108.32

Aula de Geografia

Leandro Marçal 26 de junho de 2018

Não lembro se tirei uma nota menor que 7 nas aulas de Geografia. Desde os primeiros anos no colégio, era capaz de falar capitais de países distantes, idiomas, moedas e outros costumes de vários lugares. Quando perguntado, dizia ter em casa almanaques, enciclopédias e livros para me ajudar.

Uma meia verdade.

Fui perguntado no refeitório da empresa sobre meu conhecimento geográfico. Para estranhamento geral, na semana passada balbuciei a melodia do hino de um país europeu. Ninguém na mesa era capaz de reconhecer a “musiquinha” daquela seleção.

Falei dos almanaques, enciclopédias e livros me ajudando no passado. Ninguém acreditou. Fui obrigado a confessar.

– Tá bom, tá bom. Chega essa época de Copa do Mundo e vejo todos os programas especiais sobre os países participantes. Foi dali que aprendi hinos. Sei características tão especiais de cada um. Essas melodias também me foram ensinadas quando ainda conseguia acordar cedo aos domingos para assistir a Fórmula 1. Ah, as Olimpíadas também ajudaram. Cês pensam mesmo que ver esporte é coisa de alienado etc. etc.?

mapabola
Mapa da bola. Imagem: Robert Proksa.

Ainda houve uma e outra dúvida. Percebi que começaram a me perguntar demais. Quem era o presidente dali, a capital de lá. Um pouco da história de um país com pouca tradição no esporte, a situação econômica da nação que foi a passeio para a Rússia. Mostraram umas bandeiras, uns presidentes, outras notícias. Podia relacionar e contextualizar tudo. Um bom aluno, mas desconfiado.

Parei de responder quando vi um cotovelo batendo no braço de quem estava ao lado. Pressionei e vi que rolava alguma aposta à custa do meu conhecimento. Senti que fui usado. A conta do almoço foi paga por quem duvidou do meu bom desempenho nas aulas de Geografia. Nunca repeti de ano, ainda que tenha reprisado uma série de histórias por meio de documentários, reportagens, e conteúdos especiais dessa época que demora tanto para chegar e vai embora sem muita cerimônia.

Quando voltei do almoço, pensei na professora me separando dos amigos na hora das provas, para evitar colas, cochichos, ajudas trapaceiras. Talvez ela já tenha se aposentado, até porque já saí da escola há mais de uma década. Tomara que ela curta a velhice assistindo a todos os jogos, mesas-redondas e programas após cada rodada.

Fico na expectativa de descer do ônibus, tomar um café e ligar o computador para assistir aos melhores momentos do dia. Não sem antes clicar nas reportagens sobre a situação dos países em campo, sua representação e outras coisas. Nem precisaria estudar para provas, tiraria 10 com um elogio na frente da classe.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Aula de Geografia. Ludopédio, São Paulo, v. 108, n. 32, 2018.
Leia também:
  • 154.1

    O clássico (da vez) da imprensa clubista

    Leandro Marçal
  • 135.69

    Donos da banca

    Leandro Marçal
  • 135.54

    Deixem o Cleber em paz

    Leandro Marçal