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Battler, Copa do mundo e Maracanã

“Os prefeitos das cidades e os governadores dos estados ainda estão discutindo sobre os estádios do Mundial. Se continuarem a trabalhar assim, quando chegar a Copa das Confederações, não realizaremos jogos no Rio e em São Paulo. Os estádios do Mundial não estão preparados.” Joseph Batler

Ao ver essa frase, publicada no caderno de Esportes do Jornal O Globo de 29 de março, tive a ideia de escrever sobre este vovô, que é o Estádio Jornalista Mário Filho, popularmente conhecido como Maracanã. É este mesmo palco de tantas glórias que Blatter sugere não estar preparado para sediar os jogos da Copa das Confederações, evento que antecede a Copa do Mundo e serve para “testar” a infra-estrutura do país anfitrião. Joseph Blatter ainda foi além em seu discurso:

“Gostaria de dizer para meus colegas brasileiros que a Copa de 2014 é amanhã. Os brasileiros acham que ela vai ser depois de amanhã. As coisas não estão avançando muito rápido. É preciso se apressar, pois está tudo muito lento.”

Joseph Blatter, da Fifa, fala à imprensa após audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto (janeiro de 2009). Foto: Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil.

Só para finalizar o assunto iniciado no início do texto, Blatter teria criticado a organização dos jogos, a mesma que havia elogiado no início de março (fonte), como uma revanche pelo apoio dado por Ricardo Teixeira a candidatura do Qatar para sede da Copa de 2022. O presidente da Federação Asiática de Futebol, Mohamed bin Hamman, que liderou a campanha pró-Qatar, é candidato da oposição à reeleição de Blatter na FIFA. Entendendo o apoio de Teixeira ao Qatar como um implícito voto em Hamman, Battler, “macaco velho”, decidiu retaliar na primeira oportunidade encontrada. No dia seguinte as críticas, a CBF publicou nota refutando as afirmações de Joseph Blatter. No Globo do dia 30 de março foi publicado ainda um box com a atual situação de todas as futuras sedes da Copa de 2014:

Clique na imagem para ampliar.

À parte os joguetes políticos envolvidos por trás dessas afirmações, decidi contar resumidamente nesse texto a história do Maracanã.

Uma rápida interrupção na linearidade em prol da informação (in)útil. A origem etimológica da palavra Maracanã vem da língua indígena tupi: “maracá” (chocalho) e “nã” (semelhante). Separadas não fazem muito sentido, mas juntas elas designam o som feito por uma papagaio da espécie Maracanã-guaçu.

Voltando a linearidade ortodoxa, se olhamos para trás, veremos que, se hoje supostamente falta estrutura ao Maracanã, no passado, ele foi palco de grandes jogos, clássicos clubísticos e duelos de seleções. Por seus gramados, já passaram mitos do futebol Mundial, como Roberto Dinamite , Zico, Garrincha, Rivelino, Ronaldo Fenômeno, dentre vários outros. Pelé entrou para história mundial ao marcar seu milésimo gol nesse mesmo estádio “não preparado para a Copa”. Brasil e Uruguai disputaram a final mais memorável de todas as Copas do Mundo em 1950. O Maracanazo é até hoje lembrado, não apenas por brasileiros e uruguaios, mas por amantes do futebol em todo o mundo.

E não apenas de futebol vive o ex-maior do mundo. Grandes astros da música também já mostraram seu talento no “Maraca”: Frank Sinatra (“o maior [show] de toda a história do estádio”, segundo o site da Suderj), Paul McCartney, Madonna, Rolling Stones, Ivete Sangalo e Roberto Carlos. Em 1980 e 1997, ainda tivemos a visita do então papa João Paulo II.

O projeto de construção do Estádio Municipal do Rio de Janeiro se deu em função da Copa de 1950. Candidato único a sede dessa edição, face a crise econômica que a maioria dos países vivenciavam no pós-guerra, o Brasil tinha de se estruturar minimamente e construir estádios para os jogos (veja mapa com os estádios construídos para Copa de 1950). O complexo esportivo do Maracanã era composto pelo Maracanãzinho, pelo Estádio de atletismo Célio de Barros e pelo Parque Aquático Júlio Delamare (passível de ser demolido com as atuais obras para a Copa de 2014). Incluindo o estádio principal, temos um espaço total de 195.600 m2 .

Mário Filho (dir) observa a maquete do projeto original do Maracanã, na década de 1940. Crédito: Arquivo Maracanã.

Sua construção iniciou-se em 02 de agosto de 1948, apenas 2 anos antes do início da competição. Como prova da garra e do empenho do povo brasileiro, o estádio conseguiu ficar pronto a tempo, ainda que não totalmente finalizado. Prova inequívoca, aliás, da capacidade brasileira de lidar com prazos exíguos. Segundo Lycio Ribas no livro “O mundo das Copas”, foram necessários para a construção do Maracanã “quinhentos mil sacos de cimentos, seis empreiteiras e 4.500 operários” (2010, p. 52). A previsão oficial de público do estádio era de 155 mil pessoas. No entanto, já chegou a abrigar muito mais do que isso. Em 1969, pelas eliminatórias da Copa, o jogo Brasil e Paraguai recebeu 183.341 pessoas no estádio.

Maiores Públicos

1°) 31/08/1969 – Brasil 1 x 0 Paraguai (183.341).

2°) 15/12/1963 – CR Flamengo 0 x 0 Fluminense FC (177.020).

3°) 04/04/1976 – CR Flamengo 3 x 1 CR Vasco da Gama (174.770).

4°) 21/03/1954 – Brasil 4 x 1 Paraguai (174.599).

5°) 16/07/1950 – Brasil 1 x 2 Uruguai (173.850).

6°) 15/06/1969 – Botafogo FR 0 x 0 AA Portuguesa ‘Carioca’ (1° jogo).

Fluminense FC 3 x 2 CR Flamengo (2° jogo).

(rodada dupla: 171.599).

7°) 22/12/1974 – CR Flamengo 0 x 0 CR Vasco da Gama (165.358).

8°) 09/03/1977 – Brasil 6 x 0 Colômbia (162.764).

9°) 06/12/1981 – CR Flamengo 2 x 1 CR Vasco da Gama (161.989).

10°) 06/05/1973 – Bangu AC 2 x 1 Madureira EC (1° jogo).

CR Flamengo 1 x 0 CR Vasco da Gama (2° jogo).

(rodada dupla: 160.342).

11°) 29/04/1979 – Botafogo FR 2 x 2 CR Flamengo (158.477).

12°) 29/05/1983 – CR Flamengo 3 x 0 Santos FC (155.253).

Fonte: http://www.rsssfbrasil.com/miscellaneous/attmaraca.htm

A partida inaugural se deu em um amistoso não oficial, realizado em 17 de junho, envolvendo um mistão de São Paulo contra Rio de Janeiro. Didi foi o autor do primeiro tento do estádio, mas a vitória ficou com a equipe paulista por 3 a 1. A primeira partida oficial, já pela Copa do Mundo, se deu no dia 24 de junho, num duelo entre Brasil e México (Ribas, 2010, p.52)

Aqui cabe um adendo em relação ao episódio mais traumático da história desse estádio: o Maracanazo, já mencionado rapidamente no início do texto. Sediando a Copa e favorito na final, o Brasil caiu diante de um surpreendente Uruguai. Nos dois jogos anteriores a final, o Brasil havia vencido a Espanha e a Suécia por placares elásticos de 6×1 e 7×1, respectivamente. Por outro lado, o Uruguai vinha de um empate e de uma vitória apertada sobre a Suécia. Na final, o Brasil perdeu de virada para o Uruguai por 2 x 1 diante de cerca de 200 mil torcedores. Esse episódio tinha tudo para diminuir o brilho do então “Maior do Mundo”. Não foi isso que ocorreu, e o Maracanã continua reverenciado por todos os brasileiros.

Após a Copa do Mundo, o Maracanã ainda sediaria outros jogos memoráveis. De finais de Mundial de Clubes, me recordo, graças ao Google, do Santos e Milan em 1963, que terminou com vitória santista de virada por 4 a 2. Tivemos ainda a derrota do Vasco nos pênaltis para o Corinthians em 2000. De finais de Brasileiro, Flamengo e Atlético/MG deve ser uma das mais lembradas. O rubro negro carioca sofreu, mas conseguiu sagrar-se campeão brasileiro daquele ano, ganhando o jogo por 3 a 2. Inúmeras finais de cariocas, o que torna impossível citar uma em especial. Recentemente, o “Maraca” presenciou também, já na era dos pontos corridos, a conquista da Série B pelo Vasco em 2009, da Série A pelo Flamengo nesse mesmo ano e, em 2010, o título brasileiro do Fluminense.

Em tempo, as obras no Maracaña já estão em andamento, com previsão de conclusão para março de 2013 (inicialmente, previa-se dezembro de 2012), quatro meses antes do início da Copa das Confederações, segundo Ricardo Teixeira (matéria do jornal O Globo, Caderno de Esporte, página 6, 01 de abril). Ao custo inicial de 700 milhões de reais , esse valor já está, hoje, em 1,05 bilhões de reais, um aumento de 50% (o limite permitido em licitações públicos), devido, em parte, a instalação de uma nova marquise, com a necessária demolição da antiga. Anteriormente, entre abril de 2005 e janeiro de 2006, o Maracanã já havia passado por obras visando os Jogos Panamericanos de 2007 (extinção da geral para instalação de cadeiras).

Projeto para o Maracanã 2014. Crédito: Castro Mello Arquitetos.

As visitas ao Maracanã ocorrem todos os dias das 9h às 17h. Visite o site da Suderj e veja mais informações.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fausto Amaro

Doutorando em Comunicação da Uerj e bolsista da Capes. Mestre e graduado em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas, ambos pela Uerj. Atua no projeto de pesquisa "Meios de Comunicaçao, Idolatria, Identidade e Cultura Popular" sob orientação do Professor Ronaldo Helal. É um dos admistradores do blog "Comunicação, Esporte e Cultura".

Como citar

MONTANHA, Fausto Amaro Ribeiro Picoreli. Battler, Copa do mundo e Maracanã. Ludopédio, São Paulo, v. 23, n. 8, 2011.
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