Recentemente foi divulgado na imprensa mundial que o ex-tenista Boris Becker está preso no Reino Unido em virtude de falência fraudulenta, uma vez que tinha posses e bens e omitiu isso do fisco inglês com a intenção de quitar dívidas.
Para amantes do esporte como eu, e que estão na faixa dos quarenta e poucos anos, Becker foi um esportista inspirador. Suas partidas de tênis nos torneios de Wimbledon eram simplesmente alucinantes. Ganhando ou perdendo finais, sempre era um show à parte.
Como adolescente no início dos anos 1990 acompanhei particularmente sua ascensão ao número 1 do mundo em 1989, quando ganhou em Wimbledon (contra Stefan Edberg, num jogo eletrizante) e no Aberto dos EUA (contra Ivan Lendl, numa partida de reviravoltas).
Ele chegou à final de Wimbledon simplesmente 7 vezes na carreira, nos anos 1985, 1986, 1988, 1989, 1990, 1991 e 1995. Nesses, foi campeão em 85, 86, 89 e vice em 88, 90, 91, 95. O sueco Edberg e o tcheco Lendl foram adversários (e algozes) recorrentes de Becker. Isso tudo o conduziu ao estrelato do mundo esportivo.
Lembro-me de ter lido algumas vezes reportagens sobre ele na Jugendliche Magazin, uma revista assinada pela escola onde estudava e sobre a qual a professora de alemão pedia tarefas específicas. Aliás, minha deutsche Lehrerin sempre falava dele com orgulho, pois, segundo ela, ele havia nascido numa cidadezinha próxima de Karlsruhe, de onde vinha sua família.
Todas as vezes em que aparecia o nome de Boris Becker, várias nomeações o acompanhavam, como Legendär (lenda), Held (herói), Idol (ídolo), Goliath (golias), Ikon (ícone). E nós, estudantes, aprendíamos mais vocabulário teutônico.
Outro esportista que estava nos holofotes à época, e quem também me inspirava, era Lothar Mathäus, um jogador de futebol que representou mais vezes a Alemanha no selecionado nacional e que ganhou o prêmio de melhor jogador em 1991. Ele e Becker tinham coxas grossas, algo que, na minha puberdade, já provocava certo desejo.
Becker fascinava pelas jogadas intuitivas e pelo espírito assertivo que o tomava numa partida. Eram bolas bem batidas, encaixadas e, muitas vezes, fulminantes. Por isso a ele era atribuído um sentido figurado de possuir “Killerinstinkt”, ou instinto assassino.
Naquele momento de minha formação enquanto sujeito foi bastante “útil”, para dizer o mínimo, ter exemplos como Becker, Mathäus, Zico, Carls Lewis, Casagrande, Billie-Jean, Florence Griffith-Joyner, Martina Navrátilová, entre tantos/as atletas.
Claro que o tempo passa, a vida segue e algumas pessoas mudam. A vida decadente e a prisão de Becker envergonham os alemães. Isso desde há alguns anos, quando em seu 50º aniversário a tônica dos textos críticos ou irônicos tratavam da “A ascensão e decadência de um ídolo” ou “O imperador criança”.
Quero chamar atenção aqui contra o preconceito socialmente disseminado de que “atleta é atleta”, frase que traz embutida a ideia de alguém descompromissado, apolítico e acrítico. Há vários casos que nos mostram histórias de militância e posicionamentos aguerridos ao longo do tempo.
O próprio ex-jogador brasileiro de futebol, Walter Casagrande (o Casão) é um exemplo. Ainda vivo e encampando um discurso político engajado, desde os anos da Democracia Corinthiana, faz-se presente na mídia e tece duras críticas, inclusive, a atletas omissos. Sua última entrevista no dia 09 de maio no Roda Viva, da TV Cultura, mostrou-nos alguém combativo e consciente politicamente, mesmo como comentarista esportivo.
Atletas são seres humanos, passíveis de erros, confusões, contradições e mesmo maldades. Nós, do lado de cá da grade, como torcedores, fãs e admiradores, ficamos endeusando figuras que, iguais a nós, também falham.
Os escândalos de fraude, ocultação de fortuna, sonegação de impostos de Becker maculam uma imagem passada e nos dizem muito sobre quem o ex-tenista decidiu ser. Afinal, são as decisões de cada pessoa que acabam a conduzindo para uma direção ou outra.
Isto não significa, entretanto, que suas conquistas devam ser minorizadas ou apagadas. Houve, sim, um tenista de grande habilidade, com potencial incrível, que inspirou gerações e fez parte das histórias que compõem o esporte moderno (ainda em construção).
Isso é fato. O resto são consequências de uma vida que Becker decidiu levar. E cabe a cada um julgar, neste caso ou em outros, se vale ou não continuar seguindo o exemplo.