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Breaking, b-boy Perninha e Olimpíadas de 2024

Gabriela Alvarenga 3 de dezembro de 2021

As novas modalidades esportivas deram o que falar durante as olimpíadas de Tóquio de 2020. O Brasil se destacou tanto no surf quanto no skate, nos trazendo medalhas e fazendo a galera vibrar por manobras e saltos que até hoje, muitos de nós, não sabemos o que são.

Nas Olimpíadas de 2024, a França, sede dos jogos, pediu para que se incluísse o breaking como uma nova categoria. Durante as olimpíadas e até o presente momento, diversos questionamentos e bate-papos surgiram por causa dessa dança que virou esporte. Em entrevista com o b-boy Lucas Ferreira Machado, de João Pessoa (PB), o dançarino comenta que esses debates são importantes para abrir o leque de informações que se tem sobre as danças. Para ele, será muito favorável essa inclusão.

Foto: @religarephotography

Na vanguarda de todo e qualquer questionamento, o que se sobressai na cena das pessoas que frequentam e consomem o Hip Hop é pensar como esse movimento, nascido nos guetos de Nova Iorque (EUA), chegou até as olimpíadas. O Hip Hop tem por volta de 44 anos. Muitas outras modalidades tem centenas de anos e não foram incluídas. A resposta para essa pergunta é que o breaking hoje é uma modalidade desportiva que atrai muitos jovens e está difundida no mundo inteiro.

“O breaking tem ido para lugares que antigamente não ia. Acho que o que chamou a atenção do COI (Comitê Olímpico Internacional) foi pensar: ‘Caraca, os caras tão levando o breaking para diversos lugares’”[1]

Lucas Ferreira Machado, mais conhecido como b-boy Perninha, tem esse apelido devido a uma condição de nascença. Sua perna esquerda se desenvolveu com uma má formação durante sua gestação. A origem de seu nome dançante vem daí, desta perna mais curta. A motivação a começar a dançar também nasce aí. “Por conta dessa minha condição, eu sempre procurei algum tipo de atividade onde as pessoas pudessem me enxergar como uma pessoa ‘normal’”.

Durante a entrevista, o b-boy conta que, para ele, nascer com uma condição congênita é uma situação diferente do que a de perder um membro do corpo ou sofrer um acidente e ter sequelas do ocorrido. “A gente já nasce assim”. Para Lucas, existe uma diferença na forma de acolhimento entre essas pessoas. “Você tem uma sociedade voltada para aquela pessoa, para o acolhimento, ela veio de um trauma e tudo mais. Quando a pessoa nasce com uma deficiência, a sociedade tende a olhar você como diferente, algo bizarro”.

Perninha b-boy
Foto: @religarephotography

No caso do b-boy, ele comenta que sofreu diversos tipos de discriminação. Desde pessoas desconhecidas, até familiares muito próximos. A forma de acolhimento que o manteve firme foi, primeiramente, de sua mãe, que o incentivou a praticar diversos esportes radicais que o colocassem no seu extremo. Essa influência foi frutífera. Hoje, Lucas Ferreira Machado é um dos b-boys que compõe a primeira Comissão de Atletas de breaking do Brasil. Além disso, participa ativamente e organiza diversos grupos e eventos de dança.

O breaking já é amparado por grandes competições há um bom tempo. No começo, quando a dança surgiu, as batalhas eram feitas de modo mais introspectivo, em festas em parques, em eventos de comunidades, festivais de danças. Hoje, a modalidade carrega o seu próprio evento competitivo. A Red Bull é uma das grandes patrocinadoras da dança. B-boys e b-girls de alto rendimento competem entre si para decidir quem é o melhor do mundo. O campeonato que seleciona esses dançarinos é o Red Bull BC One.

Foi nesse campeonato que o b-boy Perninha conheceu o breaking. Em 2005, o evento aconteceu em Berlim, e nessa competição estava o famoso b-boy Pelezinho. A convite do pai de um de seus amigos, Lucas assistiu a seu primeiro evento competitivo de breaking, ficou apaixonado pela dança e teve certa identificação com o que via na TV.

“[…] E pra completar, tinha um cara da França. Inclusive, nós somos brothers hoje em dia. Ele tava lá. Na época, foi uma das minhas primeiras inspirações. O b-boy Junior. Ele tem uma paralisa na perna, uma delas é mais fraca e tal. E ele foi pra semifinal do mundial, com todo mundo, competindo no mesmo nível. Isso me chamou muito a atenção”.

Perninha b-boy
Foto: @eduardomartinsrv

Depois de um tempo, b-boy Perninha foi se interessando cada vez mais pela dança. Passou a treinar em grupos de igrejas que o ensinaram o básico e em ONGs e projetos que davam incentivo à juventude popular. Neste momento, Lucas começou a integrar os circuitos competitivos e a se tornar um b-boy conhecido na sua região. Foi durante esse período também que ele participou de um grupo de dança contemporânea da sua cidade, chamado Tribo Ethnos. O grupo misturava dança contemporânea com as danças do Hip Hop e suas influências em geral. Participar desse grupo, para ele, abriu novos horizontes para se olhar a dança, sua corporalidade e os eventos competitivos.

“Quando eu entendi como meu corpo funcionava, no início foi muito difícil. Você deve conhecer o breaking, até no popping[2], você tem que estar atento a muitos detalhes. Se seu corpo não consegue responder a isso, você acaba não dançando. E meu maior receio era isso. Será que vou conseguir fazer essa coisa com a minha deficiência? Eu via esses caras com deficiência e pensava que eram um em um milhão, mas quando eu entendi o mecanismo do meu corpo, aí consegui entender a minha dança”.

Nas batalhas de breaking, a arte e a subjetividade se sobressaem sobre os regulamentos de um evento competitivo como estamos acostumados. Nesses encontros, é comum ver dançarinos mais velhos e mais novos competindo juntos. Assim como pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência se confrontando a cada movimentação. Dentre muitas influências que ocorreram ao longo do movimento, o Hip Hop teve como seu padrinho o DJ Afrika Bambaataa. Uma de suas filosofias que foi veiculada na cultura foi a influência em seus comportamentos, seja entre b-boys, b-grils ou MCs, suas batalhas deveriam ser feitas com base na criatividade e não como um recurso de violência entre eles. O DJ dizia: “Paz, amor, diversão e união devem ser o lema”. E o Hip Hop se fortalecia, se transformava cada vez mais em uma ferramenta de inclusão e de salvação de vidas.

“[…] Tem uma questão de sentimento e originalidade que a dança consegue colocar numa competição que uma outra modalidade de esporte não consegue. [] Se você que não tem deficiência nenhuma, faz o que tem que fazer. Mas se você deixa a desejar na sua identidade, em mostrar quem você é… no Hip Hop a gente prega muito isso. É mostrar quem você é, porque você tá ali. A pessoa com deficiência consegue passar por esses obstáculos por conta disso”.

Perninha b-boy
Foto: @religarephotography

Mesmo com uma melhora no quadro de medalhas do Rio para os jogos de Tóquio, e mesmo sendo o país favorito da América Latina, o Brasil ainda está muito atrás nessa disputa. Aqui existem poucos b-boys e b-girls que têm seu próprio fisioterapeuta, psicólogo, próprio espaço de treino, etc. Lá fora, em países favoritos, a infraestrutura já tem certo tempo de preparo. O treinamento para uma competição olímpica é de pelo menos quatro anos, nós vamos fazer em dois. Segundo Lucas, não temos uma estrutura adequada, o que vai dificultar a nossa performance.

No entanto, só a possibilidade de participar das olimpíadas já é um marco de uma mudança estrutural. Como aconteceu no skate, em que houve grande entusiasmo das pessoas sobre a modalidade, na dança haverá mais incentivo, mais conhecimento, mais circulação entre as pessoas sobre o breaking, e sobre o Hip Hop. Muitos eventos, empregos, encontros, acontecerão por causa dessa inclusão da dança como esporte.

Lucas reforçou essas ideias durante nossa conversa:

[] Todo esse pessoal que só vê esses pontos negativos, não tá conseguindo assimilar ainda essas capacidades que o breaking vai conseguir puxar. [] não é porque o breaking vai ser favorecido, é porque ele também vai favorecer muitas outras.

”[] Imagina quando todas as danças começarem a ser mais exploradas. Até aqui, mesmo na região, como o xaxado, o coco, o cavalo marinho, que são danças típicas daqui. O breaking nas olimpíadas abre o leque para essas discussões no meio acadêmico. E eu acredito que será muito favorável. Imagina! Eu sendo um professor universitário. Trabalhar as danças urbanas no meio acadêmico. Imagina, o pessoal da educação física, abordando breaking como um esporte. O pessoal da fisioterapia, e por aí vai […]”.

Perninha b-boy
Foto: @religarephotography

Por ser uma prática nova nas olimpíadas, a dança chama atenção. Seu destaque vai além de ser uma nova modalidade. O breaking é fruto de um movimento cultural que modificou as relações raciais e sociais de toda uma comunidade. Nascido nos bairros periféricos dos anos 70 nos EUA, hoje é uma linguagem presente no mundo inteiro. Em sua cultura, está intrínseca os valores olímpicos, como amizade e respeito.

As gangues pararam de se confrontar entre si e se uniram para o bem comum entre elas. Por causa disso, pessoas puderam circular entre bairros, se conhecer melhor e compartilhar suas expressões corporais e artísticas. Em uma breve conversa com o b-boy Perninha, percebemos também outra identidade do Hip Hop, sua capacidade de inclusão e de tornar a perspectiva sobre si mesmo algo positivo, uma ferramenta transformadora, que agrega e inclui vida.

Não vejo a hora de vestir a camisa: “Brasil – Breaking 2024”.

Vida longa ao Hip Hop e ao breaking!

Notas

[1] As declarações de b-boy Peninha transcritas aqui são fruto de uma entrevista realizada em 6 de outubro de 2021.

[2] Uma dança Funk Style que está muito presente no universo Hip Hop.


Sobre o LELuS

Aqui é o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade. Mas pode nos chamar só de LELuS mesmo. Neste espaço, vamos refletir sobre torcidas, corporalidades, danças, performances, esportes. Sobre múltiplas formas de se torSER, porque olhar é também jogar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

ALVARENGA, Gabriela. Breaking, b-boy Perninha e Olimpíadas de 2024. Ludopédio, São Paulo, v. 150, n. 4, 2021.
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