O Brasil é um cano estourado vazando jogador bom pra todo lado. Sempre foi.
É tranquila a tarefa de elencar um escrete canarinho de A a Z.
Uma seleção de jogadores pra cada letra do alfabeto. Tarefa esta que, inevitavelmente, desencadeia um tratado fantástico de lendas da mitologia ludopédica tupiniquim.
Este é o Brasil B, de Basílio e Biguá.
Atenção, a escalação não deve ser lida. Seria inexato, incompleto.
Um selecionado brasileiro deve ser sempre recitado, como poema que é, em redondilhas maiores, e métrica espaçosa. Verifique.
Barbosa
Biguá, Bellini, Betão, Branco
Bernardo, Biro-Biro e Basílio
Bebeto, Bobô, Baltazar
Barbosa, o injustiçado. O primeiro de uma larga linhagem de goleiros brasileiros que ficaram conhecidos não por suas defesas, mas, cinicamente, pelos frangos, ou gols tomados. Que o digam Manga, Félix, Waldir Peres e até mesmo o argentino Andrada, conhecido por tomar o milésimo de Pelé. O Brasil maltrata seus camisa 1. Por isso mesmo, aqui não se chamam guarda metas, e sim apenas goleiro: aquele que toma gols. Assunto que abordarei em maior profundidade, analisando os pormenores na seleção brasileira do C, de Castilho, eterno titular do Fluminense, deixando Veludo sempre no banco.
Avançando, logo temos o lateral direito Biguá. Era habilidoso? Não. De forma alguma. Aliás, convenhamos, pouquíssimos laterais direitos o são. Espesso engano. O lateral direito é um motor, um atleta de quilometragem, de fundura. Alguém provido de brio, de elã, sete pulmões e preferivelmente alguma pontaria nos cruzamentos.
Biguá era dessa estirpe. Fibra pura. Lúcido. Incansável. Capaz de preencher baldes de suor. Ele estará lá, marcando o ponta esquerda. E este é o ponto nevrálgico. O lateral direito precisa, necessita, geometricamente, marcar o ponta esquerda. Tarefa para poucos.
No lado oposto, temos Branco. O bomba santa. O petardo fulminante. A bola sem curva. Sem truques. Apenas um tijolo que ninguém ousa se aproximar. A barreira segura a documentação firme, e sua. Sua frio. Febre de trinta e nove graus à frio. Branco solta a marretada, e a barreira não pula, não se meche, intacta, imóvel, petrificada. Esperam realmente se transformarem em pedra, caso o chutaço venha em sua direção.
Chegamos, por fim, à vocação pilar deste escrete. O time incansável. Este é o nome. Um onze que jogaria o campeonato dia sim, dia não, sem reclamar. Sem se machucar. Sem nunca frequentar o departamento médico. Um time pétreo.
Quem melhor para mistificar este elenco que Basílio? Este homem é uma metamorfose kafkiana. Atuou, durante a carreira, nas onze posições. Repito, nas onze. É daqueles que cobrava o escanteio e corria para cabecear. Quase morreu em campo tantas vezes. Repito, morreu em campo. O leitor desavisado pode dizer que estou exagerando. Pois não se trata de exagero coisíssima nenhuma. Em uma das vezes, em jogo contra o América de São José de Rio Preto, válida pelo paulista de 75, Basílio se chocou contra o joelho do goleiro, e depois contra Vaguinho. Precisou ser reanimado no vestiário pelo médico Osmar de Oliveira.
Exatamente o mesmo Vaguinho que errou o chute em 77, deixando a sobra rebatida para Basílio marcar o gol espírita que o eternizou. Não por acaso, fazendo voltar dos mortos um Corinthians sem títulos há mais de 23 anos. Gol de substância, emaranhado, cascudo.
Poucos lembram (é de se colocar entre parênteses) que nos dois primeiros jogos das finais daquele campeonato de 77, Basílio tinha atuado como lateral direito. Percebam, eu disse lateral direito. A posição da fibra. Um time não é um time se não tiver um lateral direito de pulso e firme filamento como Biguá, ou como este Basílio. Pelo menos não no Brasil.
Sem caráter, um lateral direito não cobra nem um mísero lateral.