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Bruxaria e futebol africano: a história do sobrenatural jogo em Ruanda

Você acredita que bruxaria funciona no futebol? Bom, no campeonato nacional de Ruanda, em 2016, um caso indicou que sim. Antes de contar o que aconteceu, é bom contextualizar o poder da feitiçaria, superstição, “Juju” – ou como você preferir chamar –, no futebol africano.

No Brasil, é comum vermos jogadores com santinhos, terços ou até ficando de joelhos para orar, buscando uma bênção para que suas equipes vençam. Quase todo torcedor tem sua superstição, mas na África isso é levado muito mais a sério.

Momento em que Moussa Camara pega artefato “mágico” do goleiro rival e sai correndo para tentar quebrar a bruxaria do rival. Foto: Reprodução/YouTube.

É um equivoco analisar o futebol africano como uma unidade, afinal cada país tem o seu costume, sua cultura e sua escola futebolística, seja dentro ou fora de campo. No entanto, há de se ressaltar a relevância que a “bruxaria” tem para a modalidade no continente.

Há vários casos de repercussão internacional em duelos de clubes e seleções africanas, em que confusões nos gramados e nas arquibancadas foram geradas por acusações de feitiçaria. Geralmente, esse suposto tipo de trapaça é utilizado para acusações ou como justificativa de derrotas.

Alguns casos

2001 – Numa partida pela Liga Queniana, entre Leopards e Mathare United, um cachorro urinou na bandeirinha, e os torcedores do Leopards viram bruxaria nisso, um deles até invadiu o campo para perseguir o “feiticeiro” de quatro patas.

2002 – O técnico e o treinador de goleiros de Camarões foram presos pelos guardas de campo por colocarem um “pó mágico” no campo, antes da confronto contra Mali, pela Copa Africana das Nações.

2013 – No Zimbábue, o Caps United acusou o How Mine de usar “Juju” – termo que remete a algo sobrenatural e assustador, associado a feitiçarias –, e resultou numa confusão enorme.

2016 – O presidente do Zamalek, do Egito, acusou o Mamelodi Sundowns, da África do Sul, de usar “magia e feitiçaria”, na vitória dos sul-africanos na final da Liga dos Campeões da CAF.

E esses são apenas alguns dos muitos exemplos, que, para a Confederação Africana de Futebol, são motivo de vergonha para a imagem do futebol continental, tanto que as “bruxarias” são proibidas nos jogos internacionais para evitar as confusões.

A questão é que, entre a torcida, a discussão não para e, em alguns países, dentro de campo, os amuletos e ritos ainda são permitidos. Esse era o caso em Ruanda.

Num país autodeclarado liberal em relação à religião, apesar do histórico de influência católica no genocídio de 1994, as expressões das crenças eram permitidas nos gramados, pelo menos até o final de 2016.

O dia em que, aparentemente, a magia funcionou

Premier League da Ruanda, 16 de Dezembro de 2016. O Mukura Victory recebia o Rayon Sports.

No início da partida, o goleiro do Mukura pegou um amuleto e o enterrou perto da sua trave. A justificativa: amaldiçoar o Rayon, líder do campeonato, e proteger sua meta.

O primeiro tempo terminou 0 a 0. Na etapa final, os donos da casa saíram na frente, e foi aí que a polêmica começou.

Favorito, o Rayon começou a pressionar. Finalizava, pressionava, mas não marcava.

Num momento em que o goleiro do Mukura estava caído, o protagonista dessa história, Moussa Camara, camisa 9 do Royan Sports, pegou o amuleto do adversário e o jogou pra longe.

A partida parou, teve confusão entre os futebolistas e na arquibancada, mas o artefato “mágico” foi recuperado e voltou para perto do seu dono.

O cenário de ataque contra defesa continuou sem gols e poderia ter terminado assim se Camara não tivesse se aproveitado da desatenção do goleiro rival para quebrar a maldição.

Ele pegou o objeto, saiu correndo até o banco de reservas, entregou para seus companheiros de equipe, que esconderam a proteção mágica do Mukura Victory.

Resultado? Minuto 52, bola jogada na área, último lance do jogo… Moussa Camara cabeceia e faz o gol de empate.

Não há prova nenhuma de que haja influência mágica, isso fica para a superstição, mas esse caso foi tão emblemático que a Federação de Futebol da Ruanda (FERWAFA) proibiu a feitiçaria nos jogos.

Com a mesma prerrogativa da CAF, de “melhorar a imagem e evitar confusões”, eles decidiram punir com a perda de três pontos os clubes que infringissem tal ordem. A punição também prevê suspensão de três partidas para o atleta e quatro para o treinador que usarem artifícios sobrenaturais, além do prejuízo financeiro ao clube ou profissional envolvido.

Mais tarde, curiosamente, o Rayon foi campeão matematicamente numa vitória por 2 a 1 sobre o Mukura, já em abril de 2017. Emblemático para os jogadores, que acreditaram de corpo e alma no poder da magia que quebraram no empate do primeiro turno.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcus Arboés

Acadêmico em jornalismo na UFRN, narrador esportivo em formação e apaixonado por um futebol bem jogado e com aproximações, no melhor estilo latino! Atuo no Universidade do Esporte.

Como citar

ARBOéS, Marcus. Bruxaria e futebol africano: a história do sobrenatural jogo em Ruanda. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 63, 2020.
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