Os manifestos e reivindicações das mais diversas classes de trabalhadores tomam conta do Brasil e agora chegam aos campos de futebol. Há um mês, jogadores se reúnem física e virtualmente para discutir o futebol brasileiro, desde seu calendário de jogos às finanças dos clubes nacionais. O assunto que tem sido destaque na imprensa e a cada dia ganha mais força e adeptos, merece aqui um olhar mais atento.

O Bom Senso F. C. surgiu da mobilização espontânea dos jogadores profissionais do Campeonato Brasileiro das séries A e B, que não concordam com a forma como vêm sendo conduzidas as decisões do futebol no Brasil. Atletas como Alex, Juan, Fernando Prass, Paulo André, Seedorf, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, entre tantos outros, reivindicam ser ouvidos diretamente pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sem intermediários, para manifestar a insatisfação da classe. No início o movimento tinha 75 jogadores envolvidos e hoje conta com 860 atletas, organizados de forma pacífica para demonstrar publicamente a representatividade do futebol no país. A pauta de reivindicações dos jogadores aponta para a preocupação com a instituição do futebol no que diz respeito à opinião pública, imprensa, torcedores e demais entidades interessadas no esporte, além dos próprios atletas (Leia o manifesto completo aqui).

O principal tema discutido pelos jogadores é a mudança no calendário, visando uma temporada mais curta. Os atletas sugerem que a CBF enxugue o calendário de partidas oficiais. Com menos jogos, os jogadores reduziriam o risco de lesões, fariam uma preparação melhor e, logo, apresentariam um futebol de melhor qualidade. Como o formato do Brasileirão agrada aos jogadores, a opção seria a redução dos Campeonatos Estaduais. Eles defendem ainda o modelo de calendário europeu, já adotado na Argentina e no México, quando as janelas de transferências de atletas seriam iguais nesses países. O problema é que essas propostas apresentadas envolvem os contratos com as emissoras de TV para a exibição dos campeonatos, que ainda são as principais fontes de receita dos clubes. As sequências de jogos em períodos muito apertados representam risco à saúde dos atletas e um fator prejudicial à qualidade das competições. Dessa forma, seria necessário que a CBF negociasse com todos os patrocinadores e detentores da transmissão dos jogos, além de convencer a Conmebol sobre a mudança da data das partidas da Copa Libertadores.

Líderes do Bom Senso F. C. se reúnem com a CBF. Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Os jogadores do movimento esperam também ter o direito de 30 dias ininterruptos de férias no intervalo entre as temporadas, algo que não vem acontecendo nos últimos anos. Pela lei, os atletas, assim como qualquer trabalhador, precisam ter 30 dias de férias por ano. E, caso nosso calendário se adaptasse ao modelo europeu, as férias dos atletas ocupariam todo o mês de junho. Porém, os torneios da FIFA e da Conmebol tornam o projeto inviável, já que ocorre, ao menos, uma competição grande na metade do ano.

Os atletas envolvidos com o Bom Senso F. C. também demonstram interesse em combater os calotes no futebol brasileiro, pressionando os clubes a apresentar planos financeiros detalhados antes do início de cada temporada. Obviamente, a solicitação por parte dos jogadores de transparência na saúde financeira dos clubes não agrada aos cartolas, que em certo momento, chegaram a propor que os atletas fizessem greve por seus direitos, numa oportunidade de apropriação das conquistas trabalhistas por direito, numa tentativa de promoção (Entenda a proposta de greve dos jogadores).

Jamais vista no país, a união dos jogadores não agradou a CBF e muito menos a Federação Nacional dos Atletas Profissionais (Fenapaf). O movimento não tem a adesão de sindicatos ou qualquer outra entidade esportiva. Mas com o apoio de técnicos como Tite e Oswaldo de Oliveira, do Corinthians e do Botafogo respectivamente; do deputado e ex-jogador Romário; do publicitário Washington Olivetto e sua agência W/Mccann; de consultoria jurídica; de assessoria de imprensa; e ainda, de embasamento teórico fornecido por acadêmicos, ligados à Universidade do Futebol, instituição de ensino especializada em conteúdo sobre o esporte. Também os torcedores, que se manifestaram a favor do movimento nas páginas do Bom Senso F. C. nas redes sociais, querem ver uma mudança no futebol brasileiro.

O movimento ganhou campo com ações dos jogadores antes das partidas e tomou forma inclusive de escudo. E, assim, os jogadores deram o primeiro passo em prol de suas reivindicações. Após primeira reunião entre atletas, CBF, TV Globo e representantes de todos os setores de interesse no futebol nacional, ficou decidido que somente a partir de 2015 o calendário será modificado, já que no próximo ano tem Copa do Mundo no Brasil. O que se percebe é que o movimento dos atletas brasileiros vem obtendo resultado: não haverá futebol em janeiro de 2015, os estaduais serão reduzidos, serão 30 dias de férias e 30 dias de pré-temporada.

Jogadores do Atlético-MG e do Flamengo se unem pelas mudanças no calendário do futebol. Foto: Bruno Cantini – Clube Atlético Mineiro.

Por fim, claro que todos nós queremos um belo espetáculo de futebol e que nossos clubes saiam vitoriosos das competições, assim como os atletas do movimento. A união dos jogadores e a organização do Bom Senso F. C. mantêm nossa esperança de que o esporte, paixão nacional, ainda pode tomar um rumo diferente no país.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Camila Augusta Alves Pereira

Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com bolsa da Capes, na linha de pesquisa Cultura de Massa, Cidade e Representação Social (2018). Mestre pela mesma instituição (2012). Possui experiência em pesquisa sobre marketing, idolatria, representação, identidade, publicidade, jornalismo, jovem, consumo, rádio e recepção em Copas do Mundo de Futebol. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá (2005), com habilitação em Publicidade e Propaganda. É professora na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e nas Faculdades Integradas Hélio Alonso - FACHA. Possui experiência de docência em universidades públicas e privadas nos cursos de Comunicação Social e Gestão Desportiva, em disciplinas teóricas e práticas como Criação em Mídia Contemporânea, Produção para Internet, Comunicação e Cultura, Comunicação e Imagem, Teoria de Publicidade e Propaganda, Marketing Digital, Agência Digital, Direção de Arte, Metodologia de Pesquisa ? Trabalho de Conclusão de Curso, Pesquisa de Opinião e Mercado, Marketing Esportivo, Comunicação Aplicada ao Esporte, Teoria e Fundamentos do Jornalismo, entre outras. Bolsista Qualitec do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura (FCS/UERJ), cadastrado no CNPQ, e do Laboratório de Esporte e Mídia da UERJ. Membro do Grupo de Pesquisa ReC - Retóricas do Consumo (UFF), cadastrado no CNPQ.

Como citar

PEREIRA, Camila Augusta Alves. Bom Senso F. C.. Ludopédio, São Paulo, v. 53, n. 1, 2013.
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