nome grafado em inglês teve de ser abandonado durante o regime. De “Athletic”, mudou-se então para “Atlético Club Bilbao”, devido a uma decisão que bania o uso de qualquer palavra que não estivesse grafada na língua espanhola. Anos depois com o fim do regime, o nome voltaria à grafia original.

Bandeira do País Basco
A Ikurriña, bandeira do País Basco, foi adotada oficialmente pela região em 1979 . Foto: Wikimedia Commons.

Também durante a ditadura, o estatuto que garantia a autonomia da região foi abolido e vários líderes nacionalistas bascos foram obrigados a deixar o país. A bandeira do País Basco e o uso do idioma local também foram banidos. Essa perda de autonomia fez com que, durante a Guerra Civil Espanhola, o Partido Nacionalista Basco se aliasse ao Partido Republicano contra o regime de Franco. Nas décadas de 1960 e 1970, e principalmente com o fim do regime ditatorial, o nacionalismo passou a se aproveitar do fanatismo futebolístico também como forma de promover sua agenda política.

Um ano após a morte de Franco, um jogador do Athletic protagonizou o que foi considerada a primeira exibição pública da bandeira basca após 40 anos. O goleiro José Ángel Iribar, jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube, com 614 aparições, foi o responsável pelo gesto, em uma partida contra o San Sebastián.

Tudo isso contribuiu para que o Athletic fosse visto como um dos principais símbolos da resistência basca, sendo associado até hoje ao movimento separatista. Uma pesquisa feita em 2007 mostrou que mais ⅔ de eleitores de dois partidos nacionalistas bascos eram também fãs do clube.

O que acontece na região

A cidade de Bilbau, sede da equipe, está inserida no País Basco, uma das 17 comunidades autônomas da Espanha. Localizada no norte do país e contemplando também um pequeno pedaço da França, a área é ocupada pelo povo basco há pelo menos 4 mil anos. Essa presença permitiu a conservação de boa parte da cultura original antiga, como a língua própria.

Apesar de ter autonomia reconhecida desde 1978 e contar com um Parlamento próprio desde 1980, o País Basco ainda luta pela independência completa da Espanha. A disputa é marcada pela atuação de grupos separatistas extremistas, sendo o principal deles o ETA, sigla para Euskadi Ta Askatasuna, ou “Pátria Basca e Liberdade”, em basco. O grupo promoveu uma série de atentados na região a partir da década de 1970 e existe até hoje, mesmo após se desmilitarizar em 2011.

nexo_jornal_logoEste texto é uma republicação de artigo publicado no site Nexo Jornal.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Guilherme Eler

Estudante de Jornalismo na USP, estagiário do Nexo Jornal e fã de futebol, a maior invenção humana

Como citar

ELER, Guilherme. O Athletic Bilbao e os jogadores estrangeiros. Ludopédio, São Paulo, v. 105, n. 2, 2018.
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