Escrevo esse texto no dia seguinte da maior goleada sofrida pelo Brasil em Copas do Mundo. Talvez para os jogadores o dia seguinte seja pior que o dia da partida, pois com a cabeça mais calma devem perceber melhor o quanto dói ser derrotado da forma que foram.

Logo após a vitória, nos pênaltis, contra o Chile escrevi nesse mesmo espaço um texto em que argumentava que essa era a pior seleção brasileira que eu tinha visto jogar em uma Copa do Mundo. Sem cair na armadilha de comparar seleções que não jogaram entre si, minha intenção foi de mostrar no que elas se assemelhavam. E foi nesse ponto das críticas que receberam que avancei no texto.

Veio o jogo contra a Colômbia e com ele uma nova postura da equipe que, pela primeira vez na Copa mostrou um futebol envolvente e que envolvia a seleção colombiana, apontada como uma das sensações da Copa. No segundo tempo a Colômbia passou a atacar mais o Brasil e a partida seguiu equilibrada. O Brasil avançava para as semifinais e agora teria a Alemanha pela frente.

Mais do que um fato curioso, mas um indicativo das alternativas das seleções para vencer as partidas, dos cinco gols que foram marcados nas quartas-de-finais, apenas um não foi de bola parada. O gol da Argentina contra a Bélgica surgiu após um passe de Di Maria completado por Higuaín de fora da área. O gol da Alemanha contra a França aconteceu após cobrança de falta. O Brasil fez um gol após cobrança de escanteio e outro de falta sobre a Colômbia. Os colombianos diminuíram de pênalti. Enquanto Holanda e Costa Rica empataram sem gols.

O que isso quer dizer? Em partidas equilibradas, a bola parada continua a ser uma boa alternativa para conquistar a vitória. Contra a Alemanha o Brasil tomou a iniciativa durante cinco minutos e viu os alemães jogaram durante os 85 minutos restantes. O primeiro gol alemão foi exatamente de bola parada. Após cobrança de escanteio Muller abriu o placar. Tomar um gol logo no início pode ser uma vantagem para aquele que sofre o gol, mas para o Brasil foi o começo do massacre.

Jogadores brasileiros, abatidos, agradecem aos torcedores após a goleada sofrida contra a Alemanha. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.


Logo a Alemanha percebeu que o Brasil não se encontrava em campo e fez um gol atrás do outro e tinha claro que não precisaria das bolas paradas para vencer o ‘temido’ Brasil. Bastava fazer trocas simples de passes diante de um time desmantelado. Placar final, como todos sabem, foi 7 a 1.

Em meu texto anterior, dizia que a seleção poderia até ser campeã, mas que a vitória ocultaria uma série de problemas estruturais do futebol brasileiro. Uma derrota tal qual um novo Maracanazo, como havia apontado seria o primeiro passo para uma mudança. A goleada se encarregou disso…

Sobre a derrota para a Alemanha não quero aqui apontar os culpados, pois se engana quem diz que foram somente os jogadores e a comissão técnica que estava no Mineirão. Ou indicar que tal jogador deveria ter sido convocado ou escalado no lugar de outros que não foram efetivos. Falar depois do fato consumado é fácil e não resolve o problema.

O que a derrota revela é um longo processo falho da renovação da seleção nacional. É fruto das dificuldades pelas quais passam a maioria dos clubes brasileiros. É fruto da falsa ideia de que craque nasce feito, de que temos o dom de jogar futebol e que somos os melhores em tal prática.

Tostão, ex- jogador e colunista da Folha de S. Paulo, escreveu o texto ‘Derrota histórica’ (9 de julho de 2014) em que brinca que se um ET visse o jogo entre Brasil e Alemanha e sem ter maiores informações sobre as seleções indicaria que o país do futebol esteve muito bem representado pelo time rubro-negro que desfilou categoria na partida contra a equipe de amarelo.

E de fato, a Alemanha é o país do futebol. Fruto de uma mudança organizacional que colocou o papel social do esporte em primeiro lugar. De acordo com o ex-jogador Breinter, a principal alteração da Alemanha foi mudar a postura arrogante de que não tinham mais nada para aprender. E jogavam cada vez pior. Alguma semelhança com o Brasil?

Torcedores brasileiros choram após a derrota do Brasil por 7 a 1 para a Alemanha. Foto: Jefferson Bernardes – VIPCOMM.

A Associação Alemã de Futebol (DFB) cuida de 366 centros de treinamento e atende a 25 mil jovens. Em relação aos clubes profissionais estabeleceu que clubes com dívidas não podem disputar a Bundesliga. Essa reestruturação surtiu efeito passando pela mudança de gestão dos clubes, do aumento do público e da chegada de talentos jovens para a seleção nacional alemã.

O Brasil precisa se renovar. Aprender, especialmente com os europeus que, outrora aprenderam com a gente, mas que nos deixaram para trás em termos futebolísticos. O massacre alemão também será capaz de colocar essa partida entre as mais comentadas por aqui.

Se a derrota em 1950, em casa, para o Uruguai jamais vai ser esquecida, essa goleada em casa, a maior derrota que uma seleção brasileira sofreu em uma Copa do Mundo, pode ser capaz de libertar de vez a sina que Barbosa carregou durante muito tempo. Claro que são momentos diferentes e não quero compará-los para não correr o risco de produzir um anacronismo na análise, mas ser derrotado por goleada quando se esperava que o time fosse campeão, mesmo que seja numa semifinal, será responsável, ao menos, de diminuir o peso colocado sobre os ombros de um único jogador.

Talvez seja esse o grande legado dessa seleção de Felipão e Parreira, de ter libertado Barbosa do lugar que ocupou desde 1950. E que Barbosa, enfim, descanse em paz!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Barbosa, descanse em paz!. Ludopédio, São Paulo, v. 61, n. 3, 2014.
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