97.11

Bolsonaro e Médici: quando o populismo encontra o futebol

Lucas Salgueiro Lopes 11 de julho de 2017

A síntese do início dos anos 70: entre os anos de chumbo e o milagre econômico, o maniqueísmo que há entre a omissão da violência política e o otimismo ufanista da prosperidade. O futebol entra em cena – se é que um dia saiu – no governo de Garrastazu Médici em meio a toda euforia da conquista da Copa do Mundo de 1970 no México – grande aposta a princípio, e consequente vitória para a propaganda envolta ao projeto de unificação nacional do governo.

Médici, como dito em discurso após a posse, queria mais: sonhava afinal, que seu governo recebesse o “prêmio da popularidade”¹. Nesse caso, pode-se iniciar um paralelo da popularidade por meio do populismo, sendo esse, pensado além do senso comum que o relaciona à esquerda política. Como estilo político, ou fenômeno carismático já aplicado a “versão à brasileira”, encontra-se a paixão nacional pelo futebol. O presidente Médici, então, amplifica desde o início o poder da propaganda futebolística, atribuindo-se como parte integrante da glória popular e nacional vinda da Copa do Mundo – conquista tratada como prioridade para seu governo – e mais do que isso, propaganda que vem de forma individual, projetando mostrar-lhe com figura de torcedor.

2
Carlos Alberto Torres e Médici. Foto: Reprodução.

O presidente e seus ministros se esforçam para criar uma imagem de “homem comum”, muito importante no contexto brasileiro para legitimação da figura de um presidente que representasse e refletisse a face da população brasileira. Leva-se em consideração nesse desejo, os tempos de restrição de liberdade e ausência de participação nas escolhas dos rumos políticos ligadas a seu governo. São as fotos de Médici torcendo pela seleção, seus pitacos como mais um dos milhões de técnicos na convocação e direção do time.

Ao que consta, Médici foi o presidente que uniu o útil ao agradável naquele momento: a sua já desenvolvida paixão pelo futebol com a necessidade de identificação popular por meio do esporte nacional. Gaúcho de Bagé, Médici também representa até hoje a incógnita de qual seria o seu time de coração – fato aqui de suma importância – Grêmio ou Flamengo? Seria possível o General cair no imenso paradoxo futebolístico de um apaixonado por dois times? No caso do Grêmio, torna-se uma escolha mais natural ao que figura um dos grandes de seu estado de origem; no mais, adicionam-se as constantes menções do agora presidente, a torcer e acompanhar de perto o Flamengo; sabidamente time de maior torcida do Brasil, e com apelo popular muito mais atrativo. Conclui-se daí, que se a dúvida opositora, que se lança a paixão do presidente pelo esporte bretão parece ter um desfecho sem maiores questionamentos ao presidente; já seu time de coração, parece questionável, no mínimo curioso, ao ponto da feliz coincidência que poderia ser atribuída futebolisticamente ao nosso promissor presidente das massas.

Não entraria em campo nessa análise o campo objetivo, que liga o regime militar a diversas ligações e interferências diretas ao andamento do futebol brasileiro: seja na polêmica e clássica questão de demissão ao comunista João Saldanha, ou passando por pelas obras públicas características do período que incluem diversos estádios, criação d’um campeonato nacional abrangente, dirigentes militares, entre outros. Aqui, se pensa no caráter subjetivo do cultural; que liga a imagem de um representante maior ao que tem de tão íntimo as relações sociais brasileiras.

A difusão dessa imagem presidencial, conta com a estreita relação entre mídia e governo da época. Por meio das censuras e interferência direta na difusão de notícias pelo território. O governo passa por meio de um forte aparato ligado a censura e propaganda, que é legitimado por boa parte da mídia da época, essa principalmente representada pela mídia escrita ou de rádio. Essa relação entre mídia e governo, num aspecto geral e já debatido por diversos autores, mostra-se muito bem sucedida à época – novamente lembrando, muito também pela boa maré geral que vinha ao Brasil com seu clima ufanista decorrente dos anos do milagre. Médici conseguira ser vinculado ao brasileiro comum – cigarro, cafezinho, flamengo, seleção; torcedor que vai ao Maracanã, apita a escalação da seleção, e chora ao vencer o desejado título. O General Médici era além de tudo, Emílio.

Deputado vai ao Maracanã torcer pelo Palmeiras
Deputado vai ao Maracanã torcer pelo Palmeiras. Foto: Reprodução.

Décadas mais tarde, fica mais evidente no cenário nacional a figura do deputado federal Jair Bolsonaro: como Médici, de carreira militar; como brasileiro, aficionado por futebol. O político é notável e evidentemente uma das figuras mais controversas de seu tempo; um representante maior da polarização que faz com que seus eleitores sejam fãs, e seus opositores sejam rivais.

De posição conservadora, o político se tornou um dos maiores porta-vozes dessas ideias nos últimos anos, e cada vez mais próximo de sua já lançada candidatura a presidência da república, flerta com o futebol e as massas que esse carrega. É evidente – principalmente pela oposição do deputado – argumentos que ligam Bolsonaro ao que há de mais extremo na atual direita nacional, sendo quase que comum e banalizado, ligar o político a termos negativos como fascista, racista, machista ou homofóbico. Sendo posições essas, com alta carga segregadora e de caráter negativo a qualquer um que tente se fazer ouvir como representante de um caráter nacional. Jair Bolsonaro, usa como alguns dos seus estratagemas a criação de um populismo de oposição, que faz uso muitas vezes de uma linguagem mais próxima as críticas que vem das camadas mais reacionárias do povo, e como é de foco no presente texto, do uso do futebol como caráter de aproximação.

Jair Bolsonaro e suas recentes aparições com camisas dos quatro grandes cariocas.
Jair Bolsonaro e suas mais recentes aparições com camisa dos quatro grandes cariocas. Foto: Reprodução.

Assim como Médici, Bolsonaro se mostra inicialmente dividido numa dualidade em sua paixão futebolística: Palmeiras² e Botafogo. Essa é a base tradicional em que o deputado paulista declara sua paixão, e exibe a princípio suas aparições públicas em estádios e com camisas. Mas aqui, Bolsonaro vai um ponto a frente do ex-presidente, e nos períodos mais recentes, vira um verdadeiro franco atirador nas arquibancadas. Num tempo relativamente pequeno, o político ultrapassa sua “paixão” alvinegra no Rio de Janeiro, e veste camisas de Fluminense e America; ao fim de 2016, vai ao Maracanã uniformizado, e vibra com a volta do Vasco a primeira divisão³. Em junho de 2017, vai ao Estádio Nilton Santos ver o Botafogo, e semanas depois num dos primeiros jogos da reformada Ilha do Urubu, torcer pelo Flamengo contra a Chapecoense em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro4. Nas redes sociais, o futuro candidato a presidência da república ainda veste a camisa do rubro-negro carioca. Fora do eixo Rio-São Paulo, adiciona seu polêmico episódio – repleto de protestos5 – com a camisa do Grêmio.

Como diferença essencial a Médici, é de se destacar que Bolsonaro não tem ao seu lado todo o apoio midiático do antigo regime militar, e tem de se adaptar aos novos tempos, de mídia democratizada e alcance majoritariamente virtual. O deputado agrega boa parte de sua base apoiadora, e divulga consequentemente suas ideias – inclusive essas, ligadas ao futebol – por suas páginas em redes sociais.

A ligação entre os dois personagens aqui vão mais além do que a simples coincidência, origem militar, ou clara preferência pela direita política. Bolsonaro é um herdeiro e representante declarado dessa mesma política e consequente ideologia. O deputado deixa muito claro sua admiração pelos feitos – ainda que os mais polêmicos – do governo militar, e se derrete ao declarar sua admiração por Médici – e consequentemente de todo o regime militar ao qual é defensor6. Ambos os políticos são figuras que representam o mesmo lado, em momentos de maior tensão na política brasileira, desenhado principalmente pela acalorada e notável polarização de ideias e ideais. Buscam então, na contramão do que os afastaria ao povo, uma maneira de aproximar culturalmente; mais do que isso, uma maneira de suavizar suas respectivas imagens – ligadas e apontadas constantemente como extremistas – de uma maneira muito mais amigável e tragável a grande massa da população. A problemática chega, a partir do momento que esse político – em particular Bolsonaro – perde a mão ao tentar agradar públicos diversos, ao tentar vincular-se a diversas torcidas; torcidas rivais!

Ao talhar esse tipo de reflexão, deve-se pensar em fugir da já batida teoria acadêmica de futebol como “ópio do povo”, e mais ainda, de bordões do senso comum onde se coloca futebol e política na área que não deve ser discutida. A questão vai além da parte negativa, vai da importância do futebol para a cultura brasileira, e da cultura brasileira para as representações políticas escolhidas. As décadas e personagens que passam, mas com suas estratégias e representações que seguem a fazerem-se distintivas no campo social.

Referências Bibliográficas:

CALIL, G. Populismo e hegemonia burguesa na América Latina. In: XI Jornadas Interescuelas: Departamentos de Historia, 2007, San Miguel de Tucumán. XI Jornadas Interescuelas: Departamentos de Historia. San Miguel de Tucumán: Universidade Nacional de Tucumán, p.1-15. 2007.

CHAGAS, L. S.. Brasil, pra sempre: futebol e política na revista Veja (1970). In: Simpósio Nacional de História – História e ética, 2009, Fortaleza. Anais do Simpósio Nacional de História: Por uma est(ética) da beleza na História, 2009.

CHAZANAS, M. C.. Futebol e Ideologia: Um Estudo sobre a Copa de 70; Trabalho de Conclusão de Curso; (Graduação em Psicologia) – Universidade de Taubaté. 2006.

GUTERMAN, M.. Médici e o Futebol: A utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar. Proj. História, São Paulo, (29) tomo 1, p. 267-279, dez. 2004.

RODRIGUES, F. X. F.. Futebol e Teoria Social: uma introducão à sociologia do futebol brasileiro. Ciências Sociais Unisinos, Unisinos – São Leopoldo – RS, v. 38, n.160, p. 65-93, 2002.

Notas:

  1. MÉDICI, Emílio Garrastazu. A verdadeira paz. Brasília, Secretaria de Imprensa da Presidência da República, p.65, 1973.
  2. http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,deputado-jair-bolsonaro-vira-atracao-em-jogo-do-palmeiras,10000054992. Acessado em 29 de junho de 2017 às 20:13.
  3. https://extra.globo.com/esporte/vasco/botafoguense-jair-bolsonaro-aparece-no-maracana-para-torcer-pelo-vasco-20547744.html. Acessado em 29 de junho de 2017 às 20:37.
  4. http://odia.ig.com.br/esporte/2017-06-23/flamengo-da-credencial-para-jair-bolsonaro-assistir-jogo-na-ilha-e-gera-polemica.html. Acessado em 26 de junho de 2017 às 23:00.
  5. http://hojeemdia.com.br/esportes/torcida-organizada-do-gr%C3%AAmio-protesta-ap%C3%B3s-bolsonaro-posar-com-a-camisa-do-tricolor-1.353200. Acessado em 27 de junho de 2017 às 22:35.
  6. https://videos.bol.uol.com.br/video/para-jair-bolsonaro-o-regime-militar-foi-uma-maravilha-04024D1A356EC8A95326. Acessado em 30 de junho de 2017 às 00:13
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Lucas Salgueiro Lopes

Graduando em História pela UERJ/FFP. Graduando em Sociologia pela UNINTER.Contato: [email protected]

Como citar

LOPES, Lucas Salgueiro. Bolsonaro e Médici: quando o populismo encontra o futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 97, n. 11, 2017.
Leia também:
  • 107.16

    A militarização do futebol brasileiro: como a Seleção foi afetada na Copa de 1970

    Lucas Salgueiro Lopes